30 novembro 2007

VPV vs. MST

Sinceramente ainda não li nem sei se vou ler o novo romance de Miguel Sousa Tavares. No entanto, as críticas de Vasco Pulido Valente a Sousa Tavares parecem-me desproporcionadas e até completamente desapropriadas. Basta pensar o seguinte: um romance é um romance é um romance. Se os alegados factos históricos não fossem romanceados não seria um romance. Tendo isto em linha de conta, a disputa entre os dois parece-me mais um caso de ajuste de contas pessoais do que um caso de simples crítica literária. Não há nada mais a dizer.
Para além do mais, lá por os romances de MST venderem bem acima do que é normal entre nós não é nenhum defeito. Muito pelo contrário. Sendo Portugal um dos países com alguns dos piores índices de leitura na Europa, o sucesso editorial de MST (e de José Rodrigues dos Santos) é um facto que devemos saudar.


"O, beware, my lord, of jealousy;
It is the green-ey'd monster which doth mock
The meat it feeds on.Spoken by Iago (3.3.189-91)" Othello, Shakespeare

ASP

28 novembro 2007

GORDON BROWN, DURÃO BARROSO E SÓCRATES

O primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, anunciou que não irá participar na cimeira Europa-África que se vai realizar em Lisboa, e que contará com a presença de Robert Mugabe, presidente do Zimbabué. Apesar de não devermos ter ilusões sobre as alegadas boas intenções de Brown, esta é uma decisão politicamente acertada, pois a opinião pública britânica claramente apoia o seu primeiro-ministro neste seu boicote contra o regime de Mugabe. Mas esta é igualmente uma decisão pessoal. Nos últimos anos, Brown tem levado a cabo uma cruzada pessoal contra a pobreza na África (ele é um dos “Planners” que William Easterly descreve no seu último livro) e, supostamente, gostaria de ressuscitar a ideia de Tony Blair que a política externa britânica se devia pautar por princípios éticos e pelo respeito pelos direitos humanos. Mas, se é assim, porque é que renegamos ao autoritarismo de Mugabe mas compactuamos, por exemplo, com a ditadura saudita? Alguma sugestão? Se o governo britânico dá realmente primazia aos direitos humanos, como é que podemos explicar que a Grã-Bretanha continua a ser um dos principais exportadores de armas para os países subdesenvolvidos?
Mesmo assim, e apesar de todas as possíveis hipocrisias, interessa realçar que a recusa de Brown em conviver com o ditador de um regime que tem sistematicamente levado a cabo práticas de tortura e assassinato políticos é um passo em frente nas relações internacionais. Às vezes, a ética e a integridade dos nossos líderes deveriam sobrepor-se a meros interesses estratégicos e económicos.
Esta é uma lição que Sócrates e Durão Barroso deviam aprender.

ASP

26 novembro 2007

O MITO DA AJUDA EXTERNA E A ERRADICAÇÃO DA POBREZA






Depois do magistral The Elusive Quest for Growth, William Easterly volta ao tema da ajuda externa como instrumento de ajuda aos países subdesenvolvidos no seu novo livro The White Man's Burden. O livro é principalmente um ataque aos Planificadores (os “Planners” na terminologia de Easterly) e às influentes ideias de Jeffrey Sachs, que tem servido de base às iniciativas do G8 e de Gordon Brown no âmbito da redução da pobreza mundial. No seu livro The End of Poverty, Sachs defende um aumento substancial da ajuda externa bem como o perdão da dívida externa dos países mais pobres. Sachs acredita e tem o sonho de erradicar a pobreza extrema até 2025, bem como acabar com a desnecessária e prevenível mortalidade de doença como a malária, a tuberculose e a disenteria. Com ideais tão nobres, não é de espantar que as ideias de Sachs tenham sido recebidas com um enorme entusiasmo por parte da comunidade internacional, desde o Papa a Gordon Brown, que recentemente anunciou o dobrar da ajuda externa aos países africanos. Segundo Sachs e seus adeptos, o que o mundo precisa é de um Grande Empurrão (Big Push) para erradicarmos de vez a pobreza extrema.


