31 outubro 2010

PORTUGAL NA MODA (2)

Os têxteis e o calçado são frequentemente considerados como os “sectores tradicionais” da economia portuguesa. No entanto, muitas vezes esquecemo-nos que foram exactamente estes sectores os principais motores do impressionante crescimento económico registado aquando da industrialização portuguesa iniciada no final da década de 50. Não é difícil perceber porquê. Nos anos 60, Portugal tinha claras vantagens comparativas nestes sectores em relação aos nossos principais concorrentes nos mercados internacionais. Os têxteis e o calçado eram de boa qualidade e com um custo muito atractivo, visto que os salários portugueses eram relativamente baixos e a mão-de-obra nacional era abundante. Estas vantagens eram ainda mais pronunciadas numa altura em que a Europa de Leste e países como a China estavam bem longe de participar nos mercados exportadores. Por isso, a partir da década de 1960, Portugal aproveitou a boleia da entrada na EFTA (a área de comércio livre europeia), e as exportações nacionais dos têxteis e do calçado cresceram a ritmos muito elevados (a rondar os 20% ao ano) até aos meados dos anos 70. Contudo, a turbulência política e económica que se seguiu à Revolução de Abril de 1974 e a recessão mundial provocada pelos choques petrolíferos dessa década provocaram um abrandamento significativo do nosso sector exportador, com especial incidência para os têxteis e calçado, que viram aumentar significativamente a sua contribuição no total das exportações nacionais (ver gráfico)
Fonte: Banco de Portugal 
Uma segunda era de ouro dos têxteis e do calçado nacionais ocorreu com a nossa adesão à Comunidade Económica Europeia, quando os europeus abriram ainda mais os seus mercados aos nossos produtos. Assim, e como podemos ver no gráfico, no início da década de 90, os têxteis e o calçado já constituíam cerca de um terço das exportações nacionais. Infelizmente, os tempos bons não duraram muito. Ao longo dos anos 90, três factores acabaram por marcar profundamente estes sectores. Primeiro, o muro de Berlim caiu, e a Europa decidiu reunificar-se após décadas de costas voltadas, de modo que, a partir daí, os nossos exportadores passaram a ter que concorrer nas mesmas condições às oferecidas aos países do Leste europeu. Segundo, países como a China aproveitaram a maior liberalização dos mercados mundiais para se industrializarem e para se tornarem em máquinas exportadoras extremamente eficientes e concorrenciais, arrasando muitos dos seus concorrentes nos mercados internacionais. Os têxteis e o calçado portugueses foram dos mais afectados, de modo que nos anos seguintes não só estes sectores viram diminuir a sua importância no total das exportações nacionais (gráfico 1), como a sua quota de mercado nas exportações mundiais decresceu significativamente (Quadro 1). E, terceiro, em meados da década de 90, Portugal decidiu aderir à moeda única europeia, o que acabou com a possibilidade de desvalorizar a moeda (o que tornava as exportações mais baratas) para ganhar competitividade. Neste sentido, é interessante observar que vários estudos mostram que o fim do escudo afectou principalmente os sectores mais vulneráveis de baixo valor acrescentado da economia nacional, tais como os têxteis e o calçado. Foi, aliás, nessa altura em que muitos declararam que os têxteis e o calçado portugueses não tinham futuro, o que iria arrastar centenas de empresas nacionais para a falência e milhares de trabalhadores para o desemprego. E foi aí que a indústria da moda espreitou a sua oportunidade e veio a dar um novo e importante fôlego a estes sectores.
O RESSUSCITAR DA MODA

30 outubro 2010

PROPOSTAS PRECISAM-SE


Numa altura em que sabemos que o Orçamento para o próximo ano vai ser aprovado e que a probabbilidade de haver eleições no primeiro semestre de 2011 é elevada, penso que chegou a hora de começarmos a debater o futuro e as prioridades da política económica para o próximo governo. Neste sentido, seria bom se os partidos da oposição começassem não só a preparar as eleições que se adivinham, mas também que, principalmente, começassem a preparar muito bem o terreno para a próxima governação. Porquê? Porque a próxima legislatura será a mais difícil das últimas décadas, visto que o próximo governo irá herdar uma situação económica e financeira extremamente complicada e atribulada. Como já não há mais margem de manobra para nos continuarmos a iludir sobre a situação económica e financeira do país,  é fundamental que o  principal partido da oposição (que certamente participará no próximo governo) apresente propostas muito concretas sobre os três grandes problemas nacionais, que são:
1) como solucionar o crescimento económico anémico (e o desemprego que lhe está associado)? 
2) Como resolver a crise das finanças públicas?, e, 
3) Como solucionar a crise do endividamento externo?
O ideal era que o principal partido da oposição (bem como a restante oposição) apresentasse aos eleitores um conjunto de medidas simples e fáceis de entender sobre como o próximo governo pretende resolver cada um destes problemas. Penso que a apresentação de propostas concretas para uma nova política económica é essencial não só para uma estratégia eleitoral bem sucedida, mas também para que o próximo governo chegue ao poder bem preparado e com uma estratégia bem definida sobre como atacar as dificuldades actuais. Não adianta somente diagnosticar os males do país ou dizer à posteriori que tínhamos razão, que nós bem tínhamos avisado que o endividamento era insustentável ou que a crescente dívida pública e o despesismo do Estado estavam a contribuir para a crise económica. Já se viu nas últimas legislativas que esta é uma estratégia destinada ao fracasso.
Por isso, penso que é fundamental que, nos próximos meses, os partidos comecem a apresentar e discutir soluções concretas sobre como podemos solucionar os nossos problemas, para que os portugueses percebam muito claramente que há uma alternativa às más políticas dos últimos 15 anos e que essa alternativa tem um rumo bem definido.

POUPAR OU GASTAR?


