23 janeiro 2009

A CRISE E A DÍVIDA

O meu artigo do PUBLICO de hoje:

A CRISE E O SOBREENDIVIDAMENTO NACIONAL
Uma das tendências menos salutares da economia portuguesa tem sido a acentuada subida do endividamento nacional. Assim, enquanto, em 1990, a taxa de endividamento em relação ao rendimento disponível rondava os 18%, em 2007, este valor tinha subido para quase uns astronómicos 130%. Não restam dúvidas que o endividamento nacional foi um dos efeitos perversos da nossa adesão ao euro e da descida das taxas de juros que lhe esteve associada, que levaram muitas famílias e empresas a endividarem-se para níveis nunca dantes vistos. Para agravar a situação, no final dos anos 1990, o nosso Estado paternalista aumentou desmesuradamente as despesas públicas, o que levou a uma correspondente subida do endividamento.
Como é que financiámos este endividamento? Através do recurso a empréstimos que terão que ser pagos pelas gerações futuras, e através de um maior endividamento externo. Actualmente, o nível do endividamento externo bruto já ultrapassa os 200% do PIB nacional, um valor que nos coloca no top 20 dos países mais endividados do mundo. A situação só não é mais grave, porque já não temos o escudo e a nossa dívida externa está em euros.
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Mesmo assim, o elevado endividamento nacional poderá ser bastante nefasto no contexto da crise internacional. Em particular, enfrentamos um dilema de difícil resolução. Por um lado, num ano que se adivinha difícil, um dos motores da retoma económica passaria por estimular a procura interna. Porém, incentivar o consumo penaliza a poupança e poderá agravar a situação de endividamento já existente. Por outro lado, apostar em projectos de investimento que necessitam de financiamento externo (como o TGV) irá exacerbar ainda mais a dívida externa. O endividamento nacional deixa-nos, por isso, um pouco de mãos atadas.
É certo que a recente descida das taxas de juros irá aliviar os encargos financeiros de muitas famílias portuguesas. Porém, se situação económica se agravar significativamente, a descida dos juros não será suficiente para travar uma possível onda de incumprimentos no pagamento das dívidas. Não adianta muito poupar na prestação da casa se o emprego faltar. Por isso, internamente, o sobreendividamento das famílias portuguesas tem uma consequência imediata: a saída da crise certamente não acontecerá impulsionada pelo consumo.
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O endividamento nacional é ainda mais preocupante se nos lembramos de que uma das consequências da crise financeira internacional tem sido a contracção do crédito. Deste modo, é provável que os credores internacionais restrinjam o crédito às instituições financeiras nacionais e/ou exijam mais contrapartidas na concessão de novos créditos. Ou seja, nos tempos mais próximos, teremos menos crédito à nossa disposição e, ainda por cima, mais caro. Menos crédito implica menos investimento e, por consequência, menor crescimento económico. Isto é, o endividamento nacional tem efeitos concretos para a economia portuguesa.
Para além do reescalonamento das dívidas, como é que podemos minorar esta situação? Promovendo a poupança nacional e canalizando-a tanto para o investimento produtivo, como para o pagamento das dívidas. Neste sentido, em vez de pensar em gastar mais, o Estado devia dar o exemplo, ao conceder benefícios fiscais à poupança e ao investimento. Em vez de investir em projectos megalómanos, o Estado devia concentrar-se em ajudar as famílias em dificuldades, bem como em auxiliar a competitividade fiscal das empresas. Acima de tudo, o Estado devia compreender que continuar a apostar numa política de betão sem sentido é não só contraproducente, como também agravará ainda mais o grave problema do endividamento nacional.

21 janeiro 2009

AS PRIORIDADES ECONÓMICAS DE OBAMA

Acabada a festa, hoje começa o trabalho para Obama e a sua equipa. Um trabalho que não se augura nada fácil. Debati as prioridades económicas de Obama numa entrevista à edição online do Expresso e da EXAME. Aqui está um excerto:
Quais são as prioridades na área económica da administração Obama?
ASP- As prioridades serão, certamente, estancar a crise financeira e combater a recessão. Apesar dos mercados estarem mais calmos, as repercussões da crise ainda se fazem sentir, de modo que, nos próximos meses, a Reserva Federal e a nova Administração terão de continuar a dar especial atenção ao sistema financeiro. Para tal, a segunda tranche do plano de resgate será utilizada brevemente.
Porém, a partir de hoje, a prioridade das prioridades será dada ao combate à crise económica. Nos próximos meses, nada dominará as atenções dos americanos como a recuperação económica e a luta contra a crise actual (a não ser que, claro, aconteça qualquer cataclismo inesperado).
Uma terceira prioridade, de longo prazo, será a luta contra as alterações climáticas, tornando mais "verde" a economia norte-americana.
O resto da entrevista está aqui. O artigo relacionado, da autoria de Sónia Lourenço, está aqui.

FOI BONITA A FESTA, PÁ (2)





A festa de inauguração vista no Quénia, no Iraque, e em Moscovo. (fotos do NYT)

FOI BONITA A FESTA, PÁ






Fotos da inauguração de Obama (retiradas daqui e daqui).