Contrariamente, Easterly argumenta que a estratégia do Grande Empurrão é simplesmente mais-do-mesmo que temos tido nos últimos 50 anos: mais ajuda externa, mais perdão da dívida externa, mais e mais e mais. Nos últimos 50 anos, o mundo (principalmente o Ocidente) despendeu 2.3 triliões de dólares (sim, leu bem, triliões) em vários pacotes de ajuda aos países subdesenvolvidos. Resultados? Nulos, ou quase nulos. Os países a quem perdoámos as dívidas são uma vez mais os mais endividados do mundo e os países que mais receberam ajuda externa (por habitante e em termos do PIB) são os mesmos a clamar por ainda mais ajuda externa. Por outro lado, os países que saíram das suas armadilhas de pobreza (poverty traps) e de uma situação de pobreza extrema (a Coreia do Sul, o Botswana, Singapura, Hong Kong, Taiwan, e, mais recentemente, a China e a Índia) alcançaram taxas de desenvolvimento económico apreciáveis com pouca ajuda externa (por habitante e em termos do PIB). Pelo contrário, toda a estratégia de crescimento destes países centrou-se no desenvolvimento doméstico (homegrown development).
Porque é que a ajuda externa não resultou? Porque, segundo Easterly, não só porque os países doadores nem sempre canalizaram a sua ajuda para os fins do desenvolvimento (mas sim para fins militares ou estratégicos), mas também porque a ajuda externa foi muitas vezes dada a países com maus governos, administrações corruptas e não levaram em linha de conta os incentivos das pessoas (e os pobres) dos países subdesenvolvidos. Segundo Easterly, o Grande Empurrão planeado pelos G8 e por Sachs está condenado ao fracasso, pois é mais uma estratégia que “vem de cima” (Top-down approach), não sendo desenhada pelos actores no terreno (Bottom-up approach). Qual é a solução? Mais desenvolvimento doméstico, ajuda externa menos sexy e grandiosa, mas mais direccionada a projectos locais, “vouchers” para o desenvolvimento, e uma menor interferência do Ocidente, do FMI e do Banco Mundial.


Quem tem razão? Sachs ou Easterly? Não há uma resposta clara. Um intermédio talvez seja a melhor estratégia. O Grande Empurrão de Sachs não é certamente ideal, mas o Quase Fazer Nada de Easterly é demasiado insuficiente e pouco satisfatório. É exactamente esta a opinião de Paul Collier, cujo livro The Bottom Billion será analisado numa próxima ocasião.

25 novembro 2007

Obra-prima


Amesterdão




Nove horas em Amesterdão a caminho de Lisboa. Os canais. Os eléctricos. As bicicletas que nos ameaçam atropelar a todo o instante. O céu encoberto. A chuva. Os telhados cinzentos. Castanhos. Negros. As ruas apinhadas, repletas de gente. De gentes. De todo mundo. De todas as raças. Os locais. Os turistas. As hordes de ingleses que chegam nos ferries à procura de álcool e tabaco barato. O cheiro a haxixe. Omnipresente. A tabaco. Constante. A língua áspera. Rude. Gutural. Que me faz sempre lembrar do tempo em que tive meia dúzia de lições de holandês. (Quando pensava que vinha para aqui estudar.) Do tempo em que aprendi que quando se diz noite agradável (gezelig nacth?) parece que nos arrancam as unhas. Que nos a extirpam a carne. Que nos desentranham a alma.

Comprei um dos meus CDs favoritos. Um CD há muito perdido. Shirley Horn “You Won’t Forget Me”, com Miles Davis, Branford Marshalis. Winton Marsalis, entre outros. Tinha saudades.

Gosto do multiculturalismo. Da diversidade. Da cidade. Não é das minhas favoritas. Mas, certamente voltarei. Um dia. Noutra viagem. Noutra passagem.