Poupar ou gastar, eis a questão. O que fazer em tempos de crise? Gastar mais para fomentar o consumo e o crescimento da economia nacional? Ou, gastar menos para diminuir o nosso endividamento externo? Esta é uma das questões mais importantes com que nos iremos deparar nos próximos tempos. Se não fosse o nosso elevado nível de endividamento, uma economia em crise beneficiaria se os portugueses gastassem mais, em consumo e em investimento. Se a estes se juntassem os estrangeiros (através das exportações nacionais) ainda melhor.  
No entanto, como o nosso endividamento já está bem acima daquilo que produzimos, poupar e pagar dívidas não é apenas racional, é imperioso. Porquê? Porque se insistirmos em consumir acima dos nossos rendimentos, mais cedo ou mais tarde os credores deixarão de nos conceder crédito, o que poderá dar origem a uma crise financeira e económica bem pior do que a actual. 
O que fazer? Não haverá um meio termo? Se quer ajudar a economia nacional, o melhor que tem a fazer é poupar mais e, se possível, investir em acções das empresas nacionais ou em obrigações (das empresas e do Estado). Ao fazê-lo, ajuda a financiar a economia nacional, permitindo ainda diminuir o endividamento externo, pois não temos que pedir crédito ao exterior. 
Por outras palavras, poupar e gastar não são totalmente incompatíveis. Nós poupamos e as empresas investem. O que é preciso é que os nossos gastos e poupanças sejam canalizadas para as empresas e o sector privado, e não para o Estado. Ou seja, tudo o que não temos feito nos últimos anos.

Nota: Meu artigo no Notícias Magazine de Julho de 2010

29 outubro 2010

UM PAÍS A ENCOLHER


Nos últimos anos, a população da Hungria tem vindo a diminuir consideravelmente. Assim, segundo uma estimativa recente, os hungaros já são menos de 10 milhões. A diminuição da população húngara tem sido tão rápida que os húngaros já começaram a debater o que fazer para contrariar esta tendência. 
Entre nós, esta questão é tratada como muitas outras: com uma indiferença quase total por parte dos nosso governantes e da opinião pública. Porém, seria bom se nós seguíssemos o exemplo húngaro e começássemos a debruçarmo-nos sobre esta importante questão. Numa altura em que a nossa natalidade é já uma das mais baixas do mundo e sabendo que enfrentamos actualmente uma vaga emigratória significativa, não será chegada a hora de começarmos a debater as consequências de termos um país com uma população mais reduzida? Quais serão as implicações para a sustentatibilidade das finanças públicas? Para a sustentabilidade do sistema de Saúde?  Para o sistema de pensões? Para o crescimento económico? Para o sistema educativo? Para as universidades?
Posso estar muito enganado, mas penso que o nosso primeiro susto em relação às consequências desta evolução demográfica e emigratória acontecerá no próximo ano. Quando? Quando se fizerem as contas do Censo da população e chegarmos à conclusão que a população cresceu bem menos do que o que esperávamos, mesmo depois de contabilizarmos um crescimento sem precedentes da imigração. Tal constatação será um choque para muita gente. Ao menos, esperemos que esse choque sirva para começarmos a fazer alguma coisa para inverter este estado de coisas. 
Mas esperemos que não. Esperemos que esse choque nunca aconteça. Sinceramente, esta é uma das questões em que espero estar errado. Logo veremos.

MAIS UMA BOA INICIATIVA

Uma boa iniciativa do Bloco de Esquerda, que vale a pena discutir.

DUAS ENTREVISTAS

Duas boas entrevistas: aqui e aqui.

28 outubro 2010

SEM BETÃO

Sem dúvida. Se não formos nós a fazê-lo, serão certamente outros a mandatá-lo.

AS ORIGENS DO "MONSTRO" (2)

A propósito post anterior, o Guillaume Tell pergunta: "sabendo que a despesa pública em 1950 valia cerca de 16% do PIB e em 1973 a despesa pública valia cerca de 21% (fonte: Luciano Amaral, Economia Portuguesa: As Últimas Décadas), como é possível neste gráfico que o consumo pública cresça tanto para o igual período?"
A resposta é: crescimento económico. Portugal registou o período de maior crescimento económico da sua História na década de 60, quando o país se industrializou. A despesa pública também cresceu muito em valor absoluto, mas  não tão depressa em percentagem do PIB. Ora, o cálculo da despesa pública em percentagem do PIB é feito dividindo a despesa pública pelo PIB (e multiplicando por 100, se quisermos). Assim, quando a despesa sobe muito depressa mas o crescimento económico também é apreciável, o rácio despesa-PIB não cresce tão rapidamente. Foi assim que foi possível manter um crescimento elevado da despesa pública sem que tenha aumentado muito a despesa em % do PIB.
A partir da década de 70, a despesa continuou a aumentar a um ritmo elevado, mas o crescimento económico abrandou. Por isso, a partir de então, o rácio despesa-PIB cresceu muito rapidamente.

AS ORIGENS DO "MONSTRO"


Há uns anos atrás, Cavaco Silva escreveu um influente artigo de opinião, onde o crescimento explosivo da despesa pública foi apelidado como um "monstro". Sabendo que a situação actual se deve exactamente ao facto deste "monstro" estar fora de controlo (bem como devido ao nosso elevado endividamento externo), é importante perceber as origens do elevado crescimento da despesa pública nacional. Neste sentido, vale a pena perguntar: quando é que o monstro "apareceu"? Será que foi nos tempos dos governos de António Guterres? Nos governos actuais? Ou será que foi anteriormente? Para podermos responder adequadamente a estas questões, vale a pena olharmos para o passado e vermos então a evolução da despesa pública nacional. 
Assim, num trabalho recente, eu e o João Jalles, da Universidade de Cambridge, tentámos perceber melhor as grandes tendências do crescimento económico nacional nas últimas décadas e calculámos uma série de indicadores económicos, entre os quais se encontra a despesa pública.
Os resultados em relação ao consumo público e o PIB nacional são bastante elucidativos sobre as origens do “monstro”. Neste sentido, o gráfico abaixo mostra o crescimento de tendência (isto é, sem flutuações) do consumo público e do PIB nacional nos últimos 100 anos. Como podemos ver, e contrariamente ao que às vezes se apregoa, o crescimento do “monstro” começou durante o regime Salazarista, principalmente a partir dos anos 1950, quando os gastos públicos aumentaram tremendamente. Assim, a ideia de que o regime Salazarista controlou as despesas do Estado é mais um mito do que a realidade. A verdade é que a chamada “ditadura” financeira foi levada a cabo principalmente nas primeiras 3 décadas do regime salazarista, mas foi posteriormente relaxada nas décadas seguintes. Assim, a partir dos anos 50, e seguindo as tendências de outros países, as despesas estatais aumentaram muito rapidamente.  

