30 abril 2011

COMBATE DE BLOGS

Hoje à noite estarei no "Combate de Blogs", à conversa com o Miguel Morgado, o Filipe Caetano e o Nuno Ramos de Almeida. O programa começa às 0:20, na TVI24.

PACOTE DE AJUSTAMENTO DA "TROIKA"

O Sol pediu-me para pensar num pacote de ajustamento da economia portuguesa que poderia ser introduzido pela "troika". Aqui está a minha resposta:

Se atentarmos para a evolução da economia portuguesa numa perspectiva longo prazo, não é difícil concluir que a crise nacional é a maior desde os finais do século XIX, quando Portugal se viu forçado a declarar bancarrota em 1892. No entanto, contrariamente ao que às vezes se defende, é completamente errado atribuir as causas do mal-estar português exclusivamente à crise financeira internacional. A verdade é que crise portuguesa é bem mais antiga, visto que as origens dos desequilíbrios da economia nacional começaram a fazer-se sentir em meados dos anos 90. É isso que podemos ver no Gráfico 1, que apresenta a evolução da dívida externa líquida em percentagem do PIB. (A dívida externa líquida é igual à diferença entre as dívidas de Portugal e as dívidas que os outros países têm face à economia portuguesa).

Gráfico 1 _ Dívida externa líquida em percentagem do PIB, 1990-2010

Fonte: Banco de Portugal
(Nota: Relembre-se também, e como aqui já expliquei, que a aparente diminuição da dívida externa líquida no último ano se deveu apenas a critérios contabilíticos relacionado com venda de activos)
Actualmente, a dívida externa líquida de Portugal já ronda os 110% do PIB (era somente 10% do PIB em 1995), e a dívida externa total já ultrapassou os 230% do PIB. Estes valores são os mais altos dos últimos 120 anos.
Todos estes desequilíbrios aumentaram a vulnerabilidade da economia portuguesa a choques externos. E foi assim que a crise internacional deteriorou ainda mais a situação económica, pois, ainda por cima, as autoridades portuguesas deixaram a situação orçamental ficar fora de controlo. Em 2009 e 2010, o défice orçamental atingiu níveis sem precedentes, o que fez disparar a dívida pública portuguesa para os valores históricos. Actualmente, a dívida pública de Portugal já é a maior dos últimos 160 anos (Gráfico 2).

Gráfico 2 _ Dívida Pública em percentagem do PIB, 1850-2011
Fonte: Mata e Valério (1992), AMECO

Assim, não restam dúvidas que Portugal enfrenta hoje três grandes crises: uma crise de finanças públicas, uma crise de endividamento, e uma crise de competitividade (e de produtividade). Neste sentido, um programa de ajustamento e de recuperação da economia portuguesa deve incluir três grandes vertentes:

a) A consolidação das contas públicas
b) Um combate ao excessivo endividamento nacional
c) O fomento à competitividade das exportações portuguesas

Vejamos então as principais características de cada um destas vertentes.


Como vencer a crise portuguesa

Vários relatórios internacionais demonstram que as contas públicas portuguesas são pouco transparentes. Para além do mais, e de acordo com o Tribunal de Contas, nos últimos anos registaram-se inúmeras desorçamentações de despesas, bem como o recurso intensivo a parcerias público-privadas (PPPs), nas quais o Estado constrói obra pública mas paga a crédito nos 30 ou 40 anos seguintes. De acordo com as estimativas mais recentes, as dívidas com as PPPs e concessões já assumidas totalizam cerca de 60 mil milhões de euros, ou mais de 35% do PIB português. Lamentavelmente, estas despesas não entram nas contas actuais da dívida pública, mas os governos futuros terão de cortar despesas e/ou aumentar impostos em cerca de 2,5 mil milhões de euros todos os anos para poder pagar estas PPPs e concessões.
 
Há ainda muita dívida que não está devidamente contabilizada como dívida directa do Estado, incluindo as dívidas das empresas públicas (cerca de 25% do PIB), bem como muitas das dívidas das autarquias, empresas municipais, as PPPs dos municípios, e dívidas indirectas dos governos regionais. Para remediar esta situação, o primeiro passo a dar no sentido de uma alcançar uma verdadeira consolidação orçamental é efectuar uma auditoria exaustiva das contas de todos as Administrações Públicas, de todas as empresas públicas e de todas as PPPs e concessões. 
Após a auditoria estar concluída, um programa de ajustamento deve incidir principalmente no lado da despesa do Estado e não através de um programa de austeridade cego, assim como foi feito na Grécia e na Irlanda. E do lado das despesas há muito por onde cortar. Entre outras, um programa de ajustamento macroeconómico poderia incluir as seguintes medidas:
_ redução de 10% de todas as aquisições de bens e serviços do Estado (os chamados consumos intermédios).
_ redução entre 10% e 15% das despesas de todas as entidades e organismos públicos não ligados à Saúde e à Educação.
_ fusão, extinção e redução de 33% a 50% de todas as entidades e organismos públicas
_ grande reforma administrativa, que conduza a uma diminuição do número de municípios e de freguesias
_ extinção dos governos civis
_ redução de 20% de todos os encargos gerais do Estado (governo, a presidência da República, a Assembleia da República, o Tribunal de Contas, etc.).
_ cortes significativos dos apoios e créditos fiscais às fundações.

