30 novembro 2010

CUSTOS DA COMPETITIVIDADE

Às vezes, perguntamo-nos o que causou a alegada perda de competitividade das nossas exportações nos últimos 10-15 anos. A resposta mais ouvida (e que tem um grande fundo de verdade) é que a perda da competitividade das nossas exportações se deve principalmente ao facto de que os nossos custos unitários do trabalho terem subido mais rapidamente do que na Zona Euro, o que tornou as nossas exportações menos atractivas e originou elevados défices da balança comercial (e contribuiu de sobremaneira para o nosso endividamento externo). De acordo com esta lógica, como já não temos uma moeda nacional para desvalorizar e tornar as exportações artificialmente competitivas, a subida desses mesmos custos unitários foi fatal para as exportações e, consequentemente, para a economia nacional. Resultado? Uma década de estagnação e mais outra a caminho se não levarmos a cabo o chamado ajustamento nominal, em que os nossos salários e os nossos preços teriam que baixar para conseguirmos reganhar competitividade e, assim, podermos ter uma retoma económica sustentada. Pelo menos é isso que nos dizem inúmeros e reputados economistas que analisaram a situação portuguesa.
Pessoalmente, não duvido que parte da perda de competitividade também ocorreu através deste mecanismo. No entanto, também me parece que nem só dos custos unitários do trabalho vive a competitividade das nossas exportações. Mais concretamente, há toda uma série de custos de contexto que urge diminuir para tornar as nossas exportações mais atractivas. Entre estes, contam-se dois que irei analisar hoje: os impostos e o preço da energia (mais concretamente o preço da gasolina). Outros custos de contexto serão analisados em futuros posts.
Comecemos pelos impostos. Neste post, irei debruçar-me sobre os impostos individuais, ficando os impostos colectivos para outra ocasião. Para podermos levar a cabo uma análise comparativa, recolhi dados do Banco Mundial referentes às taxas marginais dos impostos individuais (o nosso IRS). No caso português, esta taxa corresponde ao escalão mais alto do IRS, que foi recentemente aumentada pelo governo. Se levarmos em linha de conta este aumento, é interessante verificar que entre os 92 países para os quais existem dados, Portugal tem a 10ª taxa marginal de imposto mais elevada, conjuntamente com 4 outros países. 
Mais: se olharmos somente para a UE27 e juntarmos no mesmo gráfico as taxas marginais de imposto com o PIB per capita, o resultado é extremamente elucidativo de quão atractivos nós conseguimos ser a nível fiscal. Com efeito, como podemos ver no gráfico abaixo, quando tomamos em linha de conta o rendimento médio dos países europeus, é notório que as taxas marginais dos impostos portugueses estão bem acima do que é habitual para países com o nosso nível de rendimento. Isto para já não nos compararmos com a Espanha, a Finlândia, ou, por exemplo, com a Irlanda. É certo que os impostos não explicam tudo (bem longe disso), mas também não deixa de ser verdade que quanto mais alta for a carga fiscal, menos atractivas tenderão a ser as exportações de um país. E Portugal não é excepção neste campo.

Gráfico _ Taxas marginais dos impostos individuais vs. PIB por habitante
Calculado de dados da AMECO e do Banco Mundial

Porventura ainda mais significativo é a questão do preço da energia. Se atentarmos para os dados do Banco Mundial, é possível observar um indicador bem sugestivo sobre o preço da energia em Portugal: o preço do litro da gasolina. Eu sei que seria melhor utilizar a electricidade, mas fiquemos pela gasolina por enquanto (a electricidade fica para mais tarde).
Ora, entre 175 países, Portugal tem a 15ª gasolina mais cara do mundo, acima de países como a Alemanha, a França, a Espanha, e todos os países da Europa do Leste. Isso é perfeitamente visível no próximo gráfico, onde se apresenta o top 20 dos países com a gasolina mais cara do mundo, mais alguns outros países europeus com quem nos costumamos comparar. No gráfico, o número junto do país refere a posição que esse país tem no top mundial do preço da gasolina. Neste sentido, é interessante observar que enquanto Portugal está 15º lugar entre esses 175 países, a Espanha tem a 67ª gasolina mais cara do mundo. Uma diferença bastante signficativa, como é óbvio. Portugal tem ainda a gasolina mais cara de toda a Europa, com a excepção da Holanda e de Malta.

Gráfico _ Preço da gasolina por litro (em $) em 2008
Fonte: Banco Mundial

Moral da história: é certo que a pouca contenção dos custos unitários nacionais em relação ao que se passou na Zona Euro ajuda a explicar alguma perda de competitividade das nossas exportações na última década. No entanto, há todo um outro número de factores que também contribuiram para essa mesma perda de competitividade, incluindo a entrada da China e da Europa de Leste em muitos dos nossos mercados internacionais, bem como a evolução de alguns dos nossos custos de contexto menos favoráveis. Em relação a estes, é certo que a nossa situação periférica não ajuda. Porém, certamente que não é um impedimento de maior para que as nossas exportações sejam mais competitivas. O problema é que nós temos agravado os nossos custos de contexto, quer através dos nossos elevados custos energéticos, quer por causa do excessivo despesimo do nosso Estado, cujo voraz apetite nos tem feito subir a carga fiscal para níveis bem mais altos do que seria desejável para o nosso nível de rendimento. Por todos estes motivos, e para que as nossas exportações se tornem mais competitivas, parece-me que baixar estes custos de contexto é tão ou mais importante do que a mera contenção do crescimento dos custos unitários do trabalho.

29 novembro 2010

ASSIMETRIAS REGIONAIS


Como é que têm evoluído as assimetrias regionais no nosso país? Estarão as regiões mais pobres a convergir em relação às mais ricas? Estarão as mais ricas a crescer ou a estagnar, como a economia nacional? Estaremos a ficar mais ou menos um país dual? Para podermos responder a estas questões, temos de olhar para uma série de indicadores que nos podem ajudar a esclarecer a evolução das assimetrias regionais em Portugal. Para tal, nos próximos dias, irei debruçar-me sobre estes indicadores. Hoje começamos com o PIB regional por  pessoa, que nos indica o rendimento médio de cada habitante de uma determinada região. 
Neste sentido, se atentarmos para o gráfico 1 (que nos indica  o rendimento médio das regiões portuguesas relativamente à média europeia), facilmente poderemos retirar as seguintes conclusões:
Em primeiro lugar, é visível que, desde 2003, todas as regiões portuguesas estagnaram ou divergiram em relação à media europeia. Ou seja, desde 2003, que todas as regiões portuguesas ficaram mais pobres relativamente ao rendimento médio europeu. Ainda assim, vale a pena sublinhar que antes de 2003, as regiões que mais se destacaram em relação à convergencia de rendimentos com a Europa foram as regiões autonómas, com especial incidência para a Madeira. Assim, entre 1999 e 2007, o rendimento médio por habitante madeirense aumentou de 63% para 79% do rendimento de um europeu médio.  Por sua vez, o rendimento médio dos Açores cresceu de 46% da média europeia em 1997 para 55% em 2007. Actualmente, os Açores já são mais ricos do que a Região Centro e do que o Norte do país, e a Madeira aproxima-se a passos largos para se tornar na região mais rica de Portugal. 
Em segundo lugar, é igualmente notório que o Norte permanece a região mais pobre do país. Em 2007, o rendimento da Região Norte já era somente 49% do rendimento médio europeu, o que tornava o Norte numa das regiões mais pobres da Europa Ocidental. Obviamente que esta definição do Norte deixa muito a desejar, pois engloba tanto cidades relativamente afluentes como o Porto e Braga, como Trás-os-Montes. Ainda assim, a tendência de empobrecimento do Norte nos últimos anos é simplesmente indesmentível, um fenómeno que urge combater antes que esta divergência se torne demasiado grande.
Em terceiro lugar, a impressionante convergência dos rendimentos médios da Madeira em relação à media europeia foi travada nos últimos anos. Aliás, é até provável que esta tendência se tenha acentuado desde 2008, por causa do agravamento da crise económica. 
Em suma, infelizmente, desde 2003, que nenhuma região portuguesa regista uma convergência significativa em relação à média europeia. Uma tendência que é imperioso inverter o mais brevemente possível.

