14 junho 2009

CRISE E BANCOS CENTRAIS

Perguntas de Luís Leitão, jornalista do jornal Expansão de Angola, sobre o papel dos bancos centrais na crise financeira internacional
A crise financeira que assola as economias há mais de um ano trouxe para a ribalta os bancos centrais, que se pautaram por políticas de forte intervencionismo pela via da injecção de moeda na economia, da redução das taxas de juro e até a nacionalização de bancos. Apesar de, certa maneira, todos os Bancos Centrais terem seguido estas políticas, quais são as diferenças que podemos encontrar no “meios operandis” do BCE, Fed, Banco do Japão e Banco de Inglaterra no combate à crise?
A Fed e o Banco da Inglaterra foram muito mais activos e tiveram uma intervenção mais contundente nos primeiros meses da crise, enquanto o BCE foi mais prudente. Em parte, esta diferença justifica-se com os próprios mandatos de cada um dos bancos. A FEd e o Banco de Inglaterra têm por mandato a estabilidade de preços, mas também o estímulo da economia, enquanto o BCE só tem por mandato a estabilidade de preços. Penso que essa foi uma das razões que levaram o BCE a demorar um pouco mais a baixar os juros do que os seus congéneres nos outros países mais desenvolvidos.
No entanto, vale a pena assinalar que desde meados de 2008 que os bancos centrais da OCDE cooperaram entre si para aumentar a quantidade de fundos na economia mundial. A crise do subprime levou a uma grande contracção da oferta de crédito e, por isso, os vários bancos centrais actuaram aumentando os fundos existentes.
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Se até há pouco tempo quase toda a gente falava na privatização dos bancos públicos, hoje são poucas as vozes que se levantam para defender esta ideia. Afinal, qual é o papel dos bancos de capitais públicos no meio desta crise? Funcionam um pouco como “a mão invisível” de governos e Bancos Centrais como forma de garantir a tão desejada “estabilidade” económica ou são mais que isso?
A crise financeira internacional veio demonstrar que manter um banco público pode ser útil, principalmente para países com um menor nível de desenvolvimento (e que, assim, estão sujeitos a maior volatilidade). O banco público pode ser utilizado em períodos de maior instabilidade como um garante de estabilidade financeira. Isto é, nestes casos, o banco público pode ser uma autêntica âncora estabilizadora do sistema financeiro. Um banco público pode igualmente servir de suporte ao próprio desenvolvimento económico, ao ser o financiador de projectos de importância estratégica e ao aparecimento de novas empresas. Mas, nem tudo são rosas. Se o banco público não mantiver uma certa independência na sua gestão, há sempre o risco de instrumentalizar em demasia a sua actividade. Por outro lado, é também importante realçar que a nacionalização de bancos privados nos países mais ricos é meramente temporária, até que estes bancos recuperam da crise dos últimos meses.

É conhecida a crispação entre Greenspan e o presidente norte-americano George W. Bush durante o seu mandato, chegando este a utilizar o seu discurso sobre o estado da união em 1991 para mostrar o seu descontentamento do papel da Fed ao dizer que "Temos observado demasiado pessimismo". Qual é a importância dos Bancos Centrais estarem forem da alçada do governo, de serem verdadeiramente independentes? É da máxima importância que isso suceda para o bem da economia ou ambas as organizações (Governo e Banco Centrais) podem/devem estar directamente ligadas?
É muito importante. Vários estudos demonstram que a taxa de inflação média é mais baixa nos países com bancos centrais independentes e que a estabilidade macroeconómica é maior. Para além do mais, quando os bancos centrais não são independentes, há sempre a tentação de um governo pedir ao banco central para estimular a economia antes de uma eleição, por forma a ganhá-la. O banco central pode fazê-lo quer baixando as taxas de juros, quer aumentando a quantidade de dinheiro na economia. Se tudo correr como esperado, a economia cresce, a inflação sobe e o desemprego diminui antes da eleição. Depois de ganhar as eleições, o governo e o banco central são forçados a re-estabilizar a economia e a controlar a inflação, o que irá fazer com que o crescimento económico baixe e o desemprego suba. O processo termina com uma situação semelhante à inicial, mas com maior inflação. Isto é, a situação macroeconómica deteriora-se. Por outras palavras, quando os bancos centrais não são independentes do poder político há sempre a tentação de criar ciclos económicos políticos que somente aumentam a instabilidade económica.
Um exemplo ainda mais dramático da ausência de independência dos bancos centrais é-nos dado pelo Zimbabwe, que viveu recentemente uma das maiores hiperinflações da história mundial. Se o banco central zimbabueano fosse independente do poder político é muito provável que o país não teria sido sujeito à tragédia económica e social dos últimos meses.

2 comentários:

Heimdall disse...

Já teve a oportunidade de ver o documentário "Zeitgeist"?

Gostava de saber a sua opinião sobre ele. O documentário tem quase 2horas de duração e fala sobre várias coisas, incluindo os bancos centrais.

Deixo aqui um vídeo de parte desse documentário onde falam sobre os bancos centrais:

http://www.youtube.com/watch?v=X1eKboPBVyc

antonio disse...

Caro Álvaro

A crise finanaceira foi o rebentar de uma enorme bolha especulativa no mundo do capital.

Para fazer face a esta crise houve abordagens diferentes dos diversos bancos centrais. Umas mais arrojadas e outras mais conservadoras. Estamos ainda demasiado perto dos acontecimentos para nos apercebermos se houve intervenções melhores e outras piores. Não sabemos sequer qual vai ser a evolução nos próximos anos. Não sabemos se esta crise tem um comportamento em L, em U, em V ou em W. Há ainda quem admita a hipotese de que as engenharias financeiras que se andam a praticar para procurar estabilizar e dar confiança aos mercados financeiros possa criar uma bolha bem pior do que a que aconteceu no outono passado.

Mas ninguem parece estar interessado em falar no essencial.
É que a bolha só aconteceu porque a economia já andava a patinar há muito e o mundo financeiroteve de entrar em jogadas muito arriscadas para manter os seus niveis de lucro. O subprime não é mais do que isso.

Era bom que se falasse mais das causas (do estado da economia) e menos nas consequências (a crise financeira).

Quer-me parecer que quer os politicos quer os economistas não têm coragem de pôr o dedo na ferida. È que muitas vezes a verdade é inconveniente e dolorosa.

Quantos politicos da área do poder têm coragem de admitir que o mundo ocidental está claramente a perder contra o mundo ocidental e economias emergentes? Quantos sindicalistas ocidentais têm a coragem de admitir que os direitos dos trabalhadores têm de andar para trás 50 anos, talvez 100anos? Como é possivel cocorrer com as ditas economias se são os próprios trabalhadores europeus (enquanto consumidores) e as empresas europeias (ainda ontem foi anunciada a contrução do 1º airbus chinês)a dar preferência aos mercados asiáticos?

Vocês os economistas têm de deixar de ser politicos e falar verdade. Da mesma maneira que uma médica tem de ter a coragem de dizer à sua doente que tem um cancro da mama e que o seu peito tem de ser amputado.

Faslar da crise financeira só por falar é apenas um passatempo.
Não leva a lado nenhum.

Um abraço,

Antonio