Gráfico _ Crescimento de tendência do consumo público em Portugal, 1910-2009
Fonte: Jalles e Santos Pereira (2010)


O crescimento do Estado não só continuou na década seguinte, como foi até mais impulsionado com o advento das guerra coloniais. Quando o PIB abrandou a partir da década de 1970, mas os gastos públicos mantiveram um elevado crescimento, estavam criadas as condições para um crescimento exponencial do nosso Estado. Como podemos ver, o pico do crescimento dos gastos públicos ocorreu em meados dos anos 1970, quando os governos democráticos mantiveram a rápida expansão do Estado, investindo em Educação, na Saúde e na Segurança Social. É natural que tal tenha acontecido, pois, como José da Silva Lopes argumenta num excelente artigo editado no volume “História Económica de Portugal”, editado por Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva, as despesas públicas nacionais nessas áreas eram muito inferiores à média dos outros países no mundo ocidental. E foi assim que nessa década, as despesas públicas aumentaram 9,5% ao ano, apesar de o crescimento da economia ter abrandado para os 1,5% ao ano. 
É verdade que desde então o ritmo de crescimento do consumo público baixou de ritmo, mas, mesmo assim, permaneceu vários pontos percentuais acima da taxa de crescimento da economia nacional. Com efeito, é perfeitamente patente que, nos últimos 60 anos, o crescimento dos gastos do Estado tem sido muitíssimo mais acentuado do que o crescimento do produto nacional (linha picotada).
Vale igualmente a pena realçar que o declínio da taxa de crescimento dos gastos públicos foi travado no final dos anos 90, quando, durante o crescimento do Estado foi mais uma vez impulsionado pelos governos de António Guterres, quando o crescimento anual das despesas públicas foi muito elevado. A partir dessa altura, a taxa de crescimento de tendência do consumo público tem permanecido praticamente inalterada, e nenhum dos governos da última década conseguiu travar o despesismo do Estado. Os gastos públicos continuaram a crescer a ritmos mais elevados do que o PIB nacional, aumentando inexoravelmente o peso do Estado na economia. Como a economia estagnou na última década, estavam criadas as condições para que o "monstro" ficasse fora de controlo, contribuindo para a lamentável situação actual.

VISTO DE FORA

Um artigo no Financial Times de hoje espelha bem a percepção que os outros têm de nós e o que poderá estar em causa nos próximos dias. O artigo começa assim:
"Talks on a disputed austerity budget between Portugal’s socialist government and the main opposition party have collapsed, pushing the country closer to a sovereign debt crisis."

CITAÇÃO

Vale a pena ler este post notável da Helena Garrido, uma das melhores jornalistas económicas do país, que escreve com a sobriedade e a independência que lhe são habituais. Aqui está um cheirinho:
"Não sei o que vai fazer Pedro Passos Coelho mas à medida que vou conhecendo o Orçamento, feito com raiva e total falta de cuidado, e que vou percebendo o que se tem passado nas contas públicas nos últimos anos e no banquete em que se transformou o dinheiro dos contribuintes para alguns grupos, cresce em mim a dúvida se não seria melhor inviabilizar o Orçamento... 
É muito triste que tenhamos chegado até aqui. É com tristeza que escrevo tudo isto. Mas olhar para o futuro com esperança exige uma limpeza que seja efectivamente geral."

27 outubro 2010

A CHANTAGEM

Como já aqui avisei várias vezes, andamos a brincar com o fogo e não tarda muito para que o fogo se propague de forma irremediável. É lamentável, mas, mais uma vez, o governo coloca seus interesses à frente do interesse nacional.  No fundo, tanto o primeiro ministro como o ministro das finanças sabem que ficarão na História como sendo os principais responsáveis  pela maior crise financeira e económica que o país viveu no último século (e não, a crise não foi causada pela crise internacional, pois os problemas estruturais de Portugal vêm bem de trás). Por isso, na sua política de terra queimada e numa tentativa vã de se tentarem ilibar das suas responsabilidades, querem levar o país e o principal partido da oposição de arrasto para o abismo de uma insolvência ou do incumprimento do país. É tão simples quanto isto.

O DÉFICE ESQUECIDO


O relatório do FMI referido aqui também prevê que o défice externo português vai permanecer extremamente elevado. no próximo ano. Mais concretamente, o FMI projecta que o défice da balança corrente (exportações menos importações) em percentagem do PIB vai continuar a rondar os 10% em 2011, seguindo a tendência dos últimos anos (-11,6% do PIB em 2008, -10% do PIB em 2009, e -10%  do PIB em 2010). Como nem as transferências da União Europeia, nem as remessas dos emigrantes são suficientes para financiar este défice da balança corrente, o que isto quer dizer é que o nosso endividamento externo vai continuar a aumentar a um ritmo infernal, se não mesmo insustentável.
Mais: se nos compararmos a todos os países da União Europeia, verificamos que em 2011, Portugal terá o pior défice externo da Europa, bem acima de países como a Grécia ou o Chipre. Para percebermos porquê, basta olhar para o gráfico abaixo, que ordena o saldo das balanças correntes (em % do PIB) dos países da União Europeia. É visível que Portugal apresenta o maior desequilíbrio externo de toda a Europa. (Mais um dos tristes legados deste governo).
No entanto, inexplicavelmente (ou talvez não), continuamos em grande parte a ignorar o problema. Falamos muito na necessidade de apostar nos "bens transaccionáveis" (isto é, nas exportações), mas fazemos pouco por isso. E fazemos muito pouco para tentar limitar o ritmo de crescimento das importações. Continuamos a assobiar para o lado como o problema não fosse nosso. Fazemos mal. Pois este é um problema que, como é evidente, nos irá bater à porta um dia destes. Só esperemos que, nessa altura, o problema já não seja de tal modo grave que até a porta fique arrombada.