Gráfico 1 _ Rendimento médio das regiões portuguesas em relação à média europeia (PIB por habitante, UE27 = 100)
 Fonte: Eurostat

Olhemos agora somente para o contexto português e comparemos os rendimentos médios das diversas regiões com o rendimento médio em Lisboa (a região mais abastada de Portugal). Como podemos ver no gráfico 2, embora a Madeira tenha parado de convergir com a Europa, a convergência da região madeirense com Lisboa continua, apesar de o ritmo de convergência ter abrandado. Por outro lado, é igualmente visível no gráfico 2 que, entre 2004 e 2008, quase todas as regiões convergiram (muito) ligeiramente em relação a Lisboa. A excepção é o Algarve, cujo processo de convergência com a Europa e com Lisboa parece ter perdido ímpeto nos últimos anos.
Finalmente, os números referentes à convergência regional do gráfico 2 sugerem que as assimetrias regionais em Portugal continental se têm alterado pouco nos últimos 15 anos. É, de facto, notório que a diferença entre o PIB por habitante em Lisboa e as restantes regiões se tem mantido quase inalterada. Ou seja, as assimetrias regionaos portuguesas têm persistido e até se têm perpetuado. Pelo menos no que diz respeito ao Continente. A grande excepção a esta tendência são as regiões autónomas, que têm vindo a registar uma convergência real notável em relação ao continente e, em particular, a Lisboa. Se não fossem as regiões autónomas, certamente que as nossas assimetrias regionais nos pareceriam ainda mais imutáveis, quase glaciares.
Amanhã falarei da produtividade média e de outros indicadores regionais. Veremos se as mesmas tendências do Mezzogiorno português se manterão.

Gráfico 2 _ PIB por habitante por região em relação a Lisboa (=100)

Fonte: INE

28 novembro 2010

AINDA A EMIGRAÇÃO (2)

O Público e o DN falam hoje sobre a questão da emigração e sobre os impactos que a mesma poderá ter para a economia nacional.

27 novembro 2010

RETRATOS DO DESPESISMO (3)

Às vezes ouvimos dizer que o crescimento da dívida pública em percentagem do PIB só aconteceu após o eclodir da crise financeira de 2008 e a crise económica que se seguiu. Assim, o governo tem repetido ad nauseum que as despesas públicas e a dívida do Estado estavam sob controlo antes de 2008. Uma análise mais detalhada sobre esta questão fica para outra ocasião. Entretanto, vale a pena perceber quando e como é que as despesas públicas em percentagem do PIB aumentaram, e como é que o nosso país se compara em relação aos restantes países europeus. 
Para que possamos ser justos, vale a pena dividir o período de análise entre 1998 (quando a nossa entrada no euro ficou decidida) e 2010 em dois períodos: um período antes da crise internacional (entre 1998 e 2007) e outro período depois da crise (entre 2008 e 2010). Comecemos pelo primeiro período.
Neste sentido, o gráfico 1 apresenta os cálculos da variação da despesa pública em percentagem do PIB para os países que pertenciam à Zona Euro em 2007. Por exemplo, se o valor no eixo vertical for 3%, isso quer dizer que, entre 1998 e 2007, a despesa pública em percentagem do PIB no país X cresceu 3 pontos percentuais do PIB desse país.
E, como podemos ver, os números falam por si. Entre todos os países do primeiro pelotão do euro (mais a Grécia, que aderiu um ano mais tarde), Portugal foi o país da Eurolândia onde as despesas públicas em percentagem do PIB mais cresceram entre 1998 e 2007. Aliás, na Zona Euro, os únicos países que registaram um crescimento da despesa pública em percentagem do PIB entre 1998 e 2007 foram Portugal, a Grécia e a Irlanda. Todos os restantes países da Zona Euro viram as suas despesas públicas em percentagem do PIB diminuir, por vezes de forma muito significativa. Assim, países como a Alemanha, o Luxemburgo, a Áustria e a Finlândia diminuiram as despesas em percentagem do PIB e cerca de 5 pontos percentuais. Ou seja, exactamente ao contrário do que nós fizemos.

Gráfico 1 _ Variação da despesa pública em percentagem do PIB na zona euro entre 1998 e 2007
Fonte: Calculado dos dados da AMECO

No entanto, se ainda não estivermos convencidos sobre o nosso excessivo despesismo num contexto em que tínhamos decidido participar na moeda única europeia, vale a pena também comparar o que se passou em Portugal e nos restantes países da União Europeia,  incluindo os países que entraram mais tarde no euro (como o Chipre, Malta, a Eslováquia e a Eslovénia). É isso que se faz no gráfico 2, que apresenta a variação da despesa pública em percentagem do PIB na UE 27 entre 1998 e 2007. É visível que na UE27, nós não fomos o país onde a despesa pública em % do PIB mais cresceu. As honras de tal proeza pertencem ao Chipre e ao Reino Unido. No entanto, mais uma vez, Portugal foi um dos países onde as despesas públicas em % do PIB mais cresceram em toda a UE27 entre 1998 e 2007.

Gráfico 2 _ Variação da despesa pública em percentagem do PIB na UE27 entre 1998 e 2007
 Fonte: Calculado dos dados da AMECO

Por outras palavras, o nosso excessivo despesismo aconteceu bem antes do dealbar da crise internacional e não depois. Aliás, este facto é bem patente no próximo gráfico, que apresenta a variação das despesas públicas em % do PIB entre 2008 e 2010 (valores projectados). Como podemos ver, neste caso o governo até tem razão em afirmar que nós nem fomos dos países onde a despesa pública em % do PIB mais cresceu após o início da crise de 2008. A verdade é que a variação média deste indicador em Portugal foi ligeiramente superior à variação média das despesas públicas em % do PIB registada na UE27, mas bem menor do que a variação ocorrida em países como a Dinamarca, a Finlândia, a Eslovénia ou mesmo a Holanda.

Gráfico 3 _ Variação da despesa pública em percentagem do PIB na UE27 entre 2008 e 2010

 Fonte: Calculado dos dados da AMECO

O problema é que quando esse aumento da despesa pública em % do PIB aconteceu por força da crise internacional,  nós já não tinhamos margem de manobra para o fazer, enquanto os países que se mantiveram regrados entre 1998 e 2007 acabaram por ficar numa situação bem mais favorável. A excepção é a Espanha (e a Irlanda), cujos problemas se devem ao rebentar de uma bolha imobiliária e das suas repercussões para o sistema bancário.
Moral da história: as graves consequências do excessivo despesismo do nosso Estado que estamos hoje a viver não são, de modo algum, um mero reflexo da crise internacional. Não. Bem pelo contrário. O que a crise internacional fez foi agravar desequilíbrios já existentes, desequilíbrios que foram criados por um excessivo despismo do nosso Estado e dos nossos governos em períodos em que deveríamos ter poupado para podermos ter mais margem de manobra em tempos menos bons. Como não o fizemos, acabámos por ficar reféns do nosso despesismo e do elevado endividamento da nossa economia e do nosso Estado, e acabámos por pagar um preço muito alto por toda esta falta de controlo da nossa despesa pública. Um preço que, como é óbvio, terá que ser pago pelas gerações futuras e pelos governos vindouros.

EMIGRAÇÃO DA IRLANDA

Como já aqui referi, o regresso da emigração não se restringe a Portugal. Existem cada vez mais indícios que este fenómeno está também a voltar à Irlanda.