Todavia, estas reduções poderão não ser suficientes. Assim, se a situação das contas públicas encontrada pela auditoria das contas públicas for pior do que o anunciado, não será de todo surpreendente se a troika tentar impor um novo agravamento fiscal, um corte adicional dos salários em 10% (esperemos que não), bem como um corte de 10% das pensões superiores a 1000 euros mensais. O pagamento do subsídio de Natal em certificados do Tesouro também não é descartar.
 
A troika irá igualmente estar muito atenta ao excessivo endividamento da economia portuguesa. É importante perceber que o endividamento não se resume só ao Estado, pois as famílias e as empresas também estão muito endividadas. Mais concretamente, o endividamento total das empresas não financeiras e das famílias totaliza mais de 250% do PIB nacional.  
Como há inúmeros estudos que demonstram que elevados níveis de endividamento têm um efeito muito nefasto sobre o crescimento económico, a redução das dívidas das famílias, das empresas e do Estado é um verdadeiro imperativo para os próximos anos. Para que tal seja possível, é fundamental que haja uma fomento da poupança nacional e é necessário efectuar uma redução do défice externo da economia portuguesa.

Para estimular a poupança, é preciso criar mais mecanismos de incentivo ao aforro e que penalizem o consumo. Por sua vez, a diminuição do défice externo português poderá ser alcançada com a introdução de medidas que promovam a competitividade da economia portuguesa e que induzam a uma diminuição das importações. Medidas destinadas a melhorar a competitividade da economia nacional deviam incluir:
i) aposta na melhoria da qualidade da Educação através de uma maior descentralização do sector
ii) reforma da Justiça, apostando em mecanismos extra-judiciais para diminuir os casos pendentes.
iii) Reforma do mercado de trabalho, flexibilizando a legislação laboral, que é uma das mais rígidas da OCDE e é a principal fonte da elevada precariedade do emprego em Portugal
iv) Desvalorização fiscal, em que a taxa social única paga pelos empregadores é reduzida de 23,75% para 8,75% em contrapartida de um aumento dos impostos ao consumo e de uma descida das despesas públicas. Esta desvalorização fiscal é equivalente a uma desvalorização cambial e, por isso, é essencial para revigorar a competitividade da economia portuguesa
v) Mais concorrência e menos proteccionismo dos sectores não expostos à concorrência internacional
vi) incentivos e créditos fiscais para as empresas inovadoras e para o sector exportador
vii) incentivos e créditos fiscais destinados a incentivar o empreendedorismo nacional

Em suma, um pacote de ajustamento da economia portuguesa devia incluir não só medidas que permitam alcançar uma maior transparência das contas públicas e uma verdadeira consolidação orçamental, mas também um pacote de políticas que fomentem uma maior competitividade das exportações nacionais e que promovam o retomar do crescimento económico nacional. Só assim será possível sair da crise e só assim é que poderemos combater eficazmente os níveis históricos de desemprego e da emigração actuais.

29 abril 2011

ENTREVISTA AO DN

Aqui está a minha entrevista de ontem ao Diário de Notícias:

DN. Que conselho daria aos responsáveis da troika que estão em Portugal?  
Para além de uma auditoria exaustiva das contas públicas nacionais, é importante que a austeridade seja acompanhada por medidas que fomentem a competitividade e o crescimento económico. A razão é simples: a economia portuguesa já está em crise há cerca de uma década. E é por causa dessa crise que temos a maior taxa de desemprego dos últimos 90 anos e a segunda maior vaga emigratória dos últimos 160 anos. Por isso, a austeridade não pode ser cega e deve promover a retoma do crescimento económico. A austeridade a impor deve igualmente ser concentrada no Estado e não nas empresas e nas famílias, que já têm sido muito sacrificadas com as políticas erradas e irresponsáveis dos últimos anos.

2. No Canadá, país onde vive, também "há esqueletos no armário" do Estado?

Quando há, são logo descobertos, pois os mecanismos de fiscalização das eventuais irregularidades são muito apertados. Em Portugal só há “esqueletos no armário” porque as nossas contas públicas são pouco transparentes e os mecanismos de fiscalização não funcionam adequadamente.