ASP

24 novembro 2007

PORQUE É QUE DEVÍAMOS REGRESSAR AO FADO, FUTEBOL E FÁTIMA






Extracto do livro “Os Mitos da Economia Portuguesa”, que será lançado na próxima terça-feira às 18:30, na livraria Almedina do Saldanha. Já nas bancas.

“No tempo da ditadura bolorenta e provinciana do Estado Novo, havia uma máxima que nos distinguia do resto do mundo. Portugal seria o país dos três F’s, do Fado, Futebol e Fátima. A conotação do país dos três F’s era manifestamente negativa, sendo associada ao tradicionalismo e à falta de instrução que caracterizava a população portuguesa nessa época. O Fado era visto como uma forma de expressão de um país subdesenvolvido, o arreigado apego ao Futebol era semelhante ao de outros países subdesenvolvidos como o Brasil, e Fátima era o reflexo de um país acorrentado por um catolicismo conservador e inculto. Não mais. Hoje em dia orgulhamo-nos do estatuto de estrela internacional de Mariza e dos Madredeus, dos feitos de Cristiano Ronaldo e até o Papa e católicos de várias proveniências rezam à Senhora de Fátima. Ou seja, o Fado, o futebol e Fátima estão na moda, não só a nível nacional, mas também internacionalmente. Ora, se é assim, se mesmo os 3 F’s conseguem inovar num mundo crescentemente globalizado, porque não investir mais nestas nossas vantagens comparativas?
...
[De facto,] o que será melhor? Produzir chips para computadores ou produzir batatas fritas (também chamadas “chips” em inglês)? É obvio que chips para computadores têm um maior valor acrescentado. Contudo, se produzir batatas fritas de qualidade para exportação nos pode fazer ricos, porquê negligenciar esta avenida de crescimento? De forma similar, se os outros países gostam dos nossos futebolistas, apreciam a beleza do fado, e gostam de vir a Fátima para se renovarem espiritualmente, porque é que nos devemos inibir de apostar nestes sectores? Porque é que teremos que ter pudor em investir nos 3 F’s? Não há razão nenhuma para não nos orgulharmos do novo Portugal dos 3 F’s.”

22 novembro 2007

LIVROS DO ANO _ ADICHIE


Um dos livros do ano é certamente "Half of a Yellow Sun" de Chimamanda Ngozi Adichie, premiado com o Orange Prize, um dos mais prestigiados prémios literários do Reino Unido.
Esta é uma história poderosa e trágica, que transporta o leitor para os primeiros anos de independência nigeriana e a subsequente tragédia da guerra de Biafra nos anos 60.
O livro narra as vidas de duas irmãs, Olanna e Kainene, antes e durante o conflito de Biafra. Olanna apaixona-se por Odenigbo, professor universitário e pan-africanista, enquanto Kainene, uma revolucionária, se junta a Richard, um inglês introvertido que se vê envolvido na causa de Biafra. Outra personagem central é Ugwu, servente ("houseboy") de Odenigbo, que se vê forçado a participar no conflito militar e que assume um papel crescentemente importante ao longo do livro.
Os protagonistas são todos Igbo e cristãos, os derrotados da guerra, sendo este um contributo essencial para a memória deste conflito que vitimou centenas de milhares de pessoas.
Este é um livro para ler e reler. Esta é uma obra que não vai esquecer.
Esperemos que a tradução portuguesa chegue em breve.

P.S. Tecnicamente, o livro não é deste ano. O livro foi publicado em Agosto de 2006, mas a edição paperback saiu no início deste ano, tendo ganho maior notoriedade a partir de então.