26 novembro 2010

RESGATAR PORTUGAL PARA SALVAR A ESPANHA (E O EURO)

Segundo a edição de hoje do Financial Times alemão (e do Jornal de Negócios), o BCE quer convencer o governo português a aceitar aceder ao fundo europeu de estabilização financeira (e ao resgate do FMI). Porquê? Para que diminuam as pressões dos mercados sobre a Espanha. É que, como já aqui mencionei, um resgate de Portugal não terá um grande impacto para a Zona Euro (um impacto que certamente não será maior do que já aconteceu com a Grécia ou com a Irlanda), visto que a economia portuguesa é relativamente pequena no contexto europeu. O mesmo já não sucede com a Espanha, cuja economia tem um peso muito mais elevado na economia europeia e cujo eventual resgate seria bem mais caro e bem mais problemático para a estabilidade da Zona Euro. Dito isto, as questões que se colocam são: 1) será um bailout português mesmo inevitável?, e 2) conseguirá um resgate de Portugal evitar que a Espanha tenha o mesmo destino?
Comecemos com a primeira questão. Parece evidente para quase toda a gente que um bailout português e o recurso ao FMI é cada vez mais provável. Aliás, se eu gostasse de apostas, eu diria que existem cerca de 60% a 70% de possibilidades que Portugal venha a recorrer ao fundo de estabilização financeira (FEEF) e ao FMI para conseguirmos financiar as necessidades referentes à nossa dívida pública e evitar uma situação de congelamento do financiamento da nossa economia, o que decerto teria graves repercussões para todos nós.
Por isso, tudo indica que a grande questão que deparamos actualmente não é se iremos ou não ser resgatados, mas quando. E se os nossos parceiros europeus (e o BCE) não nos forçarem recorrer ao fundo de estabilização financeira até ao final do ano, decerto que um recurso ao FEEF e ao FMI tal será bastante provável nos primeiros meses de 2011. 
Dito isto, será que um resgate português poderia evitar que a Espanha fosse a senhora que se segue? Talvez, ou talvez não. A verdade é que há cada vez mais gente a acreditar que os desequilíbrios da economia espanhola e, em particular, dos bancos espanhóis, são profundos e com tendência para se agravarem. Porquê? Porque há inúmeros bancos regionais, as "Cajas", em dificuldades e porque o rebentamento da bolha imobiliária espanhola tem originado cada vez mais estragos. Agora já há quem diga que as situações de incumprimento dos créditos imobiliário às famílias poderão triplicar nos próximos meses e que os preços médios das casas em Espanha poderão descer mais de 20% em 2011, o que fará com que os activos detidos pelos bancos desvalorizem ainda mais, e o que causará ainda mais dificuldades ao sector bancário espanhol. Ainda por cima, há inúmeras dúvidas relacionadas com os preços das casas em Espanha, o que só aumentará ainda mais as questões sobre a sustentabilidade das finanças públicas espanholas e sobre o verdadeiro estado do sector bancário espanhol. Moral da história: é muito provável que um eventual resgate de Portugal acabe por não ser suficiente para salvar a Espanha do mesmo destino, principalmente se estas dúvidas se mantiverem e/ou se os problemas dos bancos espanhóis se agravarem nos próximos meses. É exactamente isto que parecem indiciar uma série de artigos na imprensa económica internacional. Começa a implantar-se a ideia de que o teste final à Zona Euro se fará com a Espanha e não com Portugal. Decerto que os próximos dias e semanas serão fundamentais para podermos responder mais adequadamente a todas estas questões.

POR QUE NÃO A BÉLGICA?

Sabendo que a Bélgica tem uma dívida pública acima dos 100% do PIB já há alguns anos e que os riscos de uma separação entre os flamencos e os francófonos permanecem elevados, por que é que os mercados não estão preocupados com a sustentabilidade das finanças públicas belgas? Porque, entre outros factores, o défice orçamental está sob controlo e porque a taxa de poupança belga é relativamente alta, o que torna mais fácil o refinanciamento da dívida. Ou seja, exactamente ao contrário do que temos feito.

O (QUASE) COLAPSO DO EURO (2)

Mais um artigo a especular sobre um eventual fim do euro.

25 novembro 2010

EMIGRAÇÃO PARA A SUÍÇA

Os dados mais recentes sobre a emigração para a Suíça foram agora disponibilizados pelo organismo responsável pelas estatísticas desse país. Entre outras coisas, ficámos a saber que, em 2009, viviam nesse país 206 mil portugueses, cerca de 70 mil portugueses a mais do que em 2001. Um valor significativo até porque a Suíça não tem sido o país onde os fluxos de emigração portuguesa têm sido mais elevados.
É também interessante constatar a inequívoca tendência de crescimento da população portuguesa nesse país durante a última década. Neste sentido, o próximo gráfico é muito elucidativo em relação à nova vaga emigratória que está a decorrer. É visível que a população portuguesa a residir na Suíça tinha estabilizado na segunda metade dos anos 90, começando a crescer por volta de 2002. Ou seja, mais ou menos quando a crise económica nacional começou. Mais um forte indício de que estamos a viver a terceira grande vaga emigratória dos últimos 150 anos. Mas, claro, são os Suíços que estão errados, não o INE.

Gráfico _ População de nacionalidade portuguesa a residir na Suíça, 1995-2009
Fonte: Statistique Suisse "Population étrangère 1995-2009"

O RISCO ESPANHOL

Os mercados e a grande maioria dos analistas internacionais já dão como inevitável um "bailout" de Portugal. Porém, poucos estão preocupados com essa possibilidade, pois a economia portuguesa é demasiado pequena para afectar de forma irreversível a Zona Euro. O mesmo não se pode dizer da economia espanhola. Aliás, a Espanha é a grande preocupação dos mercados e de muitos economistas. Porquê? Porque um hipotético bailout da Espanha poderia ser verdeiramente problemático para a Zona Euro e poderia significar o princípio do fim da moeda única.
Actualmente, o principal risco associado à Espanha vem da dívida dos bancos espanhóis. É verdade que a grande maioria dos bancos espanhóis passou nos testes de stress realizados há uns meses. Porém, sabendo o que se passou com os bancos irlandeses (que passaram nos mesmos testes), já há muita gente que desconfia da credibilidade deste tipo de testes.
Mas há um outro factor que poderá tornar os bancos espanhóis ainda mais vulneráveis. Qual é esse factor? Portugal. Segundo o BIS, os bancos espanhóis têm cerca de 60 mil milhões de dívida pública portuguesa. E se adicionarmos a exposição dos bancos espanhóis à nossa dívida com os outros  problemas da banca de Espanha, poderemos ter a receita ideal para que os nossos vizinhos fiquem numa situação bastante delicada.

CICLO VICIOSO DA AUSTERIDADE

No dia em que a Irlanda anuncia um novo plano de austeridade, há já quem fale em ciclos viciosos da austeridade. Como o Financial Post refere:
"The risk, experts say, is Europe gets stuck in a vicious circle in which bond markets repeatedly demand additional austerity and governments deliver, only to cut the legs out from under growth."

SINAIS DOS TEMPOS

Quando o Wall Street Journal e o Financial Times, entre outros, escrevem artigos sobre uma greve geral em Portugal, não é difícil perceber que os tempos que vivemos são verdadeiramente excepcionais.