Gráfico _ Saldo da balança corrente em % do PIB nos países da União Europeia, 2011
 Fonte: FMI, Regional Economic Outlook, Europe

CAMPEÕES DO CRESCIMENTO

Ainda há uns meses, o primeiro ministro proclamava à boca cheia que Portugal era o campeão do crescimento na Europa, a prova provada, segundo ele, da justeza das políticas seguidas pelo governo no combate à crise económica. Infelizmente para todos nós, não foi preciso esperar muito para percebermos que nem a esfusiante e enganadora propaganda do primeiro ministro tem o poder para alterar o sofrível desempenho da economia nacional nos últimos anos.
Assim, segundo as previsões do mais recente relatório do FMI sobre a Europa, a economia portuguesa crescerá zero por cento em 2011. Vale a pena sublinhar que esta projecção foi feita antes de terem sido conhecidos os detalhes do novo pacote de austeridade do governo. Por isso, provavelmente, um crescimento de zero por cento será demasiado optimista em relação ao deverá acontecer em 2011.
Eu sei que previsões são previsões e devem ser sempre lidas com cautela. Porém, a tendência recessiva da economia nacional parece inexorável. Ainda assim, o que mais salta à vista nas previsões do FMI é a comparação do crescimento da economia nacional e o das restantes economias europeias. Para ser mais fácil visualizarmos o que está em causa, ordenei as previsões de crescimento do FMI para 2011 por ordem decrescente no gráfico abaixo, para termos uma ideia melhor do quão bom (ou mau) será o desempenho previsto da economia nacional.
Não é difícil de ver que as previsões (quiçá optimistas) são desoladoras. Pior que nós só a Grécia, que está a braços com uma gravíssima crise de finanças públicas que todos conhecemos. Todos os restantes países europeus deverão crescer bem mais do que nós. Mais concretamente, prevê-se que a Espanha cresça cerca de 0,7%, a Itália (ainda estagnada) 1%, o Reino Unido (também assolado por uma profunda crise financeira) 2%, e até a Irlanda (às voltas com uma enormíssima crise bancária) deve crescer 2,3%. Pior ainda, os nossos principais concorrentes da Europa de Leste vão todos crescer a taxas superiores a 2% ao ano. Enfim, mais do mesmo do que andamos a ter na última década: mais estagnação, mais crise económica, mais desemprego, mais emigração, mais divergência, e mais descrença das populações.
E, como é óbvio, enquanto não pararmos com as más políticas dos últimos anos, enquanto não levarmos a cabo algumas das reformas estruturais que o país tão urgentemente precisa, e enquanto não acabarmos de uma vez por todas com o despesismo do Estado, não iremos conseguir emergir desta triste situação.

Gráfico _ Taxa de crescimento do PIB real em 2011 na UE
Fonte: FMI, Regional Economic Outlook

26 outubro 2010

REFLECTORES

Se a moda pega, não tarda muito para as prostitutas terem que passar recibo e declarar impostos. Mais receita fiscal para o nosso Estado despesista, pois claro.

O EXEMPLO ALEMÃO

O Wall Street Journal tem hoje um artigo que tenta "explicar" o recente sucesso alemão. Enquanto a Europa estagna, o Sul da Europa (Portugal e Itália) entra na sua segunda década perdida, e países como a Espanha, a Grécia e a Itália têm acumulado elevados défices externos (ou seja, as suas exportações são bem menores do que as importações), a Alemanha cresce a ritmos muito consideráveis. Assim, as previsões mais recentes sugerem que a economia alemã vai crescer cerca de 3,4% em 2011, uma taxa de crescimento a fazer inveja a economias anémicas como a nossa.
Qual é a razão de tanto sucesso? A competitividade das exportações alemães, que têm sido a locomotiva da economia germânica nos últimos anos.
E quais são as causas de tanta competitividade? Um forte crescimento da produtividade e uma politica de contenção salarial. Estes dois factores têm contribuído para o controlo do crescimento dos custos unitários do trabalho alemão, o que tem aumentado a atractividade e a competitividade das exportações germânicas. E é exactamente isto que explica o sucesso alemão (de acordo com este artigo do WSJ, bem como segundo vários economistas) e é exactamente isto que ajuda a explicar o insucesso nacional nos últimos anos. Porquê? Porque os custos unitários nacionais têm vindo a crescer a um ritmo mais elevado do que na Zona Euro e do que em países como a Alemanha. Podemos ver isso no gráfico abaixo, que mostra como os custos nacionais têm vindo a crescer bem mais depressa do que os custos médios na Zona Euro.
Qual é o problema? O problema é que as nossas exportações têm ficado menos competitivas ou atractivas nos mercados internacionais, o que tem agravado o nosso défice externo e, consequentemente, tem contribuído para a subida do endividamento externo (pois temos que financiar a diferença entre as importações e as exportações). 
Para deteriorar a situação, em 2009 os custos unitários nacionais subiram ainda mais por motivos eleitoralistas, pois o governo patrocinou um aumento salarial na ordem dos 2,9%, embora a nossa produtividade estar não esteja a crescer. Quem pagou a factura do eleitoralismo foram as nossas exportaçoes, que perderam competitividade nos mercados internacionais, o que acentuou o défice externo.
Esta é a explicação dada por diversos economistas nacionais e internacionais. Entre nós, o economista que mais tem alertado para este mecanismo é Vitor Bento, que acabou de publicar mais um livro que ainda não li, mas tenciono fazê-lo nos próximos tempos, pois os seus livros são sempre de uma qualidade irrepreensível e muito polémicos (o que é bom).
Apesar de concordar em parte com este argumento, eu tenho uma explicação alternativa para os nossos problemas de competitividade. Mas isso fica para o novo livro, que continua a ser escrito a bom ritmo.