ASP

20 novembro 2007

Os Campeões das Greves


Se o Guiness Book of Records desse um prémio para os maiores grevistas do mundo, certamente que os franceses o ganhariam. Pelo menos no mundo ocidental.
Quando as coisas não correm bem e/ou há o mínimo indício de um movimento reformista, não faz mal. A receita é simples: toca a fazer greve!
O motivo não interessa. Pode ser por causa da Política Agrícola Comum, da Administração Pública ou até mesmo porque existe a suspeita de que certas reformas irão ser implementadas.
Quando não se concorda com uma política ou uma reforma, a solução é fazer parar o país (e parte da Europa), quer cortando as principais vias de comunicação, despejando leite, tomates e batata nas ruas da amargura gaulesa, ou então fazer manifestações monstruosas onde se criticam o capitalismo e as chamadas políticas neoliberais (leia-se: americanas).
A situação francesa actual faz lembrar o que se passava no Reino Unido até à chegada da Mrs. Thatcher. Nessa altura, os britânicos eram os recordistas do número de greves, do número de dias de trabalho perdido, e a produtividade laboral era bastante baixa quando comparada à dos outros países europeus mais avançados. Não é à toa que se falava então da Doença Britânica.
Na campanha eleitoral, Sarkozy prometeu que iria mudar este estado de coisas. Neste sentido, chegou a hora da verdade do presidente francês. Se ceder aos grevistas, pode ter a certeza que quaisquer reformas terão o mesmo destino que o leite, os tomates e as batatas dos grevistas. Por outro lado, se se conseguir afirmar e vencer esta batalha, então haverá alguma esperança que a França se irá finalmente reformar. A ver vamos.
ASP

19 novembro 2007

Milagres em Português?

Fonte: Maddison (2006)

As economias de Angola e Moçambique continuam a bom ritmo. Se assim se mantiverem, dentro em breve, os níveis de vida destes países irão ser mais altos do que antes de 1974. Depois de quatro décadas de guerra, quem diria que a recuperação destas duas economias se daria tão depressa? É certo que o crescimento económico angolano é principalmente suportado (e devido) à subida dos preços do petróleo. Porém, apesar de tudo (i.e. da corrupção e da gritante desigualdade), o crescimento económico tem sido de tal ordem que os níveis de pobreza têm decrescido um pouco por todo o país. Existem ainda muitos desafios, mas augura-se um futuro melhor se a tendência de forte crescimento for mantida.

O milagre económico de Moçambique é ainda mais surpreendente. Em 1992, Moçambique era um dos países mais pobres do mundo e muitos analistas não anteviam um futuro risonho para o país. O fim da guerra civil, as reformas de Chissano (que bem merece o prémio recentemente recebido) e a liberalização da economia nos anos 90 alteraram a tendência negativa. Contra todas as previsões, Moçambique é hoje em dia um caso paradigmático de sucesso na África Subsaariana. Será Moçambique o novo Botswana, o novo leão africano?

ASP

17 novembro 2007

NATIONAL BOOK AWARDS

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Foram anunciados os vencedores do National Book Awards de 2007, o mais importante prémio literário americano.

  • Ficção: Denis Johnson, "Tree of Smoke" (Farrar, Straus & Girou)
  • Não- Ficção: Tim Weiner, "Legacy of Ashes: The History of the CIA" (Doubleday)
  • Poesia: Robert Hass, "Time and Materials" (Ecco/HarperCollins)
  • Young People's Literature: Sherman Alexie, "The Absolutely True Diary of a Part-Time Indian" (Little, Brown & Company)
Ainda não os li todos, mas recomendo vivamente a obra de Alexie, que é bem mais do que um livro somente para os mais leitores jovens e pode ser comparado à agradável surpresa proporcionada pelo "The Curious Incident of the Dog in the Night Time" de Mark Haddon em 2003.

Tomei conhecimento da obra de Alexie num podcast da NPR Books. O livro relata as aventuras de Arnold Spirit, um jovem "indio" (nas suas próprias palavras) de 14 anos, que, cansado do alcoolismo e da falta de perspectivas na reserva da sua tribo Spokane (perto de Seattle), decide inscrever-se numa escola de brancos fora da reserva. Relatado na primeira pessoa, "The Absolutely True Diary of a Part-Time Indian" retrata os desafios que Arnold enfrenta para ser aceite tanto pelos seus novos amigos brancos, como para não ser completamente ostracizado pelos seus companheiros e família na reserva.