24 novembro 2010

A FICÇÃO DO INE

Num dia em que o Público faz capa com os temas da greve geral, o desemprego e o retorno da emigração, é interessante verificar que o Instituto Nacional de Estatística continua a fingir que nada ou pouco se passa em relação aos fluxos emigratórios dos portugueses. Assim, o INE publicou ontem a edição de 2010 das Estatísticas Demográficas, onde se demonstra que a população portuguesa continua a crescer, apesar de o saldo demográfico natural (nascimentos menos mortes) permanecer negativo. Como é possível? Porque o INE estima que o saldo migratório nos continua a ser favorável. Mais concretamente, de acordo com o INE, em 2009 entraram 32 mil novos imigrantes em Portugal (tinham sido 29 mil em 2008), e saíram somente 16899 portugueses em 2009 e 20357 em 2008. Ou seja, números radicalmente distintos dos meus, que apontam para uma emigração a rondar os 100 mil portugueses nesses anos. 
Como é possível esta diferença tão abismal? Muito simples. O INE utiliza métodos indirectos de avaliação da emigração, fazendo inquéritos telefónicos aos agregados familiares onde se pergunta se há alguém nesse agregado que emigrou no último ano. Ora, vários estudos internacionais demonstram que este método subavalia enormemente os fluxos emigratórios, pois as pessoas costumam omitir informação relevante sobre os fluxos de saída. Por outro lado, os meus números foram obtidos olhando para os países de origem dos emigrantes, através dos dados dos centros de emprego e da Segurança Social desses países, onde se distinguem os novos trabalhadores por país de origem. Isto é, um método que nos permite observar directamente o número de portugueses no estrangeiros.
Mas esqueçamos por um momento a questão dos métodos de obtenção dos dados e concentremo-nos nos números agora divulgados. Eu sei que sou suspeito, mas será que os números do INE fazem algum sentido? É claro que não. Se fossem reais, o que estes números nos dizem é que em 2009 registámos os menores fluxos de saída de portugueses das últimas décadas. Mais concretamente, desde 1948 que os fluxos de saída dos portugueses não era tão baixo! Isto numa altura que o desemprego já rondava os 9,5% e a crise económica nacional já dura há uma década. Ou seja, estes números são, no mínimo, inverosímeis, para já não dizer ridículos. E se não acreditem em mim, vejam os números apresentados pelo Observatório da Emigração, que é ligado ao governo, e que ainda há pouco tempo falou em saídas  anuais de 70 mil portugueses nesta década. 
Enfim, só não vê quem quer. E o INE, que faz um trabalho tão meritório e tão importante noutras áreas, infelizmente não quer ver.

Já agora, aqui ficam os dados do INE publicados ontem.


Fluxos emigratórios de Portugal em 2008 e 2009, segundo o INE

 Nacionalidade 2008 2009
HM H M
HM H M
Total  20 357  11 642  8 715
 16 899  9 665  7 234
Portugal  18 462 x x
 14 138 x x
Outros Estados-Membros da UE   161 x x
  254 x x
Países terceiros  1 734 x x  2 507 x x

A OUTRA EUROPA

Enquanto nós permanecemos estagnados, a outra Europa, a de Leste, continua a crescer. Segundo as previsões do Banco Mundial, muitos dos países do Leste europeu crescerão em 2011 a taxas superiores a 3%. A Polónia será a economia mais dinâmica, com um crescimento projectado de 3,5% em 2010 e 4,1% em 2011. Quem disse que a Europa estava em crise?

OS SENHORES QUE SE SEGUEM (4)?

Pelo andar da carroagem, é bem possível que a especulação ao redor da nossa dívida soberana seja apenas uma nota de rodapé na crise da dívida europeia. Como um analista refere aqui, "Spain is the real issue here". Ou seja, Portugal é apenas um pormenor no cenário de um agravamento da crise soberana da Espanha. E já há quem faça as contas e chegue à conclusão de que os montantes do fundo de estabilização financeira não serão suficientes para resgatar Portugal e a Espanha.

EFEITO DOMINÓ

O efeito dominó e a crise europeia da dívida, segundo o Wall Street Journal, que também revê possíveis mecanismos de contágio da crise da dívida soberana ao nível europeu.

23 novembro 2010

INTERVENÇÃO OU NÃO, EIS A QUESTÃO

Como era de prever, os mercados e os analistas internacionais já começaram a debater ainda mais intensamente as nossas debilidades e vulnerabilidades. Não é difícil concluir com uma pequena resenha da imprensa mundial de hoje que a opinião dominante dos analistas internacionais é que, mais cedo ou mais tarde, nós teremos que recorrer ao fundo de estabilização financeira e ao FMI. Pessoalmente, preferia que tal não acontecesse, pois não só tal decisão acarretaria perdas adicionais de credibilidade (já de si muito abalada), como também continuo a acreditar que nós temos os recursos necessários para fazermos o ajustamento necessário da economia nacional. Contudo, para o evitar, é preciso não só que as condições de financiamento da nossa economia se normalizem (o que não parece possível a curto prazo), os juros da dívida soberana nacional não subam para níveis ainda mais insustentáveis, e que os nossos parceiros europeus não nos forcem a recorrer ao fundo de estabilização antes que a ameaça de contágio a países como a Espanha se torne demasiado elevada. Três pesadas condições, portanto. 
Por isso, seria bom se começássemos a pensar em cenários alternativos ao actual para podermos perceber o que poderá estar em causa numa eventual intervenção do FMI. Mais concretamente, vale a pena perguntar: afinal, o que é que nos aconteceria se nos víssemos forçados a recorrer ao fundo europeu de estabilização financeira e ao FMI para resolver os nossos graves problemas de financiamento? Quais seriam as principais medidas que o FMI nos imporia? A verdade é que muitas das medidas de uma intervenção do FMI seriam bastante parecidas a algumas das políticas de austeridade já anunciadas para o próximo ano. A diferença é que, contrariamente ao que se tem passado nos últimos meses, o FMI poderia garantir que a execução orçamental se fazia mesmo, acabando de uma vez por todas com a austeridade a conta-gotas, com as sucessivas derrapagens orçamentais, bem como com o eleitoralismo descarado, como o que teve lugar em 2009 e que tantas mágoas nos tem causado.
É claro que uma intervenção do FMI conduziria provavelmente a ainda mais austeridade, com possíveis aumentos de impostos e reduções de despesa mais significativas. No entanto,  não era por aqui que a diferença com o plano actual se faria marcar. 
Neste sentido, as principais novidades de uma intervenção do FMI seriam ao nível das reformas estruturais destinadas a melhorar a competitividade do país e a potencializar uma retoma do crescimento económico. E aqui é fácil perceber o que será feito. É que o FMI e a OCDE conhecem bem os nossos problemas estruturais e já há anos que clamam por estas reformas. Que reformas são estas? A flexibilização do mercado laboral, uma maior transparência das contas públicas (com mecanismos de fiscalização mais apertados e transparentes) e o fim dos subsídios encapuçados às empresas públicas.
A flexibilização do mercado laboral seria certamente uma das primeiras medidas anunciadas, pois todas as comparações internacionais nesta área nos são muito desfavoráveis. E como o FMI não quer saber de retóricas e demagogias políticas sobre a Constituição, certamente que iria para a frente com a liberalização do mercado de trabalho. Neste sentido, não seria irónico que o governo que andou a criticar duramente o principal partido da oposição com a questão da revisão constitucional fosse o mesmo governo que se veria forçado a implementar estas mesmas medidas?
Por outro lado, uma maior transparência e fiscalização das contas públicas também seria decerto uma das primeiras medidas preconizadas pelo FMI, medidas que já começaram a ser discutidas entre os dois principais partidos portugueses, mas que, por enquanto, ficam bem aquém do que poderia ser recomendado pelo FMI.
E, finalmente, os elevados subsídios às empresas públicas também seriam um dos alvos predilectos do FMI. Porquê? Porque o endividamento das empresas estatais não pára de aumentar, crescendo, em média, cerca de 3 mil milhões de euros todos os anos. Um crescimento do endividamento totalmente insustentável e que certamente seria motivo de atenção por parte do FMI.
Estas poderão ser assim algumas das medidas que uma intervenção do FMI poderia trazer. As próximas semanas serão certamente decisivas para percebermos se esta intervenção se concretizará ou não.

THE "NEXT TARGET"

A Revista Forbes tem uma análise interessante da nossa situação actual e resume bem algumas das nossas possibilidades a curto prazo. O artigo também menciona algumas das consequências da crise que tenho vindo aqui a alertar, nomeadamente no que diz respeito ao regresso da emigração.