Gráfico_ Custos Unitários do Trabalho na Zona Euro, em Portugal, na Alemanha e na Europa da Sul
 Fonte: AMECO

(Nota: clique no gráfico para ampliar)

PORTUGAL NA MODA

Se um extraterrestre aterrasse hoje em Portugal, não lhe seria difícil concluir que este pequeno país na costa mais ocidental da Europa está definitivamente na moda. Portugal está nas bocas do mundo e quase todos os dias os mais variados meios de comunicação social referem o nosso país nos seus noticiários ou nas suas notas de imprensa. O problema é estamos “na moda” pelas razões erradas. Portugal tem hoje a maior dívida pública dos últimos 160 anos, a maior taxa de desemprego desde a Primeira Guerra Mundial, a maior vaga emigratória desde os anos 1960 (quando mais de cem mil portugueses saíam todos os anos à procura de outras paragens), e a dívida externa mais elevada desde 1891, quando o país teve que declarar a bancarrota. Por outras palavras, a situação actual não é muito famosa, concluiria o nosso visitante.  E se esse extraterrestre tivesse a sorte (ou o azar) de saber um pouco de Economia, também não ser-lhe-ia muito complicado verificar que um dos grandes culpados por toda esta situação é o nosso Estado despesista, através da figura dos nossos governantes, que têm sido particularmente ineptos a lidar com a crise nacional que já se arrasta há uma década, e que não dá mostras de abrandar. Por isso, sabendo que o prolongar da crise só trará mais desemprego, mais emigração, e mais dívidas para os portugueses, o nosso visitante perguntar-se-ia: não haverá nada para além do Estado? Será que a economia portuguesa vive toda à sombra do Estado? Não há nada de positivo a acontecer em Portugal? Não haverão exemplos de sucesso nesse malfadado lugar?  Felizmente, a resposta a estas perguntas é positiva. Assim, se o nosso visitante decidisse viajar um pouco pelo nosso país, rapidamente concluiria que nem tudo vai mal em Portugal. Com efeito, há entre nós vários sectores produtivos que apresentam características bem distintas das acima apresentadas, sectores dinâmicos e inovadores, sectores que têm sobrevivido contra tudo e contra todos, e sectores que aos poucos se têm imposto nos mercados internacionais.  Por que é que falamos tão pouco destes sectores? Porque a nossa tendência é sempre para falar do mal e esquecer o que está bem.  Por isso, nos próximos tempos irei falar um pouco destes casos de sucesso, bem como dos sectores mais promissores da economia nacional. Um desses exemplos silenciosos de crescente sucesso é o sector da moda, dos têxteis e do calçado. Esse foi exactamente o tema do meu artigo do último fim-de-semana no Notícias Magazine, e que reproduzirei aqui nos próximos dias.

25 outubro 2010

LEGADOS DESTE GOVERNO (4) _ PRODUTIVIDADE ZERO

Outros dos lamentáveis legados deste governo foi não ter conseguido inverter a pronunciada descida da produtividade nacional que ocorreu na última década. Como podemos ver no gráfico abaixo, a produtividade total dos factores portuguesa tem vindo a decair sucessivamente nos últimos anos. Actualmente, o crescimento da produtividade total dos factores é já negativo. E se tivermos em linha de conta a média dos últimos 5 anos, verificamos que a produtividade total dos factores tem crescido a uma taxa média a rondar os zero por cento ao ano (Para quem não conhece o economês, este é um indicador da produtividade de todos os factores incluídos na produção de bens e serviços, tais como o trabalho, o capital e a terra).
Se atentarmos para a produtividade laboral, a conclusão é exactamente a mesma: a taxa de crescimento da produtividade nacional tem vindo a decrescer significativamente nos últimos anos. Isto apesar do propagado Plano Tecnológico, das Novas Oportunidades que melhoram as nossas estatísticas da Educação aos olhos do mundo, e do "notável" esforço de "modernização" do país.
Ora, contrariamente a toda a propaganda, o declínio da taxa de crescimento da produtividade nacional é simplesmente o factor mais importante para explicar o nosso medíocre crescimento económico na última década. Um declínio que, como é óbvio, as políticas económicas do governo não conseguiram contrariar. Bem pelo contrário. As más políticas dos últimos anos só acentuaram ainda mais os nossos problemas de competitividade (através de uma maior carga fiscal) e as nossas insuficiências de produtividade.
E a verdade é que só quando conseguirmos inverter esta tendência negativa da produtividade e implementarmos melhores políticas (e melhores práticas organizacionais) é que iremos alcançar uma retoma económica sustentada.

Crescimento da produtividade total dos factores em Portugal, 1960-2009

Fonte: AMECO

MÁ PUBLICIDADE


Se há coisa que devíamos dispensar neste momento é má publicidade. Portugal tem estado nas bocas do mundo pelas razões erradas, e, por isso, seria bom que houvesse um pouco mais de cuidado com a imagem do país. No entanto, bom senso é algo que escasseia neste momento entre nós. Só assim é que se justifica convidar Hugo Chávez para visitar o país para que este nos possa "ajudar" (as palavras dele são dele). Assim, e como é reportado em vários media mundiais, assinaram-se contractos, prometeram-se parcerias e visitaram-se fábricas. Resta saber se os contractos serão cumpridos, se as parcerias vão para a frente ou se as visitas darão algum fruto. Daqui a uns meses saberemos.
Entretanto, seria bom que entendessemos de uma vez por todas que visitas destas (e o espectáculo mediático que as rodeia) não são nada abonatórias para o nosso país. Aliás, ter Chávez a visitar Portugal numa altura em que os outros países nos têm em muito pouca conta (pois vêem-nos com pouca credibilidade, face o descontrolo da despesa pública) é um péssimo cartão de visita. Pior que Chávez só se fosse Mugabe, o Querido Líder norte-coreano, ou Ahmadinejad. 
E, como é óbvio, estas coisas não passam despercebidas. Como uma influente publicação norte-americana sublinhou, o recente périplo internacional de Chávez foi extenso e variado:

"Yesterday he [Chávez] was in Syria. Wednesday he was in Iran. That was after visiting Russia, Belarus, and Ukraine. Now he is off to Libya and Portugal."
Estamos, sem dúvida, em boa companhia. Com amigos destes, quem precisa de inimigos (isto é, dos "malvados dos mercados")?

MAIS UM AVISO


Mais um aviso do Financial Times sobre a necessidade de haver acordo no Orçamento do Estado:
"Failure by the minority government to reach an agreement with the main opposition party would push Portugal closer to a Greek-style bail-out, increasing the risk of a wider European crisis."