Muito divertido e bem escrito, este é um livro recomendável como uma primeira introdução à literatura das chamadas First Nations, a qual crescentemente se tem tornado num marco incontornável das literaturas canadianas e americanas.

P.S. Tendo em conta os seus novos livros, para o ano, Ha Jin e Phillip Roth serão seguramente fortes candidatos aos prémios de 2008.

16 novembro 2007

Capa "Os Mitos da Economia Portuguesa"


PORQUE É QUE CHEGAMOS SEMPRE TARDE A TUDO, MAS CHEGAMOS A TEMPO À MISSA OU AO FUTEBOL?

Extracto do livro "OS MITOS DA ECONOMIA PORTUGUESA", editora Guerra e Paz

"Se existe uma regularidade empírica em Portugal, é que, em média, os portugueses chegam sempre tarde aos seus compromissos. É sabido que os portugueses quase nunca têm pressa (a não ser que estejam ao volante...). Quer seja um encontro causal, quer uma reunião entre colegas, quer até um encontro amoroso, os portugueses chegam quase sempre atrasados. As nossas consultas médicas quase nunca começam a horas, os jantares com amigos começam invariavelmente tarde, e frequentemente chegamos atrasados às aulas. A prática de chegar atrasado é tão prevalecente que muitos de nós até se vangloriam de nunca chegarem a horas. Assim, ouvimos com frequência a expressão “eles que esperem!”, principalmente quando os indivíduos em questão têm algum poder sobre os que têm que esperar. E esperar nós esperamos...
No entanto, nunca ou quase nunca chegamos tarde à missa (quem for praticante) ou ao futebol (quem for adepto, principalmente dos ferrenhos). E se começarmos a pensar, então vale a pena questionarmo-nos: porque é que nunca nos atrasamos para os nossos concertos favoritos, mas nos atrasamos quase sempre para os encontros com amigos? Porque é que chegamos a horas ao cinema, mas quase nunca às aulas? Porque é que somos tão relapsos nalgumas ocasiões, mas tão cumpridores noutras? A resposta encontra-se uma vez mais no sistema de incentivos e nas suas penalidades (ou a sua ausência). Nunca chegamos tarde à missa, porque existem pressões sociais para não o fazermos. Se o fizermos, o padre pode chamar-nos à atenção em frente da congregação e as pessoas presentes ficarão com uma má impressão de nós. Como as igrejas e os seus crentes funcionam como grupos sociais fechados, os indivíduos que prevaricam ou cujo comportamento seja considerado desadequado sujeitam-se a sofrer sanções e pressões sociais. Por isso, existe um forte incentivo para não chegarmos tarde à missa e a outros eventos religiosos, para não ficarmos mal vistos perante o nosso grupo social e os nossos pares. Por outro lado, nunca ou raramente chegamos tarde ao futebol ou ao cinema, porque se o fizermos a nossa utilidade poderá ser afectada negativamente. Poderemos não testemunhar um golo espectacular, faltar a uma cena crucial do filme, ou não estar presentes quando a nossa equipa marca um penalti. Assim, existem grandes incentivos para chegarmos a horas a estes eventos.
Ora, se existem razões válidas para não chegarmos atrasados à missa, ao cinema ou ao futebol, porque é que não fazemos o mesmo em relação ao resto das nossas vidas? Porque é que os portugueses se esmeram em chegar atrasados a quase todos os outros seus compromissos? A resposta, como era de esperar, encontra-se também no nosso sistema de incentivos. Por mais que nos tentemos desculpar quer com factores genéticos (quiçá uma propensão latina para procastinar), quer ambientais (talvez o tempo seja bom demais para nos fecharmos num escritório), a verdade é que tudo se resume ao sistema de incentivos que utilizamos para reger as nossas vidas. E se é assim, se nós sabemos o que está mal, se percebemos o que funciona menos bem no nosso quotidiano, porque é que não alteramos esses mesmos incentivos? Porque é que não modificamos os nossos comportamentos menos correctos?"