20 janeiro 2009

É HOJE


O mundo será mais bonito a partir de hoje. A história de Obama é extraordinária e faz-nos acreditar num futuro melhor. Obama poderá não conseguir "mudar" o mundo, mas que o mundo está mais bonito está.

17 janeiro 2009

FERREIRA LEITE E TGV

Manuela Ferreira Leite parece finalmente mais sintonizada com a realidade nacional. Na sua mais recente entrevista à RTP, a líder do PSD revelou que irá riscar o TGV se for eleita primeira-ministra. Faz muito bem. O TGV é o nosso maior erro financeiro e estratégico das últimas décadas. Revelou ainda que não leu os estudos custo-benefício do TGV. Devia ler, pois aprenderia muito sobre o projecto. A alternativa é ler o meu próximo livro, onde estas questões são extensamente debatidas...

NOTAS DE TRILIÕES

O Zimbabwe de Mugabe introduziu mais uma originalidade: notas de triliões de dólares do Zimbabwe. Ou um milhão de milhão se preferirem. Ou 1,000,000,000,000. A partir desta semana serão emitidas notas de 10 triliões de dólares, de 50 triliões e de 100 triliões. Quanto é que valem? Neste momento, e dando o desconto de que a taxa de câmbio oficial é bastante favorável em relação ao mercado negro, 10 triliões de dólares valem cerca de 20 euros.
Vale a pena ainda lembrar que as notas de 100 biliões de dólares foram introduzidas apenas na semana passada. Como a inflação já está acima dos 250 milhões de por cento por ano, é natural que o regime de Mugabe continue a aumentar o número de zeros nas notas, para mais tarde fazer correcções monetárias cortando 6 ou 7 zeros, para ainda mais tarde voltar a introduzir ainda mais notas de biliões e de triliões, para para para...
O processo irá continuar até alguém decidir que é chegada a hora de acabar com a emissão desmesurada de moeda. É provável que Mugabe não o faça. Pelo menos tão cedo. Até lá o Zimbabwe de certo entrará para o Guiness Book por ser a nação com o maior número de bilionários à face da Terra. É pena que sejam bilionários, mas com fome...

15 janeiro 2009

MAIS CRISE NA CHINA

E ainda mais indícios que a economia chinesa começa a estar bastante afectada pela crise internacional. Ontem soube-se que o défice externo americano de Novembro foi o mais baixo dos últimos 12 anos. Porquê? Porque as importações americanas baixaram drasticamente por causa da crise. Como o consumo baixou muito, a economia importa menos e o défice externo fica mais reduzido.
Deste modo, há menos procura externa por parte dos americanos, o que tem enormes reflexos nas restantes economias, incluindo a China. Há já até quem diga que a China poderá ser uma das economias mais atingidas pela crise internacional.

ECONOMIA AMERICANA


O Fonseca manda-nos o link para este cartoon bem pertinente sobre a economia americana.

JUROS ZERO (2)

Ainda a propósito do post sobre os juros zero nos EUA, gostaria de agradecer os comentários. O DeKuip tem toda a razão. São 0,75 pontos percentuais e não 75 pontos percentuais. Obrigado, já emendei o post.
OAlfred the Pug contesta a existência da armadilha da liquide e diz:"A Fed ainda pode utilizar a política monetária através da compra e venda de Treasury Bills, papel comercial, etc. Aliás, muitas destas ferramentas foram propostas por Bernanke há uns anos atrás antes de ele ser Chairman of the Federal Reserve e muitas delas já foram utilizadas."
Sem dúvida. Ainda há margem de manobra. O problema é quehá o risco da política monetária não ser mais eficaz se a liquidez adicional oferecida aos bancos não for utilizada. É em parte o que está acontecer, pois os bancos continuam muito relutantes em conceder crédito. No fundo, o que eu queria alertar nesse post era a possibilidade debatida por Paul Krugman de que a economia americana poderá estar a chegar a um ponto em que a politica monetária já não é eficaz para estimular a economia.

CONTESTAÇÃO EM ISRAEL

Segundo o New York Times, alguns grupos de defesa dos direitos humanos israelitas pedem a realização de um inquérito sobre a invasão de Gaza. Estes grupos não contestam a necessidade de Israel se defender dos "rockets" palestinianos. O que contestam são os métodos utilizados pelo exército israelita. Independentemente da nossa opinião pessoal sobre este assunto tão politizado, é importante que haja o mínimo de isenção (e bom senso) quando se analisa este assunto. Isenção que quase nunca existe. De parte a parte. E é por isso que esta tomada de posições por parte deste grupos é tão significativa.
Aliás, é interessante observar que quando se fala deste conflito, nem mesmo os meios académicos escapam à tentação de politizar o assunto. Habitualmente, muitos académicos preferem manter-se alheios às ideologias reinantes. Porém, quando toca ao conflito Israel-Palestina, a isenção é quase sempre um bem muito escasso. É uma pena, porque frequentemente as informações que nos chegam (dos dois lados) são tudo menos isentas.