3. Porque é que o seu livro se intitula "Portugal na hora da verdade»?

Porque Portugal vive actualmente a sua maior crise desde 1892, quando fomos forçados a declarar bancarrota. E porque se não invertermos rápida e radicalmente as más políticas dos últimos anos, iremos declinar nas próximas décadas. Esta é a hora da verdade, porque cabe-nos escolher entre reformar (a sério) e declinar.

4. O pedido de ajuda ao FMI e à Europa chegou tarde?
 
Claro que sim. Desde Setembro que os principais analistas internacionais consideravam que um regaste português era inevitável. Atrasar o inevitável teve custos enormes para o nosso país. A verdade é que só houve uma razão que justifica o atraso no pedido de ajuda: o governo queria manter-se no poder a todo o custo, mesmo que para isso tivesse de arrastar o país para uma situação em que alguns bancos quase faliram e em que nos vimos forçados a pagar centenas de milhões de euros de juros a mais para financiar as dívidas do Estado.

5. Qual é a primeira medida que aconselha ao próximo Primeiro-Ministro?
 
A primeira medida do próximo governo devia ser a introdução de um grande pacote de transparência e anti-corrupção. É vital que o próximo governo não seja mais do mesmo do que temos tido nos últimos anos. É preciso acabar com as suspeições de compadrio e de favoritismo político que minam a nossa democracia e a nossa vida pública. A melhor maneira de o fazer é começar o mandato com um grande pacote de medidas que mostrem inequivocamente que o próximo governo vai pôr o interesse nacional acima dos interesses partidários.

28 abril 2011

"PORTUGAL NA HORA DA VERDADE" NO DN

O Diário de Notícias faz hoje a pré-publicação do "Portugal na Hora da Verdade". O livro é posto à venda amanhã.

LANÇAMENTO OFICIAL

O lançamento oficial do "Portugal na Hora da Verdade" será no dia 3 no restaurante do El Corte Inglés às 18h. 
A apresentação será feita pelo Eduardo Catroga, pelo Vítor Bento, pelo Alexandre Patrício Gouveia e pelo Carlos Moedas.
Estão todos(as) convidados(as).

FEIRA DO LIVRO

 Este sábado estarei na Feira do Livro de Lisboa a partir das 18h30 no stand da Gradiva.

"HORA DA VERDADE NO ICS"

No dia 5 às 17h irei apresentar o meu novo livro no Instituto de Ciências Sociais.

"PORTUGAL NA HORA DA VERDADE" EM COIMBRA

No próxima segunda-feira, dia 2, às 10h irei apresentar o "Portugal na Hora da Verdade" na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

27 abril 2011

EXCERTO DE "PORTUGAL NA HORA DA VERDADE"


A pedido de vários leitores do Desmitos, aqui está um excerto do Capítulo 1 do meu novo livro:
"... Como é que foi possível? Como chegámos aqui? Como passámos de um dos maiores casos de sucesso do pós-Segunda Guerra Mundial para um exemplo que todos querem evitar? Como passámos de propalado «bom aluno» da União Europeia para modelo que ninguém quer emular? Como foi possível desbaratar um capital político e económico tão precioso? Que tipo de políticas e condições económicas gerou este estado de coisas? Como foi possível endividarmo-nos desta maneira? Como foi possível que as nossas exportações tivessem perdido tanta competitividade? Ainda mais importante, hoje questionamo-nos: Como vamos sair desta situação? Como é que a política económica e as políticas públicas podem ser alteradas de forma que nos ajudem a relançar o crescimento económico e a retomar o sucesso de outrora? Como podemos acabar com o flagelo do desemprego que assola centenas de milhares de portugueses? Como podemos inverter os preocupantes fluxos emigratórios dos últimos anos? Como podemos melhorar a competitividade das nossas empresas exportadoras? Como diminuir a nossa pesadíssima dívida externa? Como podemos atenuar o fantasma da corrupção e do compadrio, que parece estar presente em tantos sectores da nossa sociedade? Como reformar o Estado? Como podemos inverter o crescimento paulatino das desigualdades sociais? Estas são algumas das questões em debate nos próximos capítulos.
Mais concretamente, nas páginas que se seguem tentaremos não só diagnosticar a situação económica actual o melhor possível, mas também apresentar soluções concretas para os problemas económicos nacionais. Como veremos, uma das teses principais deste livro é que o mal-estar actual se deve, em grande parte, a políticas erradas e uma visão pouco estratégica do desenvolvimento do país. O impacto das más políticas tem sido de tal modo nefasto e a anemia da economia nacional tem sido de tal forma gritante, que muitos antevêem um declínio mais que certo nas próximas décadas. Por todos estes motivos, é absolutamente imperioso perceber o que está mal em Portugal, para que possamos atacar os problemas com eficácia e determinação. É isso que tentaremos fazer nas próximas páginas.