Vale a pena reparar que a comparação com a Grécia já não é feita de forma hipotética ou de uma maneira subliminar. Agora, a comparação é explícita e sem rodeios. Por que será? Porque o descontrolo despesista registado ao longo deste ano retirou-nos toda e qualquer tolerância, e toda e qualquer credibilidade junto dos principais media mundiais e dos mercados internacionais. É por isso que tem de haver acordo sobre o Orçamento. O Orçamento pode ser mau, mas, como já aqui referi, uma não aprovação do mesmo será certamente visto pelos mercados internacionais como a gota de água para nos tornarmos numa nova Grécia. Por isso, por enquanto, o compromisso entre os dois principais partidos é essencial para evitar uma situação ainda pior do que a actual. 

Já agora, vale a pena referir que o artigo do FT sublinha ainda que o endividamento nacional está intrinsicamente ligado ao problema de competitividade das nossas exportações. Nas palavras de um analista:
“The problem with Portugal is not only fiscal... Beyond this, there’s a nagging competitiveness issue”. Nem mais. E, mais uma vez, é lamentável este Orçamento seja totalmente omisso em relação a esta matéria.

24 outubro 2010

DESTA VEZ É DIFERENTE


Como hoje é domingo, aqui fica uma sugestão de leitura. Um livro de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff sobre crises financeiras e sobre crises da dívida (quer sejam de dívida pública ou de dívida externa). Um livro que devia ser lido por todos os membros do governo, os partidos da oposição, e pelos nosso parlamentares.
Aqui está uma citação retirada do livro que nos assenta que nem uma luva:
"Although private debt certainly plays a key role in many crises, government debt is far more often the unifying problem across the wide range of financial crises we examine... The fact that the basic data in domestic [public] debt are so opaque and difficult to obtain is proof that governments will go to great lengths to hide their books when things are going wrong" (p. xxxiii)"

Infelizmente, nós não somos a excepção a esta regra. Aliás, como já aqui mencionei, não será de todo surpreendente se uma das primeiras medidas do próximo governo for levar a cabo uma auditoria exaustiva das contas públicas. Esperemos que sim. Só então é que descobriremos a verdadeira dimensão e o verdadeiro custo dos inúmeros malabarismos das nossas contas públicas que têm sido feitos nos últimos anos, incluindo desorçamentações, omissões de despesas, registo de receitas e despesas em anos posteriores, etc.

IMPOSTOS HOJE... OU AMANHÃ


Se há lei que os economistas consideram incontornável é que não há impostos temporários. Com efeito, esta é uma lei imutável no tempo e no espaço. Não interessa se estamos a falar de Portugal ou do Paquistão, de 1940, de 1970, ou de 2010, pois a verdade é que todos (ou quase) impostos temporários rapidamente se tornam permanentes. Um bom exemplo disso mesmo aconteceu no Canadá, quando, em 1991, o governo introduziu o IVA com o pretexto de pagar a dívida externa do país. Como é óbvio, duas décadas mais tarde, o IVA canadiano lá continua (já aumentado) e não há sinais de vir a desaparecer tão cedo.
Em Portugal temos igualmente inúmeros exemplos desta lei, pois no nosso país os impostos sobem sempre, nunca descem. Quanto muito, os impostos baixam antes das eleições, para logo voltarem a subir.
Por que será? Por que é que os impostos nunca são temporários? Porque mesmo que o governo introduza um imposto temporário com a intenção de o abolir uns tempos mais tarde, dentro em breve descobrirá que as receitas do novo imposto lhe dão muito jeito para pagar despesas, para fazer investimentos, ou para aumentar as prestações sociais. Ou seja, coisas que fazem ganhar eleições. Por isso, rapidamente esse mesmo governo inventará as desculpas mais esfarrapadas para manter o imposto.
Por isso, já sabe: não acredite quando algum politico o(a) tentar convencer que a subida de impostos é somente passageira para combater esta ou aquela crise. Quer gostemos, quer não, os impostos são sempre e invariavelmente permanentes. 

Nota: Meu artigo no Notícias Magazine/Sábado,9 Outubro 2010.

23 outubro 2010

LEGADOS DESTE GOVERNO (3) _ DÍVIDA EXTERNA

Já aqui falei da dívida pública e da emigração. Ora, um outro triste legado deste governo é a maior dívida externa dos últimos 200 anos. Sim, leu bem. A maior dívida externa dos últimos 200 anos. Um problema que, infelizmente, ainda vai dar muito que falar.

O PESO DA DÍVIDA

Depois da questão do Orçamento estar resolvida, seria de todo o interesse que todos nós começássemos a falar da nossa pesada dívida externa, que, conjuntamente com o crescimento explosivo da dívida pública, ameaça ser um dos maiores constrangimentos ao crescimento económico (e um dos maiores entraves no combate ao desemprego) nos próximos anos. Como irei demonstrar no livro que estou a escrever, Portugal está no top 20 mundial da dívida externa em todos os indicadores possíveis. Ou seja, não interessa se estamos a falar da dívida externa bruta ou líquida, a dívida externa total ou por habitante, ou mesmo em relação à dívida externa em percentagem do PIB: Portugal está sempre no top 20 dos países mais endividados do mundo. Este é um problema muito grave que nós todos (inclusivé os partidos políticos) devíamos começar a debater o quanto antes, por forma a que possamos encontrar as melhores soluções possíveis para combater o nosso elevadíssimo endividamento externo. E seria bom que o próximo governo tivesse uma estratégia bem definida em relação a esta matéria assim que a nova legislatura começar, pois, infelizmente, há pouco tempo a perder antes que esta situação fique fora de controlo. (Obviamente, estou a assumir que, infelizmente, este governo vai continuar a ignorar este problema, a não ser que seja forçado a actuar quer pelos nossos parceiros europeus ou pelo FMI).