O LEGADO DE BUSH


Já falta menos de uma semana para os Estados Unidos e o mundo se livrarem de George Bush. Os americanos já debatem o legado de Bush. Quanto a mim, se há uma palavra que o define é: desastre. Desastre para a América. Desastre para a imagem e o estatuto dos Estados Unidos no mundo. Desastre para o Ocidente. Desastre para o Médio Oriente. Desastre com Katrina. Desastre com uma guerra iniciada à custa da mentira. Desastre com os direitos humanos. Desastre total com a economia.
Para quem não gostar da palavra desastre, então uma alternativa seria: incompetência. Incompetência pura e simples. Incompetência gritante. Incompetência descarada. Incompetência na gestão da guerra. Incompetência na gestão dos desastres naturais. Incompetência total na gestão da economia. Uma incompetência desastrosa.
Bush vai-se embora a 2 de Janeiro. Ainda bem. Só é pena já ir tarde.

13 janeiro 2009

EURO MENOS UM?

Durante a crise financeira, o euro foi várias vezes elogiado por ser uma âncora de estabilidade e como uma moeda de reserva internacional. Países como a Islândia e até a Dinamarca reiniciaram a discussão sobre uma hipotética adesão ao euro, por forma a evitar a instabilidade que as respectivas moedas sofreram durante a crise. Ou seja, boas notícias para a moeda única.
Porém, agora que as coisas estabilizaram um pouco, começaram a surgir indícios que, afinal, a saúde da Eurolândia não é assim tão recomendável. Há países, como Portugal, a Espanha, a Irlanda e a Grécia, onde a contracção do crédito tem sido bastante acentuada. Estes problemas foram ainda mais exacerbados pelo sobreendividamento do Estado e das famílias), o que tem reduzido consideravelmente a disponibilidade de crédito nestes países. Os níveis de endividamento são tais que, quando os bancos desses países se tentam financiar no estrangeiro, não conseguem ou só o alcançam com condições menos favoráveis. (No fundo, tudo se passa como quando um indivíduo acumula demasiada dívida em cartões de crédito, em prestações, etc. Se quiser obter mais crédito ou refinanciar a dívida, terá que enfrentar condições mais severas, inclusivamente juros mais elevados).
Por isso, quando os Estados respectivos se tentam financiar através da emissão de obrigações da dívida pública, vêem-se obrigados a aumentar o retorno dessas obrigações (com juros mais altos) para tentar aliciar possíveis investidores.
Conclusão? Nas últimas semanas, o diferencial entre as principais obrigações alemãs e as obrigações espanholas, as gregas, as irlandesas, e as portuguesas, já aumentou 4 vezes desde meados de 2008, um nível que ainda não tinha sido visto desde a criação do euro.
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Qual é o problema? O diferencial entre as diversas obrigações nacionais são de tal modo elevadas que há já quem ponha em causa a coesão da moeda única, de maneira que há já quem aposte que um dos países "periféricos" irá ser forçado a abandonar o euro até 2010. Sinceramente, não acredito que tal aconteça, pois os países da Eurolândia sabem que as consequências para a estabilidade da moeda única seriam bastante negativas. Porém, vale a pena pensar sobre o assunto e perceber as razões que nos levaram a chegar a este ponto.
Se quiser saber mais, vale a pena ver este video do Financial Times.

12 janeiro 2009

OS PREÇOS DE MUGABE

Algumas imagens da inflação no Zimbabwe (imagens retiradas daqui). Em Dezembro, a inflação no país de Mugabe já ultrapassava 231 milhões de por cento ao ano...







A DIMENSÃO DOS EUA

Um mapa que mostra a equivalência do PIB dos estados americanos com o PIB de outros países. A produção total de Portugal equivale à do pobre estado da Lousiana.
Mapa retirado daqui.

A CRISE E A CHINA

Há cada vez mais indícios que a China não está incólume à crise internacional. Como a procura externa diminuiu significativamente, milhares de fábricas chinesas já fecharam as portas, lançando dezenas de milhares de trabalhadores para o desemprego ou de volta para as suas aldeias e vilas. Agora, surgem cada vez mais notícias que os investidores estrangeiros estão a vender bens e activos na China por forma a aumentarem a sua liqudez nos seus países de origem.

DE VOLTA

Após um longo interregno, motivado pelo período festivo e pela revisão do novo livro, o Desmitos está de volta. Peço desculpa pelo silêncio, mas não me foi possível escrever anteri.ormente. Foi por um bom motivo (assim espero...). Nos próximos dias o Desmitos regressa à sua frequência diária e os comentários enviados serão respondidos devidamente.
Gostaria de agradecer todos os votos de bom Natal e de Ano Novo. Gostaria igualmente de desejar um óptimo 2009 a todos. Curiosamente, a mensagem que recebi mais frequência de amigos economistas foi "esperemos que os economistas estejam enganados sobre 2009". Esperemos que sim. É provável que não, mas esperemos que sim.