 
Veremos que Portugal enfrenta actualmente três grandes crises. A maior é a crise do crescimento económico. A economia nacional está debilitada, estagnada, e com vários sectores pouco competitivos. Porque é que chegámos a este ponto e quais são as causas da estagnação económica serão algumas das questões que iremos abordar no capítulo 2, que examina a Grande Recessão portuguesa num contexto histórico e numa perspectiva internacional. Neste capítulo, iremos ainda analisar as principais consequências da estagnação da última década, incluindo o aumento do desemprego, o regresso à emigração, a fuga de cérebros, bem como a recente instabilidade financeira. Por seu turno, o capítulo 4 irá centrar--se sobre a crise da competitividade nacional, tentando entender os factores que estão por detrás de uma alegada falta de dinamismo e de valor acrescentado das nossas exportações.
A segunda crise que enfrentamos é a mais debatida e, possivelmente, a que mais nos preocupa: a crise das finanças públicas. Da esquerda à direita, dos funcionários públicos ao sector privado, dos economistas aos políticos e trabalhadores, o lamentável estado das contas públicas é tema de conversa e de análise incessante. Contudo, apesar de todo o aparato, quantos de nós conhecem verdadeiramente o estado real das finanças nacionais? Será que as coisas estão assim tão mal, que se justifique o ataque especulativo que a nossa dívida pública tem sofrido? Será que precisamos de uma (mais do que) provável ajuda externa? Como o capítulo 3 demonstrará, a situação das contas públicas nacionais é simultaneamente melhor do que os mercados financeiros nos fazem crer e pior do que os nossos governantes apregoam. Também tentaremos perceber os factores que nos levaram a chegar a esta lamentável situação. A terceira crise e, porventura, a mais grave é a crise do endividamento externo. Como veremos no capítulo 5, esta crise poderá ter importantes ramificações no nosso bem-estar futuro. A nossa dívida externa é já a mais elevada dos últimos 120 anos, ou seja, desde quando Portugal foi forçado a declarar uma bancarrota parcial em 1892, e certamente que o endividamento ao exterior será o assunto que dominará as nossas preocupações nos próximos anos. Porém, e como é evidente, todas estas crises estão relacionadas, e os primeiros cinco capítulos explicam como é que estes mecanismos interagem uns com os outros.

Se a primeira parte do livro descreve e analisa as causas das várias crises nacionais, a segunda parte dedica-se à apresentação de propostas concretas para resolvermos estes nossos problemas estruturais. Como veremos, as medidas avançadas não constituem qualquer receita mágica para solucionarmos a crise nacional. Aliás, se há lição a retirar das próximas páginas é que não existe uma só solução, uma só política mágica, para acabarmos com o mal-estar actual. Não há. O que existe é um conjunto de medidas que, se implementado, nos permitirá emergir da crise mais rapidamente e com uma economia fortalecida. Deste modo, o capítulo 6 debate as diferentes políticas públicas que nos poderão permitir atingir o equilíbrio orçamental, um feito que nenhum governo no período democrático alcançou, e diminuir a dívida pública. O capítulo 7 apresenta soluções para melhorarmos a competitividade das nossas exportações, enquanto o capítulo 8 analisa as várias opções que temos para fazer diminuir o endividamento externo. Por sua vez, o capítulo 9 apresenta um conjunto de propostas adicionais destinadas a resolver a crise nacional e a atacar alguns dos nossos desafios futuros, incluindo a acentuada descida da natalidade, a desertificação do interior do país, o regresso da emigração, a baixa taxa de poupança, e a falta de transparência no nosso serviço público.
Porém, antes de analisarmos as causas das diversas crises nacionais e de apresentarmos as medidas que necessitamos de implementar, vale a pena recordar o sucesso nacional das últimas décadas, agora tão esquecido. Porquê? Porque qualquer estratégia de reabilitação nacional tem de ter em linha de conta o tremendo sucesso da economia nacional no último meio século, um sucesso absolutamente notável e com poucos paralelos no mundo. É o que faremos nas próximas páginas, onde iremos igualmente tentar perceber as consequências que poderemos sofrer se insistirmos em prosseguir as más políticas dos últimos anos."
O livro estará disponível a partir desta sexta-feira, dia 29. 

A PRIORIDADE DA EDUCAÇÃO

Um dos temas principais do  meu livro é a questão da Educação. A razão é simples: Os nossos indicadores educativos são de tal modo sofríveis, que não é difícil concluir que este é um dos principais motivos que ajuda a explicar a baixa produtividade nacional e que, deste modo, mais contribui para os nossos problemas de competitividade. Por isso, para além de uma análise dos nossos indicadores, o livro inclui um conjunto de propostas destinadas a reformar o sector educativo, as escolas e o ensino superior. O Ramiro Marques, investigador na área das Ciências da Educaçção e autor do blogue Profblog, já leu as páginas referentes à Educação e já começou a debater algumas das propostas do livro (aqui, aqui, aqui, e principalmente aqui). 