O CONTRAFACTUAL PRESIDENCIAL

Ao ouvir as declarações de Manuel Alegre sobre a greve geral de amanhã, dei por mim a pensar no seguinte contrafactual: o que é que nos teria acontecido se Manuel Alegre (ou, para todos os efeitos, Mário Soares) tivesse sido eleito presidente em 2006? Se hoje estamos como estamos, a que estado teria chegado o despesismo e a irresponsabilidade se as eleições de 2006 tivessem tido outro resultado? Que danos mais teriam sido cometidos contra as gerações futuras e os governos vindouros?
Seria bom que os(as) indecisos(as) e/ou os(as) que não pensam em votar meditassem nessa intrigante possibilidade antes de tomarem a decisão final de ficar em casa no dia 23 de Janeiro.

MELHOR LIVRO

Excelentes notícias para a literatura portuguesa ao saber-se que Gonçalo M. Tavares venceu o Prémio para o Melhor Livro Estrangeiro publicado em França em 2010. A nova geração de escritores portugueses continua a dar cartas.

22 novembro 2010

OS SENHORES QUE SE SEGUEM (3)?

E a dívida dos bancos espanhóis também já começa (novamente) a levantar dúvidas a muita gente.

OS SENHORES QUE SE SEGUEM (2)?

Portugal já é o principal alvo dos mercados.

NOTÍCIAS DETERMINANTES

Duas notícias que poderão ser determinantes para o nosso futuro próximo. Primeiro, a OCDE prevê que o nosso défice externo permaneça muito elevado, rondando os 8,8% do PIB. Ou seja, a OCDE não acredita na previsão do governo que, no Orçamento para 2011, projectou que as importações se iriam contrair enquanto as exportações teriam um rápido crescimento. Porém, muito mais importante do que uma previsão errada é o facto de que Portugal continuará a ter um défice externo muito alto, o que agravará ainda mais o nosso endividamento ao exterior. Notícias que, decerto, não serão bem vistas pelos mercados, agora que os holofotes  da Zona Euro estão sobre nós.
A segunda má notícia (e porventura ainda mais danosa) é que, segundo o DN, os números da execução orçamental, que vão ser divulgados pela Direcção-Geral do Orçamento, irão mostrar que a despesa continua a crescer a bom ritmo. Porquê? Porque os juros da dívida pública já começam a pesar cada vez mais na despesa total, e porque este governo continua a não saber planear ou não saber se precaver para estas eventualidades. Se mais esta derrapagem da despesa se confirmar, certamente que ouviremos o governo a tentar desculpabilizar-se pelo sucedido. É que, coitados, a culpa não é deles. A culpa  dos malvados dos mercados, que estão a fazer subir os juros da nossa dívida soberana, que, por sua vez, cresceu por causa da crise internacional. E quando os juros sobem "inesperadamente" por causa dos malvados dos mercados, as despesas do Estado aumentam sem que nós possamos fazer nada para contrariar esta tendência. Não, não é despesismo, é mesmo só um reflexo da crise do euro, das irresponsabilidads gregas, das hesitações da Europa, da natureza especulativa dos mercados financeiros, e da crise bancária irlandesa. Um enorme azar e um injusto infortúnio, como é óbvio.
Infelizmente, o mais certo é que os malvados dos mercados  continuem a fazer das suas, penalizando-nos ainda mais quando souberem desta nova derrapagem.

OS SENHORES QUE SE SEGUEM (1)?

Mal se acabou de decidir o bailout irlandês e já vários analistas discutem abertamente a possibilidade de nós sermos os próximos. Assim, o Financial Times de hoje afirma de forma categórica: 
"Two urgent questions now face Germany, France and their partners in their struggle to convince the US, China and other non-European governments, not to mention global financial markets, that they have matters under control. The first is whether the Irish bail-out will ease pressure in the bond markets on Portugal, the eurozone’s next weakest link, and obviate the need for a third rescue operation.
The second is whether Europe’s leaders can succeed in dispelling the confusion that surrounds their plan, originally a German brainwave, for the creation of a permanent crisis resolution mechanism for eurozone states in deep financial trouble." 

Os próximos dias poderão ser decisivos, apesar de que a prova dos nove só deverá acontecer no primeiro semestre de 2011, quando tivermos que financiar mais de 25 mil milhões de euros da nossa dívida pública.
 

21 novembro 2010

BAILOUT INEVITÁVEL

Era inevitável dado os montantes da dívida do sector bancário irlandês. Resta saber as condições e se o governo da Irlanda cedeu na questão fiscal. A grande questão para nós é saber se e quando nós seremos os senhores que se seguem. De uma coisa podemos estar certos, um bailout à Irlanda será muito diferente de um eventual bailout a Irlanda.

20 novembro 2010

DESAPARECER PARA DIMINUIR O DESEMPREGO

Agora que sabemos que número de desempregados e de desencorajados continua a aumentar, aqui está um artigo meu datado de Julho sobre o tema:
"Nos últimos dias, aconteceu um mistério nas terras do Tio Sam: quando saíram as mais recentes estatísticas do emprego verificou-se que o número de desempregados americanos aumentou, mas as taxas de desemprego baixaram. E por isso, vale a pena perguntar: Como é possível? Não terá havido engano?
Não, não houve engano nenhum. Porquê? Porque a taxa de desemprego é calculada como a percentagem dos desempregados em relação ao número total de trabalhadores. Só que há um pequeno detalhe. Para se ser considerado empregado ou desempregado é preciso pertencer-se à chamada força de trabalho. E para se pertencer à força de trabalho, os desempregados têm de provar que estão activamente à procura de emprego. Se não conseguirem provar, ou se os desempregados desistirem de procurar emprego, então deixam pura e simplesmente de contar como desempregados. A partir de então são contados como «inactivos», e não entram para as contas do desemprego.
Deste modo, é perfeitamente possível que o número de desempregados aumente, mas a taxa de desemprego suba. Para tal, basta que alguns trabalhadores fiquem desempregados (aumentando o desemprego), e que alguns desempregados deixem de procurar trabalho (tornando-se inactivos, o que diminui a taxa de desemprego).
Assim, quando da próxima vez ouvir falar de uma subida ou descida do desemprego, verifique primeiro se há alguma referência aos números dos trabalhadores inactivos. É que, se não, os números oficiais do desemprego podem ser bem distintos dos números reais..."
Notícias Magazine: Julho 2010

19 novembro 2010

BAILOUT OU NÃO, EIS A QUESTÃO (2)

Como já aqui referi, o principal ponto de discórdia entre a Irlanda e os negociadores europeus do bailout dos bancos irlandeses relaciona-se com as baixas taxas de impostos concedidas às empresas da economia celta. Mais concretamente, segundo o Financial Times, os alemães e os franceses consideram as baixas taxas de imposto irlandesas como sendo "quase predatórias". Por isso, estes países (que já tinham defendido a harmonização fiscal europeia para acabar com o regime de excepção irlandês) estão a fazer tudo o que podem para que os irlandeses aceitem aumentar a carga fiscal das empresas sediadas na Irlanda. Como disse um negociador francês “They need lots of money and we note they have a corporation tax rate that is very low. Supply must follow demand.” Uma espécie de lei de Say (que diz que a oferta cria a sua própria procura) aplicada à finança dos Estados.  Enfim, uma vergonha. Querem acabar com o sucesso da economia irlandesa à força. 
A que ponto chegou a Europa.