22 outubro 2010

O TGV CUSTA "POUCO"

Na sua entrevista de ontem à RTP, o Ministro das Finanças reiterou o discurso habitual do governo sobre o custo do TGV: é "pouco". E, ainda por cima, segundo o Ministro, o TGV não custa quase nada no próximo ano (somente 76 milhões de euros, e 60 milhões no ano seguinte). Ora, mesmo se esquecermos o pequeno detalhe de que estes cálculos só levam em linha de conta um dos dois troços do TGV Lisboa-Madrid (e não contam sequer com a terceira travessia do Tejo necessária para resgatar o TGV do Poceirão), é importante perceber quanto é o "pouco" que os contribuintes portugueses terão de desembolsar nos próximos anos. Por isso, vale a pena relembrar os custos plurianuais projectados pelo governo (através da DGTF) das parcerias público-privadas com o TGV Lisboa-Madrid, bem como do TGV Lisboa-Porto. Eu sei, eu sei. O TGV Lisboa-Porto está suspenso. Mas não nos devemos esquecer que tal só aconteceu em Maio, quando, sob pressão internacional, o governo adiou a construção desse troço. Até lá, o governo nunca se tinha preocupado com os custos do projecto. 
E quais são então os custos plurianuais com os TGVs? Uma bagatela. Algo como 400 e 500 milhões de euros por ano, todos os anos, nos próximos 30 anos (ver quadro abaixo). Como o Lisboa-Porto se encontra suspenso, quanto é que nos custará o Lisboa-Madrid todos os anos? Qualquer coisa como 200 milhões de euros. Na melhor das hipóteses. Isto só nas rendas aos parceiros privados, visto que todos os estudos encomendados pela própria RAVE mostram inequivocamente que haverão elevados prejuízos com o projecto. Um projecto que, para ser rentável, terá de atrair um tráfego de passageiros 8 vezes maior do que o tráfego aéreo anual entre Lisboa e Madrid. Muito provável, portanto.
Assim, e tal como concluí no meu livro "O medo do insucesso nacional" (Esfera dos Livros, 2009):
"O mais provável é que o TGV seja um erro financeiro de proporções colossais que fará com que os portugueses tenham de pagar mais impostos e que poderá pôr as nossas finanças públicas numa situação ainda mais delicada do que a actual. A dívida pública subirá ainda mais e os portugueses terão de pagar uma proporção maior dos seus rendimentos para liquidar os juros dessa mesma dívida. Ou seja, o retorno do TGV é extremamente incerto e podemos ter de esperar muitos anos, se não mesmo décadas, de prejuízos. Claro que, quando tal acontecer, a grande maioria dos responsáveis políticos por este projecto já não estará no poder ou numa posição de responsabilidade política. Assim, os custos do elefante branco chamado TGV serão pagos pelos governos futuros e, principalmente, por todos nós, os contribuintes. Só então olharemos para trás e nos questionaremos sobre como nos pudemos deixar seduzir por um projecto tão faraónico e tão desnecessário para as necessidades reais do desenvolvimento do nosso país. Só então é que iremos responsabilizar os dirigentes actuais pelos graves erros cometidos e pelo esbanjamento dos dinheiros públicos. A atribuição de responsabilidades será essencialmente política, mas devia ser judicial. Alguém acredita que o projecto seria aprovado se existissem possíveis consequências judiciais contra os responsáveis pela execução deste elefante branco? Como não há, como ninguém será responsabilizado pelo futuro aumento dos impostos e pelo esbanjamento dos nossos recursos, o projecto avançará como planeado."

Já agora, as contas do governo dos custos plurianuais do TGV estão aqui (em milhões de euros), num total acumulado de 13312 milhões de euros:


2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
209.7 250 300 311.3 562.6 529.3 535.5 477.1 459.8 444.6
2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029
437.9 430.6 423 414.9 406.2 396.9 387 377.5 397.8 362.9
2030 2031 2032 2033 2034 2035 2036 2037 2038 2039
408.3 352.7 352.1 331.3 345.6 333.7 321.1 307.9 293.9 279.3
2040 2041 2042 2043 2044 2045 2046 2047 2048 2049
263.9 247.6 230.6 222.9 188.9 188.4 138.8 115 92.8 69.5

E AS FUNDAÇÕES?


Como já aqui mencionei várias vezes, a subida do IVA poderia ser evitada se reduzíssemos entre 10% e 20% as despesas de diversos institutos não ligados aos sectores da Saúde, da Educação e da Segurança Social. Já fiz as contas tendo os números do Orçamento de Estado para 2011, e cheguei à  mesma conclusão (apresentarei os novos números nos próximos dias). Tal medida poderia facilmente dar azo a uma redução na despesa pública entre 550 e 1100 milhões de euros, o que seria suficiente para evitar parte do grande agravamento fiscal proposto pelo governo.
No entanto, vale sempre a pena recordar que os institutos públicos são uma pequena parte das centenas e centenas entidades e organismos do nosso Estado. E, como é evidente, para além destes, há ainda as fundações, tanto as públicas (exceptuando as universidades), como as privadas, mas que são financiadas pelo Estado.
Neste sentido, é de louvar que o Orçamento de Estado para 2011 apresenta uma medida em que se reduzem as transferências para as Fundações. Só que, infelizmente, esta proposta não só é manifestamente insuficiente, como também é extremamente limitada. Assim, o Relatório do Orçamento refere:

“Durante o ano de 2011, como medida excepcional de estabilidade orçamental, as transferências para fundações de direito privado cujo financiamento dependa em mais de 50% de verbas do Orçamento do Estado são reduzidas em 15% do valor orçamentado.”

Ou seja, o governo propõe-se cortar o financiamento das Fundações, mas de uma maneira muito selectiva: cortam-se as verbas para as Fundações privadas (e não para as públicas) em 15%, mas só se o financiamento destas fundações depender principalmente das ajudas estatais. Ora, o que eu gostaria de saber era o seguinte: 
1) quantas Fundações privadas são abrangidas por estes critérios? Quantas ficam de fora? Quais são as que são abrangidas? Quais são as que ficam de fora?
2) porquê distinguir Fundações privadas e públicas (excepto universidades, que sofreram cortes no seu financiamento)?
e, finalmente,
3) Por que é que os cortes para estas Fundações privadas são excepcionais ou transitórios, mas os funcionários públicos foram afectados por cortes salariais permanentes e os impostos subiram de forma definitiva?

Seria bom se o governo nos esclarecesse sobre estas matérias.