REESTRUTURAÇÃO OU NÃO, EIS A QUESTÃO (14)

Um bom artigo do Wall Street Journal sobre os dilemas de uma eventual reestruturação da dívida de um dos países da Zona Euro. Como o artigo sublinha, não há soluções fáceis e todas as opções têm custos para os países em causa e para a própria Zona Euro. O dilema da reestruturação é bem traduzido no seguinte excerto:
"The earlier a restructuring occurs, the more it will hurt euro-zone banks. But the later it occurs, the more conscious taxpayers in creditor nations will be of giving help to another country. And that will provide a major test of the currency area's cohesiveness."

26 abril 2011

AINDA O MITO DA CRISE INTERNACIONAL

Ainda ontem ouvimos o primeiro ministro afirmar que esta crise é a maior dos últimos 100 anos. Tem razão e é exactamente isso que mostro no segundo capítulo do meu novo livro. Só que, infelizmente, e contrariamente ao que o primeiro ministro afirma, a crise nacional não tem só 3 anos. Como já aqui vimos, os sintomas da Grande Recessão Portuguesa começaram a fazer-se sentir bem antes de 2008. A crise internacional só agravou a crise nacional e apressou os ajustamentos que teriam de ser feitos mais cedo ou mais tarde. Mais uma vez, e para quem ainda tem dúvidas sobre este assunto, aqui vão mais três indicadores comparativos do cenário macroecónómico que vigorava ainda antes de 2008. 
Comecemos pelo crescimento económico médio entre 2000 e 2008. Se atentarmos para o primeiro gráfico, podemos facilmente verificar que, na última década, Portugal registou a segunda mais baixa taxa de crescimento económico de toda a OCDE. Pior que nós só a Itália. O nosso desmpenho económico é especialmente decepcionante se nos lembrarmos que a taxa de crescimento média da OCDE entre 2000 e 2008 foi cerca do dobro das taxas de crescimento portuguesas. Ou seja,em vez de convergirmos com os países mais ricos, na última década temos vindo a afastarmo-nos destes mesmos países.

Fonte: OCDE

Porém, as más notícias não ficam por aqui. Uma das razões que explica o mau desempenho do crescimento da economia portuguesa foi o acumular dos desequilíbrios externos e a perda de competitividade das exportações nacionais. Os nossos problemas de competitividade podem observados no próximo gráfico, que apresenta o saldo médio da balança corrente em percentagem do PIB na OCDE. Como podemos  ver, entre 2000 e 2008, Portugal registou o maior défice médio da balança corrente de toda a OCDE. O nosso défice externo anual foi quase de 10% do PIB durante este período. Grande parte do excessivo endividamento nacional justifica-se exactamente pela existência deste défice.

Balança corrente em percentagem do PIB, 2000-2008

Fonte: OCDE

Finalmente, vale a pena olharmos ainda para a produtividade laboral durante o mesmo período. Aqui as coisas não são tão más, mas, mesmo assim, não são motivo de grande orgulho. Como podemos ver no gráfico abaixo, o crescimento da produtividade laboral portuguesa rondou os 1,2% ao ano, melhor do que a Itália, a Espanha, o Canadá e a Dinamarca, mas bastante inferior à taxa média da OCDE (que foi cerca de 1,6%). Mais significativamente, a nossa taxa de crescimento da produtividade laboral foi muitíssimo mais reduzida do que em todos os países da Europa de Leste, que registaram taxas de crescimento acima dos 3%-4% ao ano. 
Ainda assim, o crescimento da produtividade laboral é-nos bastante favorável, visto que quando atentamos para a produtividade total dos factores (isto é, a produtividade do trabalho e do capital) as comparações são-nos ainda mais desfavoráveis. A verdade é que, entre 2000 e 2008, só a Itália apresentou taxas de crescimento da produtividade total dos factores piores do que as nossas. Por outras palavras, o desempenho da produtividade portuguesa entre 2000 e 2008 foi mesmo muito sofrível e altamente preocupante.

Taxa de crescimento da produtividade laboral, 2000-2008

Fonte: OCDE

Moral da história: é verdade que esta é a maior crise económica do nosso país desde, pelo menos, o final do século XIX. Porém, e contrariamente ao que a propaganda governamental nos quer tentar convencer (com o intuito de desculpabilizar o governo de ter sido o principal responsável pela situação actual), a crise nacional já vem de longe, muito longe. As origens da crise nacional remontam ao final da década de 1990, quando se iniciou a trajectória ascendente do nosso endividamento explosivo, quando a economia portuguesa começou a demonstrar sinais alarmantes de falta de competitividade, e quando os governos insistiram em políticas erradas e num despesismo desmesurado que nos trouxeram ao estado de coisas presente. Por isso, só uma inversão total destas tendências e só o fim destas políticas erradas poderão fazer-nos retomar o sucesso que caracterizou a economia nacional desde o final dos anos 1950.