BONS VIZINHOS

Apesar de não pertencer ao euro, o Reino Unido disponibilizou-se a apoiar a Irlanda, não só porque as duas economias estão muito ligadas, mas também porque são "bons vizinhos". Pelo menos foi isso o que disse o Ministro das Finanças britânico ao anunciar a disponibilidade para ajudar a Irlanda. O que ficou por dizer é que os bancos britânicos estão extremamente expostos às dívidas dos bancos irlandeses. Quão expostos? Algo como 222 mil milhões de dólares. Assim, se a Irlanda cair em incumprimento (o que não é provável, por enquanto), os bancos britânicos não ficarão numa situação muito boa.
Mas, como é óbvio, esses números são só um pequeno pormenor quando o que está em causa é a boa vizinhança.

A CHINA E A IRLANDA

Aqui está um artigo indispensável de Simon Johnson, professor no FMI e ex-economista-chefe do FMI. Segundo Johnson, a crise bancária irlandesa é provavelmente ainda mais grave do que andamos a pensar e foi provocada pelo excessivo crescimento dos bancos, quer na Irlanda, quer no resto da Europa. Quando a crise do subprime se abateu sobre a América, os bancos europeus viram-se expostos a todo o tipo de activos tóxicos (europeus e americanos), e, ainda por cima, sentiram-se extremamente vulneráveis ao rebentamento de bolhas imobiliárias que os próprios bancos tinham incentivado. Foi então que os banqueiros irlandeses (e europeus) começaram a argumentar (e a mostrar) que eram demasiado importantes para as economias nacionais para poderem ir abaixo. E foi assim que vários países europeus se viram a braços com a necessidade de levar a cabo planos de resgate dos seus bancos, cujas dívidas eram por vezes bem maiores do que os PIB nacionais.
Aliás, de acordo com Johnson, as dívidas dos bancos irlandeses e europeus são de tal modo elevadas que nem o FMI, nem o BCE, nem sequer os contribuintes alemães têm recursos suficientes para cobrir essas mesmas dívidas ou simplesmente não estão dispostos a fazê-lo. Qual é problema? Será que essas dívidas se limitam à Irlanda e, quiçá, à Espanha e Portugal? Não, porque os bancos franceses, holandeses e alemães estão demasiado expostos à divida bancária irlandesa (e espanhola), o que significa que se a Irlanda (ou os seus bancos) cair em incumprimento, os bancos do centro da Europa também sofrerão graves consequências. 
Qual é a solução? Segundo Johnson, a ironia é que quem poderá vir resgatar a Europa poderá ser a China (lembram-se de quem veio cá recentemente prometer comprar a nossa dívida?), que tem recursos financeiros suficientes para salvar o Velho Continente e poderá tentar ganhar créditos com toda esta situação? Como? Comprando a dívida europeia em troca do aumento da sua influência em organizações como o FMI. Num caso extremo, se a quota da China no FMI crescesse significativamente, a sede do FMI poderia inclusivamente mudar-se para Pequim, pois os regulamentos dessa organização estipulam que a sede se situa no país com a maior quota.
Será esta possibilidade mera especulação? Claro que sim. Pelo menos por enquanto. No entanto, também é verdade que já estivemos bem mais longe de todo este cenário ser impossível ou somente fantasioso. E se Johnson, que conhece bem os meandros da arquitectura financeira internacional, especula sobre estas possibilidades é porque haverá um fundo de verdade em tudo isto.

18 novembro 2010

PALAVRAS SENSATAS

Um artigo interessante da BBC sobre a situação portuguesa e que inclui declarações sensatas de Pedro Lains, um dos melhores conhecedores da histórica das nossas finanças públicas, que afirma:

"We have a history of not very good finances but also a history of good rebalancing of accounts". 
Concordo inteiramente. Só acho mas é que é muito provável que quem vai corrigir os desequílibrios das nossas contas públicas não serão necessariamente aqueles que causaram os problemas. Aliás, como também é costume na nossa História. 

721 MIL

Segundo o jornal Público (e os dados do IEFP), há actualmente 721 mil pessoas desempregadas ou que desistiram de procurar emprego em Portugal. Destas, 609 mil estão desempregadas e 112 mil são consideradas "desencorajadas", isto é, não estão activamente à procura de emprego e, por isso, não contam para os cálculos da taxa de desemprego. Se tomarmos em linha de conta estas pessoas, o desemprego já atinge mais de 12,7% da população activa portuguesa. E se não contarmos com os desencorajados  a taxa de desemprego já ronda os 10,9%. Simplesmente, estas são as taxas de desemprego mais elevadas desde a Primeira Guerra Mundial. Igualmente, uma das tendências mais assinaláveis relacionadas com a subida do desemprego prende-se com o crescimento do desemprego de longa duração, isto é, o desemprego superior a um ano. Actualmente, há 339 mil pessoas desempregadas há mais de um ano, e mais 89 mil do que em 2009. Para além dos inevitáveis reflexos nas contas públicas nacionais (mais desemprego significa mais prestações sociais), a tendência de subida do desemprego de longa duração é extremamente preocupante, visto que é muito mais difícil combater o desemprego de longa duração do que o desemprego de curto prazo. É exactamente por isso que muitos dos desempregados de longa duração, mais cedo ou mais tarde, ficam desmoralizados e optam por deixar de procurar novos empregos (e assim, como já disse, deixam contar para as estatísticas do desemprego). Lamentavelmente, ainda não existe entre nós nenhuma estratégia global de combate ao desemprego de longa duração, a não ser um eventual prolongamento do subsídio de desemprego (para as famílias de rendimentos mais baixos), o que, ironicamente, só tende a prolongar ainda mais a duração do desemprego.
Os dados do IEFP revelam ainda que os mais afectados pelo crescimento do desemprego e do desemprego de longa duração são os trabalhadores menos qualificados, os mais jovens (entre os 15 e os 35 anos), bem como os trabalhadores acima dos 45 anos.   
Não restam dúvidas que o desemprego é o problema mais grave da economia nacional, um problema e uma tragédia para dezenas de milhares de famílias portuguesas crescentemente exasperadas com a situação actual.  Um problema que, infelizmente, se tenderá a agravar nos tempos mais próximos devido à previsível manutenção da crise económica nacional.

RETRATOS DO DESPESISMO (2)

A propósito deste gráfico, o Pedro Lains pergunta se os países da Europa de Leste não estariam a colocar Portugal mais longe da linha de regressão entre a despesa pública em percentagem do PIB e o PIB per capita. Como esta uma pergunta que faz todo o sentido, decidi seguir esta sugestão e retirar a Europa de Leste da amostra. O novo gráfico pode ser visto mais abaixo. Na amostra da UE15, o excessivo despesismo do nosso Estado continua a ser visível. Mais concretamente, as despesas públicas nacionais em percentagem do PIB são significativamente mais elevadas do que em países com um PIB capita semelhante ao nosso (como a Grécia e a Espanha).
Se observarmos a amostra toda, veremos que Portugal não é caso único. É igualmente notório que países como a França têm despesas públicas em percentagem do PIB significativamente acima das registadas por países com níveis de PIB per capita semelhantes. Interessa igualmente esclarecer que estes são dados do "governo geral" (general government), isto é, de todas as Administrações Públicas, retirados da série da AMECO sobre os procedimentos de défices excessivos, e não apenas do governo central ("central government").

Gráfico _ Despesas públicas em % do PIB versus PIB per capita na UE15 em 2010

Fonte: AMECO

CONFIANÇA NAS CONTAS

Nos últimos dias ficámos a saber que o buraco orçamental da Grécia em 2009 foi ainda maior do que já tinha sido previsto. Foram exactamente estas notícias que não só geraram alguma desconfiança por parte de outros parceiros europeus (principalmente por parte da Áustria, que ameaçou parar as  suas transferências para o bailout grego), como também por parte dos mercados financeiros. 
No entanto, nem tudo foi mau. Pela primeira vez em alguns anos, o Eurostat declarou que confiava nos valores da dívida pública grega, o que levou o comissário europeu para a Economia e Finanças afirmar (desafabar?) que a certificação das contas helénicas por parte do Eurostat tinha sido "um grande feito". Porquê? Porque pela primeira vez, nos últimos anos, é possivel afirmar com certeza que as contas públicas gregas são de confiança, uma condição fundamental para os mercados voltarem a acreditar nas autoridades helénicas. Não seria tão bom podermos afirmar o mesmo sobre as contas públicas nacionais?