AUSTERIDADE TARDIA

Se quisermos perceber porque é que os malvados dos mercados não acreditam mais em nós, basta ler o artigo mais recente da insuspeita The Economist. Habitualmente bastante comedida nas suas críticas e nas suas análises aos países estrangeiros,  a revista é extremamente crítica à estratégia do governo português de tentar adiar medidas de austeridade que já tinham sido implementada por todos os outros países europeus em dificuldades. E a análise do Economist não poderia ser mais clara: a austeridade chegou tardia, as medidas tomadas no PEC I e no PEC II foram insuficientes, e o primeiro ministro foi, nas palavras da revista, "forçado a aceitar o seu erro". Um erro que, como é óbvio, todos iremos pagar bem caro com os juros mais caros que nos são solicitados pelos nossos financiadores internacionais.
Ainda segundo a revista (e a OCDE e o FMI e a grande maioria dos economistas), a única solução para sairmos desta crise passa não só a austeridade a curto prazo, como também pela implementação um conjunto de reformas estruiturais que melhorem a competitividade da economia portuguesa (ao nível do mercado de trabalho, da Justiça e da Educação). Aqui está um cheirinho do artigo do Economist:
"Now Mr Sócrates has been forced to accept his mistake with a new austerity package at least as tough as Spain’s... 
Painful austerity is an essential condition for lasting growth, but it is not enough on its own. According to the OECD, the only way for Portugal to improve competitiveness, reduce its debt burden and fulfil its growth potential is through structural reforms: tackling the inflexible labour market, improving the schools and boosting the efficiency of the legal system. Portugal may at last have bowed to the markets but there are plenty more battles to come."

21 outubro 2010

A VERDADE SOBRE AS "EXTINÇÕES" DE INSTITUTOS

Uma das poucas boas novidades que o Orçamento de Estado contém é a fusão e a extinção de algumas entidades e organismos públicos, muitos dos quais são a prova provada do excessivo despesismo do Estado. Por isso, à primeira vista, o anúncio da extinção e fusão de 50 organismos estatais é uma boa notícia. As poupanças estimadas são poucas (100 milhões de euros), mas é um começo. No entanto, se olharmos com atenção para o que está em causa, bem como para a criação de novas estruturas do Estado planeadas no OE, verificamos que o anúncio de redução de "institutos públicos" por parte do governo é uma mão cheia de nada, ou de muito pouco. Se não vejamos.
Das 50 medidas propostas há:
_ 10 extinções (o Hospital Condes Castro de Guimarães, a estrutura de missão Parcerias Saúde, a Comissão de Gestão do Programa de Apoio Integrado a Idosos, a Caixa de Previdência dos Trabalhadores da EPAL, a Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas, a Caixa de Reformas e Aposentações do Banco Nacional Ultramarino, a  Gestalqueva, S.A., a Fundação INA, a estrutura de missão para o SIRESP – UN-SIRESP, e a Estrutura de Missão Lojas do Cidadão).
_ 7 “agrupamentos” de serviços e de entidades
_ 1 reorganização (dos serviços de acção social do Ensino Superior)
_ 1 reestruturação (do sistema de supervisão financeira, com a redução de 3 para 2 autoridades de supervisão financeira
_ 1 “externalização”: do Estádio Universitário de Lisboa, que deixa de pertencer à Administração Central
_ 1 racionalização: das redes diplomática e consular (com toda a ambiguidade que essa medida acarreta)

Porém, segundo revelou o Diário de Notícias, 9 das 50 extinções ou fusões já tinham sido feitas ou já estavam projectadas anteriormente. Ou seja, quase 20% da propagada “extinção” de “institutos” é fictícia ou já estava planeada.
Todavia, as más notícias não ficam por aqui. Com efeito, se efectuarmos um levantamento do Relatório do Orçamento, percebemos que só este ano serão criados 6 novos fundos (a maior parte com dezenas de milhões de euros adicionais) e 16 novas entidades, organismos, sistemas e programas. Isto na melhor das hipóteses, pois é possível que hajam algumas mais, mas que não descortinei. O custo de tudo isto? Não se sabe bem, mas só os Fundos de Desenvolvimento Urbano vão custar mais (130 milhões de euros) do que as poupanças que as 50 "extinções" vão proporcionar (100 milhões de euros). Se somarmos os valores disponíveis para os outros fundos chegamos a um total de 194 milhões de euros, quase o dobro das economias com as "extinções". E note-se que não estamos sequer a contar todos os fundos, nem as outras entidades, organismos, programas, e estruturas de gestão.
Por outras palavras, apesar de toda a retórica e de toda a alegada preocupação com o corte das despesas e com a racionalização do nosso Estado, a verdade é bem distinta. Infelizmente, os mecanismo de multiplicação e de crescimento do despesismo do nosso Estado continuam bem e recomendam-se. E quem paga são, como é óbvio, os contribuintes e a economia nacional.
Já agora, para quem estiver interessado, aqui está a lista dos novos fundos, e das novas entidades, programas, sistemas, grupos, gabinetes e conselhos:

Novos Fundos:
  • Fundo de Reabilitação e Conservação Patrimonial (17.74 milhões de euros)
  • Fundo de Modernização da Justiça 
  • Fundo de Intervenção Ambiental (999 mil euros)
  • operacionalização do Fundo para a Conservação da Natureza e Biodiversidade (1 milhão de euros)
  • Fundos de Desenvolvimento Urbano (130 milhões de euros) 
  • Fundo de Protecção dos Recursos Hídricos (16.98 milhões de euros)
Novas entidades, organismos, sistemas e programas
  • Conselho de Coordenação Patrimonial 
  • Nova entidade para acompanhamento das parcerias público-privadas (PPPs) 
  • consolidação do Observatório de Género [sic?]
  • Gabinete Nacional de Recuperação de Activos 
  • Aplicação para a Gestão do Inquérito-Crime 
  • nova estrutura de gestão: Sistema Integrado de Protecção contra as Aleatoriedades Climáticas 
  • Sistema Nacional de Indicadores e de Informação de Base de Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano 
  • consolidação do Sistema Nacional de Informação Geográfica 
  • Sistema Nacional de Exploração e Gestão de Informação Cadastral 
  • Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES) 
  • Programa Operacional do Potencial Humano (POHP, Eixo 6) 
  • Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio (SAPA) 
  • SPMS, EPE, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde 
  • Grupo de Coordenação Estratégica para os Cuidados de Saúde Hospitalares 
  • Programa Ciência Global 
  • Programa Dinamizador para as Ciências e Tecnologias do Mar