REESTRUTURAÇÃO OU NÃO, EIS A QUESTÃO (13)

O Diário Económico examina algumas das consequências de uma eventual reestruturação da dívida portuguesa.

ESTADO DA JUSTIÇA

O Nuno Garoupa faz um retrato arrasador dos 6 anos desta governação no sistema judicial. De acordo com Garoupa:
[Nos últimos 6 anos, o que se destaca] "é a ausência de uma reforma bem planificada, pensada e séria da justiça. Estamos mais ou menos onde estávamos em 2005, seis anos completamente perdidos. O mapa judiciário, a tal reorganização judiciária em curso, é absolutamente um nado morto, feito em cima do joelho, sem rigor, modificado ao sabor da corrente, sem fazer aquilo que tem que ser feito (fechar tribunais) agora complicado com os novos tribunais especializados que não resolvem nada e a proliferação de tribunais da relação. Um verdadeiro desastre de seis anos que não se compara com a excelente reforma do mapa judiciário britânico em seis meses ou a reforma da "oficina judicial" espanhola em dois anos. Era só ter feito o mesmo!
Mas temos mais. A completa incapacidade de reformar o Ministério Público, os Conselhor Superiores (não passou da lei orgânica), o CEJ (num indefinição permanente), as estruturas dos tribunais (com medidas pontuais de descongestão que não resolvem nada a médio prazo) e a política criminal (fez-se a lei e pouco mais). A acção executiva chega a 2011 com mais de um milhão de pendências. Um completo fracasso. As reformas do Código Penal e do Código de Processo Penal (e já reformados várias vezes pontualmente desde então) não resolveram nada de significativo. Finalmente as guerras com os operadores judiciários sem nenhuma contrapartida. Pagou-se o custo social das reformas sem haver reformas. Trágico. É difícil compreender os disparates e os gastos de dinheiros públicos que nestes seis anos se fizeram nesta matéria.
"
Resultado de tudo isto? A Justiça continua a ser um dos factores de maior descompetitividade da economia portuguesa. 
Para quem estiver interessado, o resto do artigo pode ser lido aqui.

25 abril 2011

LISTAS DOS ORGANISMOS DO ESTADO

Nos próximos dias, e a propósito do lançamento do meu livro, o Desmitos vai sofrer algumas alterações. A principal novidade será a publicação das listas das entidades e dos organismos públicos que existem no nosso país (institutos, direcções-gerais, entidades atípicas, inspecções regionais, etc.). Todos os dias divulgarei uma lista de organismos públicos. Irei igualmente disponibilizar no blogue muitas das séries temporais da economia portuguesa que recolhi ao longo dos últimos meses durante a escrita do livro, para que possam ser utilizadas por outros(as) investigadores(as). 
O "Portugal na Hora da Verdade" estará à venda no site da Gradiva e nas livrarias e hipermercados a partir desta sexta-feira, dia 29.

CONSELHOS FISCAIS

Nos últimos anos, uma das ideias mais interessantes que emergiu do debate da política macroecónomica foram os chamados conselhos fiscais, que são orgãos independentes nomeados pelos governos, pelos parlamentos, ou pelos chefes de Estado, e que têm por missão avaliar o desempenho da política fiscal de um determinado país. Estas entidades elaboram análises detalhadas e isentas da política fiscal e avaliam se os défices orçamentais e as dívidas públicas são sustentáveis. No final de cada semestre ou de cada ano, estas entidades devem apresentar relatórios públicos sobre a política fiscal do respectivo país e sobre a sustentabilidade da dívida do Estado. 
Como é evidente, se nos últimos anos tivessemos tido um conselho fiscal independente a supervisionar as contas públicas nacionais e se esse conselho tivesse denunciado à opinião pública (numa linguagem acessível) o que estava a ser feito ao nível das sucessivas desorçamentações de despesas, das PPPs, e do crescimento explosivo das dívidas das empresas públicas, é muito natural que nunca tivessemos caído na lamentável situação actual. É verdade que o Tribunal de Contas e a UTAO tentaram fazê-lo. No entanto, nunca o conseguiram não só porque os relatórios são frequentamente bastante técnicos, mas também porque não têm a força política e mediática que um conselho fiscal independente poderá alcançar. 
Esperemos que essa situação seja alterada nos próximos anos. Como já aqui defendi, o próximo governo tem a obrigação de apresentar as contas públicas mais transparentes de toda a era democrática, de forma a que o actual clima de suspeição acabe de uma vez por todas e para que as finanças do Estado possam ser novamente credíveis.