A GOLEADA

Foto retirada do Maisfutebol.iol.pt

Eu sei que foi só um amigável. Mas que foi bonito foi.

17 novembro 2010

RETRATOS DO DESPESISMO

Um dos gráficos que melhor retrata o excessivo despesismo do nosso Estado é o que nos dá a relação entre as despesas públicas em percentagem do PIB e o PIB por habitante nos países da União Europeia. Como podemos ver no gráfico abaixo, as despesas públicas em percentagem do PIB são bastante mais elevadas em Portugal do que em países com níveis de PIB per capita semelhantes. Ou seja, quando controlamos o rendimento por habitante, o Estado português gasta bem mais (em percentagem do PIB) do que todos os outros países com rendimentos inferiores ou até bastante maiores do que nós (como a Espanha, o Chipre, a Grécia, a Eslovénia ou a República Checa). Se isto não é um inequívoco retrato do despesismo do nosso Estado, eu sinceramente não sei o que é.

Gráfico_ Despesas públicas em percentagem do PIB versus PIB por habitante em 2010  
Fonte:AMECO
Para os menos versados em Economia, vale a pena referir que cada ponto no gráfico representa as despesas públicas em % do PIB de um determinado país, bem como o nível de rendimento per capita desse país. Por exemplo, a Espanha tem um rendimento per capita médio a rondar os 22,600 euros, e as despesas públicas são de 45,7% do PIB. Pontos acima (abaixo) da linha de regressão indicam que as despesas públicas (em % do PIB) são mais elevadas (menores) do que o que seria previsível para um determinado nível de rendimento per capita. Assim, Portugal tem um nível de despesa pública em percentagem do PIB bastante superior ao que é "normal" para o nosso nível de rendimento médio.
Uma outra versão deste gráfico pode ser encontrada aqui.

FINANÇAS PÚBLICAS E EMIGRAÇÃO

Um dos efeitos mais nefastos da nova vaga migratória agora em curso é o impacto que a emigração poderá ter sobre a sustentabilidade das finanças públicas e da Segurança Social a longo prazo. Estes efeitos poderão ser ainda mais gravosos e preocupantes se nos lembrarmos que a taxa de natalidade nacional é uma das mais baixas do mundo, o que terá enormes consequências para a mesma sustentabilidade das finanças públicas e da Segurança Social. Este foi um dos temas de algumas declarações que eu fiz para a Lusa e que estão resumidas aqui.

BAILOUT OU NÃO, EIS A QUESTÃO

O impasse em redor do plano de resgate do sistema bancário irlandês continua. Bruxelas e Berlim querem que a Irlanda aceite a activação do fundo de estabilização europeu o mais rapidamente possível, mas o governo irlandês continua reluctante em fazê-lo, apesar de saber que o buraco da dívida bancária é bem maior do que seria desejável (e tinha sido previsto). Porquê? Porque não só, como já aqui referi, a Irlanda tem reservas suficientes para garantir o financiamento da dívida pública até meados de 2011, mas também porque o governo teme que uma cedência a Bruxelas e Berlim poderá acarretar pesados custos eleitorais para o partido no poder. Nada de novo, portanto.
Porém, há um motivo adicional que poderá explicar ainda melhor a renitência celta: a Irlanda está preocupada com a competitividade da economia irlandesa, pois teme que uma intervenção do FMI e, principalmente, a activação do fundo de estabilização possa forçar uma revisão dos generosos benefícios fiscais existentes para as empresas sediadas em território irlandês. Vale a pena relembrar que uma das razões que explicam o milagre económico irlandês das últimas duas décadas foi a política de taxar as empresas à taxa de 10%, bem mais reduzida do que na maioria dos países europeus, e que atraiu inúmeras empresas multinacionais para esse país. Ora, já há muitos anos que os franceses e os alemães, entre outros, se têm queixado da alegada "concorrência desleal" da Irlanda na atracção do investimento estrangeiro, pois os impostos irlandeses são bem mais baixos do que a média europeia. Aliás, se se recordam, há alguns anos, vários países da União Europeia tentaram vender a ideia de uma hamonização fiscal europeia, que tinha como principal objectivo acabar com as excepções fiscais concedidas por países como a Irlanda. Os irlandeses sempre resistiram (e bem) a estas investidas, pois sempre acharam que se aumentassem os impostos estariam a matar uma das galinhas de ovos de ouro do milagre irlandês e perderiam soberania económica. Por isso, temem agora que os alemães e os franceses finalmente alcancem o que já vêm tentando fazer há tanto tempo: a subida das taxas de impostos sobre as empresas em troca do resgate dos bancos irlandeses. E este é que parece ser um dos principais pontos de contenda nas negociações que estão a decorrer entre Dublin e Bruxelas (e o FMI).

A CRISE E O EURO (2)

José Soares da Fonseca apresenta o seguinte pertinente comentário a propósito deste post:
"O euro tornou-se uma máquina de criação de risco de dívida pública, na medida em que 1) esta deixou de poder ser monetarizada; 2) deixou de ser possível o recurso à desvalorização, o que permitiria aliviar o défice aliviar o défice da balança corrente e atenuar a necessidade de capitais externos.
Que vantagens teve a entrada no euro, que se iniciou com a entrada na segunda fase em 1993? Permitiu que se iniciasse uma política de disciplina monetária de redução da inflação e de ruptura com o anterior ciclo vicioso da desvalorização deslizante. Principal senão: Portugal entrou no euro com um défice da conta corrente, que iria "automaticamente" agravar-se, como aconteceu, uma vez desaparecido o sinal dado pelo mercado de câmbios, referente ao desajustamento da cotação externa da moeda em relação ao seu valor de equilíbrio.
Poderá a economia portuguesa sobreviver fora da zona euro? Pode! e até poderá iniciar, de forma consistente, a correcção do desequilíbrio externo, se não for retomada a monetarização da dívida pública, e se a desvalorização inicial que terá lugar for acompanhada por uma política monetária de contenção do refinanciamento, e na qual a expansão da base monetária se faça essencialmente como contrapartida do aumento das disponibilidades sobre o exterior."

Food for thought. Ou muito me engano ou vamos discutir alguns destes argumentos nos próximos tempos, principalmente se a crise se prolongar por mais uns anos, assim como já aqui alertei anteriormente.

16 novembro 2010

DECLARAÇÕES DESASTROSAS

As intervenções desastradas do Ministro das Finanças continuam. Se não, como é que se pode perceber a entrevista do Ministro ao Financial Times? Afirmar que o risco de recorrer ao fundo de estabilização europeu e ao FMI é "elevado" equivale a uma autêntica declaração de capitulação e a admissão de que o governo já não tem qualquer controlo da situação actual. Foi exactamente assim que a grande maioria dos analistas viu as declarações do Ministro. Eu sei que o Ministro tentou desmentir essas afirmações ao longo do dia. No entanto, como é evidente, o mal já estava feito, pois os principais meios de comunicação do mundo só prestaram atenção às declarações iniciais de Teixeira dos Santos. Por isso, interessa perguntar: porquê? Por que motivo é que o Ministro das Finanças proferiu tais afirmações? Só encontro duas possibilidades: ou o Ministro sabe que já não há volta a dar e que o recurso ao fundo de estabilização europeu é mesmo inevitável, ou então Teixeira dos Santos tentou fazer no estrangeiro o que tem tentado fazer internamente nos últimos meses, isto é, desculpabilizar-se das responsabilidades que o governo tem por termos chegado a este ponto. Ao atirar a culpa da situação actual para os mercados, para a crise internacional e para o contágio europeu, Teixeira dos Santos tenta-nos convencer que a culpa disto tudo não é da exclusiva responsabilidade da política económica dos últimos anos,  que nos conduziu a esta lamentável situação. Obviamente, estes argumentos já não convencem ninguém. E quem perde com tudo isto somos nós. Infelizmente, a credibilidade nacional continua pelas ruas da amargura. 