Porque é que a OTA e o TGV são ilusões (ou porque é que não existem receitas mágicas)

Extracto do livro "OS MITOS DA ECONOMIA PORTUGUESA", editora Guerra e Paz

"Existe uma regra de ouro com a qual deve estar munido sempre que ouve falar um economista ou, sobretudo, um político. Se esse economista ou político lhe prometer uma receita mágica, se lhe disserem que existem uns pozinhos milagrosos para os problemas da economia portuguesa, a primeira coisa que deve fazer é desconfiar. A seguir, a segunda coisa é lembrar-se da regra de ouro da boa educação económica: não existem receitas mágicas. Quem lhe disser o contrário ou está a mentir ou os seus conhecimentos de Economia são provavelmente questionáveis. É verdade que alguns economistas (e políticos) prometem tudo e mais alguma coisa: prometem curar a esclerose da economia em três tempos, a artrite do mercado de trabalho, acabar com a gota do desemprego dos jovens, erradicar a malária da inflação, entre muitas outras coisas. Frequentemente, esses mesmos economistas-curandeiros anunciam a receita mágica para o fim dos males nacionais, apresentando projectos megalómanos, tais como a barragem do Alqueva que iria solucionar os problemas agrícolas do Alentejo, ou a construção de Cabora Bassa que iria ser a mola impulsionadora do desenvolvimento económico moçambicano. Recentemente, os curandeiros apareceram-nos com os projectos milagrosos da OTA e o TGV, os quais iriam gerar um investimento público de tal monta que nos iria resgatar da estagnação económica. Nesta lógica, a OTA iria rivalizar com o aeroporto de Madrid como um dos pólos centrais da Península Ibérica, e o TGV iria ligar-nos definitivamente com a Europa, acelerando o nosso processo de convergência com os países mais ricos.
Ora, por mais que custe admitir, os economistas não são curandeiros. Nem os políticos. De facto, se forem sérios e honestos, economistas que se prezem nunca poderão prometer aquilo que não pode ser prometido. Não há receitas mágicas nem para o crescimento nem para o desenvolvimento económico. Com efeito, uma lição que deve sempre reter é que os economistas sabem perfeitamente como destruir uma economia, mas não como a construir.
Neste sentido, desconfie de qualquer economista (ou político) que proclame a invenção da pólvora económica ou que tenha receitas mágicas para os problemas da economia nacional. As economias são animais complexos. Uma regra de ouro que os economistas têm é que deve haver uma política para cada objectivo. Se um suposto economista (ou um político) lhe aparecer pela frente e lhe disser que tem uma cura milagrosa (quer seja uma obra pública de grande envergadura ou uma paixão assolapada pela educação) para todos os problemas da economia nacional, já sabe que está perante um(a) economista-curandeiro(a). Desse modo, tem duas possibilidades: ou não lhe dê ouvidos, ou não vote nele(a), ou confronte-o(a) com a inerente contradição dos seus argumentos falaciosos.
Se aceitarmos esta lógica, é fácil percebermos que projectos como o TGV e a OTA, mesmo que viáveis ou exiquíveis financeiramente (o que é duvidoso), nunca poderão ou deverão ser vistos como receitas mágicas para o desenvolvimento português ou para uma retoma económica. Se tiverem o efeito desejado (o que também é duvidoso), poderão contribuir para essa mesma retoma e para o crescimento económico, mas os seus efeitos e consequências serão limitados. Isto é, a OTA e o TGV não são nem nunca serão as receitas mágicas do crescimento da economia portuguesa, nem são nem nunca serão a pólvora impulsionadora da retoma económica. Se alguém discorda, por favor apresente estudos custo-benefício bem fundamentados, bem como modelos e estimativas credíveis que provem as suas alegações. Até hoje, não conheço nenhum."