A HORA DE REFORMAR

A edição de hoje do El Pais tem um artigo com um título que resume aquilo que precisamos nos próximos anos: "A hora das reformas em Portugal". Nem mais. É reformar a sério ou declinar. É tão simples como isso. Essa é exactamente a mensagem principal do meu novo livro.

24 abril 2011

MAIS UMA REVISÃO DO DÉFICE E DA DÍVIDA

Ao que chegámos. O INE utilizar sábados de Páscoa para anunciar revisões de défices orçamentais. Enfim, palavras para quê? Já tinha aqui referido que esperava novas revisões do défice e da dívida antes do final do ano. No entanto, confesso que esta revisão chegou ainda bem mais cedo do que tinha antecipado.
Ainda assim, o que realmente importa é que, em 2010, a dívida pública já ultrapassou os 160 mil milhões de euros, ou 93% do PIB. Um novo recorde. E, mais uma vez, cai por terra o mito que o ministro das Finanças foi muito bom ou teve um desempenho notável até ao eclodir da crise internacional. A verdade é que a redução dos défices orçamentais em 2006, em 2007 e 2008 só foi alcançada devido às inúmeras desorçamentações utilizadas, à substitutição de grande parte do investimento público por PPPs (que permitem a transferência dos pagamentos do Estado para o futuro), bem como por vários outros artifícios orçamentais. Durante anos, e apesar dos avisos constantes da UTAO e do Tribunal de Contas, andámos a fingir que estas coisas não faziam diferença. Transferiam-se as despesas e os pagamentos para o futuro e os próximos governos e as gerações vindouras que pagassem a factura. Tudo feito sem o mínimo de preocupação com a sustentabilidade das contas públicas ou com o bem-estar dos nossos filhos. Agora, com o pedido de ajuda externa, acabaram todos estes artifícios contabilísticos e  todas as engenharias financeiras que nos permitiam adiar o pagamento das obras feitas pelos governos.
E é exactamente isso que todas estas revisões do défice e da dívida vêm demonstrar: é que nem sempre se deve ou se pode transferir as dívidas das empresas públicas e das PPPs para o futuro sem que existam consequências no presente. E esta é a verdade que o Eurostat, o BCE e o FMI nos têm andado a transmitir com todas estas revisões dos défices e da dívida pública. É tão simples como isso.

A PERCEPÇÃO DOS OUTROS

O título mais recente do Financial Times sobre a situação portuguesa é muito sintomático da percepção que os outros têm de nós. O FT diz que nós "estamos de férias" enquanto as negociações do resgate continuam. Exemplo disso, segundo  jornal, é o inexplicável eleitoralismo da tolerância de ponto concedida pelo governo.
Porém, o FT vai mais longe e avança com as medidas que poderão estar a ser preparadas pela "troika" e que deverão ser anunciadas brevemente. Entre outras, o pacote de medidas poderão incluir novos agravamentos da carga fiscal, novos cortes salariais, e o congelamento de pensões. Liberalizações do mercado de trabalho, do mercado da energia e das rendas também deverão ser incluídas.

23 abril 2011

SAIR DO EURO (3)

O Expresso perguntou a vários economistas as consequências de eventual saída do euro. Aqui estão as minhas respostas:
Expresso- A saída do euro seria a solução para Portugal? Claramente que não. É óbvio que uma saída é sempre uma possibilidade. Porém, nas circunstâncias actuais (em que temos uma economia com um endividamento externo elevadíssimo), um abandono do euro teria consequências catastróficas para o nosso país. Se um dia quisermos sair do euro, é melhor que primeiro diminuamos o endividamento nacional.
Uma saída do euro também não seria a melhor solução para recuperar a competitividade. É certo que temos tido vários problemas nesta área. Porém, e ao contrario ao que às vezes se pensa, o ajustamento ao euro (e a uma moeda forte) já foi feito. A prova disso é que as exportações nacionais têm demonstrado um notável dinamismo nos últimos anos. Por isso, não faz sentido sair do euro nesta altura.

Expresso- Que consequências seriam previsíveis?  

Uma desvalorização de um “novo escudo” na ordem dos 30% ou 40% teria um impacto imediato de fazer subir substancialmente a nossa dívida externa, que é denominada maioritariamente em euros. Como já temos uma dívida externa bruta a rondar os 230% do PIB e uma dívida externa líquida de 110% do PIB, uma saída do euro tornaria a nossa dívida externa completamente insustentável.
É natural que, num tal cenário, houvesse uma grande fuga de capitais, uma grande contracção do crédito, falências de bancos, uma subida acentuada das taxas de juros, e uma enorme contracção económica. Para além destes pesados custos económicos, teríamos ainda de suportar custos políticos elevadíssimos, visto que seríamos certamente ostracizados pelos nossos parceiros europeus. Em suma, uma saída do euro nesta altura seria um erro de proporções colossais.