INEVITÁVEL BAILOUT

Parece inevitável que a Irlanda vai mesmo recorrer ao fundo de estabilização europeu. A Irlanda ainda tem recursos suficientes para financiar a sua dívida soberana até meados de 2011 (o que não é verdade para nós). No entanto, todos os indicadores parecem sugerir que o buraco do sistema bancário irlandês é de tal ordem que o governo será forçado a aceitar a ajuda europeia para salvar os seus bancos. O mais provável é que tudo seja decidido nos próximos dias. E depois da Irlanda, é natural que os mercados se virem para nós.  

A CRISE E O EURO

Muitos(as) acreditam que a crise da dívida soberana é fundamentalmente um problema com o euro. Talvez sem, talvez não. Ainda assim, vale a pena discutir a questão. Aqui está mais uma opinião de um analista da Bloomberg;
"The euro has turned into a bankruptcy machine. Once the markets have finished with Ireland, they will simply move on to Portugal and Spain, and after that to Italy and France."

NAS BOCAS DO MUNDO

Portugal continua nas bocas do mundo. Hoje falam de nós em todos ou quase todos principais jornais do mundo (ver, por exemplo, o New York Times, o Financial Times, e o Wall Street Journal, o Guardian, o El Pais). É só pena que toda esta publicidade não seja pelas melhores razões.

3 ANOS

O Desmitos faz hoje 3 anos. Obrigado a todos.

15 novembro 2010

AS ORIGENS DO "MONSTRO" (3)

Fiquei a saber pelo João Rodrigues no sempre estimulante Ladrões de Bicicletas que sou um economista neoliberal. Sinceramente, eu agradeço o elogio, apesar de não me rever minimamente na definição de "objectivo neoliberal" definido por ele. 
Rótulos e ideologias à parte, o que interessa mesmo para o debate é esclarecer os números e os factos sobre o crescimento da despesa e da dívida pública em Portugal. Mais concretamente, será que a dívida pública nacional e os elevados défices orçamentais se devem somente à crise internacional ou será que a tendência de crescimento das despesas públicas já vem de trás?
O meu post original somente queria mostrar que, contrariamente ao que às vezes se pensa, o crescimento das despesas públicas não começou com a democracia, mas sim nas últimas duas décadas do regime salazarista. E que este crescimento das despesas públicas continuou a ritmo acelerado no período democrático, devido ao crescimento dos sectores da Educação, da Saúde e da Segurança Social, que, aliás, já tinha ocorrido em outros países europeus nas décadas anteriores. Obviamente não expliquei devidamente o gráfico, pois houve várias interpretações que pouco têm a ver com o mesmo, inclusive a afirmação de que a figura era sobre a dívida total (não era, era sim sobre o crescimento de tendência das despesas públicas nas últimas 5 décadas).
Ainda assim, e já que se insinua que sou dou atenção aos valores absolutos, vale a pena recordar dois gráficos que já aqui apresentei em outras ocasiões. Comecemos com a dívida pública em percentagem do PIB.  Como podemos ver no gráfico 1, a dívida pública nacional em percentagem do PIB em 2011 vai ser a mais elevada dos últimos 160 anos. Esta não é uma afirmação ideológica. É um facto.
É óbvio que a crise internacional teve um impacto no crescimento da dívida pública. Se não fosse assim, como é que podíamos justitficar um crescimento da dívida pública em 30 pontos percentuais do PIB entre 2008 e 2011? No entanto, é também visível que a dívida pública em percentagem do PIB já estava em franco crescimento desde os meados da década de 90. Ora, este crescimento da dívida pública nacional em percentagem do PIB (e em valor absoluto) é ainda mais espectacular se nos lembrarmos que foi durante este período que o Estado beneficiou de elevadíssimas receitas das privatizações. Mais concretamente, a dívida pública só não subiu mais porque, entre 1990 e 2005, os governos tiveram ao seu dispor 25 mil milhões de euros em receitas de privatizações. Se não tivessem sido as privatizações, certamente que a dívida pública teria subido bastante mais.

Gráfico _ Dívida Pública em % do PIB, 1850-2010


Fonte: 1850-1900: Neves (1994); 1900-1973: Mata e Valério (1994), 1974-2009: AMECO

Se agora atentarmos para os números da despesa pública em percentagem do PIB, a tendência é muito parecida. As despesas públicas em percentagem do PIB cresceram rapidamente nos primeiros anos da democracia até 1993, com a excepção do período entre 1986 e 1990, quando o PIB nacional registou um forte crescimento. Entre 1993 e 1997, as despesas públicas em percentagem do PIB diminuiram, o que se justifica tanto pelo reatar do crescimento económico após a recessão de 1993, bem como devido ao esforço de convergência realizado com o intuito de entrar no euro. Em Maio de 1998, Portugal entrou como membro de pleno direito no primeiro pelotão da moeda única europeia e a contenção acabou. Nos anos seguintes, as despesas públicas aumentaram a bom ritmo, tanto em valor absoluto, como em percentagem do PIB.

Gráfico 2 _ Despesa pública em % do PIB, 1977-2010
Fonte: AMECO

É verdade que nos dois primeiros anos do primeiro governo Sócrates, a despesa pública em percentagem do PIB diminuiu ligeiramente (1 ponto percentual do PIB), principalmente porque o governo de então se viu sobre grande pressão de Bruxelas para controlar o défice orçamental. No entanto, refira-se que tal proeza só foi alcançada não só porque o investimento público mais importante passou a ser feito de forma dissimulada (através das parcerias público-privadas), não contando obviamente para o cálculo das despesas públicas, mas também porque se efectuaram toda uma série de desorçamentações que têm sido denunciadas ao longo dos anos pelo Tribunal de Contas e pela UTAO. Se assim não fosse, certamente que a despesa pública em percentagem do PIB teria aumentado.
Tudo isto aconteceu bem antes da crise internacional. Como é visível, a crise internacional originou, de facto, mais despesa pública em percentagem do PIB, mas a tendência de crescimento já vinha bem de trás.
Finalmente, vale a pena referir que os défices orçamentais e a dívida pública só não têm sido mais elevados não só porque nós temos tentado (sem grande sucesso) cumprir as imposições do Pacto de Estabilidade, mas também porque os governos têm efectuado toda uma série de estratagemas para tentar encobrir a dívida pública total do Estado. Que estratagemas? As diversas medidas extraordinárias levadas a cabo nos últimos anos que têm "diminuído" os défices orçamentais em vários pontos percentuais (como o negócio da PT em 2010, ou as medidas extraordinárias de 2003 e 2004), a aposta desmesurada em parcerias público-privadas, cujos encargos não são contabilizados até 2013, e as referidas desorçamentações das despesas.
A verdade é que, ideologias à parte, há inúmeros estudos que demonstram que o crescimento das despesas públicas nacionais aconteceu a contra-ciclo do que ocorreu na Zona Euro, assim como já aqui referi por diversas vezes. A crise internacional não foi de modo algum um "detalhe". Bem pelo contrário. Mas o excessivo despesismo do nosso Estado nos últimos anos também não um "detalhe". Foi uma tendência. E uma tendência que nos conduziu à lamentável situação actual.
E a prová-lo está até a recente proposta do Bloco que propõe reduções nas "despesas inúteis, supérfluas e que se prendem com a manutenção de privilégios insustentáveis". Por outras palavras, até o insuspeito Bloco de Esquerda propõe cortes no excessivo despesismo do Estado. E se o Bloco de Esquerda o afirma, como é que um economista neoliberal pode duvidar?