Expresso- Há risco de implosão da zona euro com este avolumar de países em resgate e aumento dos eleitorados e opinião públicas que estão contra? 

Penso que não e espero que não. Mas nunca se sabe. Preocupa-me muito a subida dos radicalismos e das vozes populistas na Europa. Por isso, há cenários que não deviam acontecer (como a implosão da zona euro), mas que, nestas circunstâncias, podem realmente vir a suceder. No entanto, acho mais provável que se venha a fazer uma reestruturação das dívidas dos países altamente endividados do que ocorrer uma implosão do euro. E até possível que essa reestruturação acabe por acontecer antes de 2013.

Expresso- O que pode vir a acontecer aos resgates em curso? Manter-se-ão como solução, ou terão de se tomar outras medidas?  

Os resgates só servem para ganhar tempo e para que os bancos europeus tenham tempo para se prepararem para eventuais reestruturações de dívida. Porém, penso que a reestruturação das dívidas é inevitável para alguns países. Acontecerá na Grécia certamente, e com grande probabilidade na Irlanda e em Portugal. Se tal acontecer, o importante é saber planear as coisas devidamente e negociar da melhor maneira possível com os credores. Seria igualmente desejável que uma eventual reestruturação fosse acompanhada da implementação de medidas que ajudassem as economias em dificuldades a tornarem-se mais competitivas e mais produtivas (principalmente no caso da Grécia e de Portugal). 

Nota: Os custos e benefícios de uma eventual saída do euro já tinham sido debatidos aqui.  

22 abril 2011

POR UM NOVO SERVIÇO PÚBLICO

Como às vezes se pensa que uma reforma do Estado, tem de ser feita contra os funcionários públicos, aqui está um pequeno excerto do meu novo livro, "Portugal na Hora da Verdade", sobre o assunto:
 
"Nos últimos anos, temos ouvido com bastante frequência um discurso de antagonismo contra os funcionários públicos e a nossa Administração Pública. Para muitos de nós, os funcionários públicos são a fonte de toda a ineficiência, de toda a burocracia, de tudo o que está errado na nossa economia e na nossa sociedade. Para estes(as), a grave crise económica que vivemos actualmente só poderá ser resolvida se um futuro governo lutar contra os privilégios e contra os «direitos adquiridos» da Administração Pública, contra os interesses empedernidos e embrenhados no Estado, contra os próprios funcionários públicos. Porém, será mesmo assim? Serão os funcionários públicos os verdadeiros culpados pelo mal-estar nacional? Claro que não. Como sublinhei ao longo deste livro, há fortes indícios que sugerem que o nosso Estado está a matar a economia nacional. No entanto, isto não quer dizer que os funcionários públicos são os responsáveis por esta situação. Com efeito, nada poderia estar mais errado. Uma verdadeira reforma do Estado que torne as nossas contas públicas saudáveis e sustentáveis não deve ser feita contra os funcionários públicos ou contra o serviço público. Muito pelo contrário. Uma verdadeira reforma da Administração Pública terá de melhorar o serviço público, não piorá-lo. Uma verdadeira reforma da Função Pública terá de aumentar o prestígio do emprego público, não diminuí-lo. Uma verdadeira reforma do Estado terá de incentivar a auto-estima dos funcionários públicos e fazer com que sejam eles(as) próprios(as) a estimular a mudança que a nossa Administração Pública necessita. Finalmente, uma verdadeira e duradoura reforma do nosso Estado não poderá encarar a necessária dieta da Administração Pública como uma mera poupança de euros e de despesa pública, mas sim como uma oportunidade única para melhorar a eficiência do Estado e, assim, para simplificar e auxiliar a vida dos portugueses. É neste sentido que uma reforma da Administração Pública tem de ser feita com os funcionários públicos e não contra eles(as). Porquê? Porque toda e qualquer a reforma que seja contra os funcionários públicos está condenada ao fracasso. E porque, como já disse, os funcionários públicos não são os responsáveis pela situação actual, mas sim os nossos governantes.
... É importante que tenhamos sempre em conta que a Administração Pública é constituída por profissionais muito diferenciados, que vão desde os funcionários das repartições públicas, passam pelos professores das nossas escolas e universidades, pelos militares encarregues da Defesa Nacional e de representarem o país em missões no estrangeiro, pelos polícias e agentes de autoridade que zelam pela manutenção da ordem pública, até aos médicos que nos atendem nas urgências dos hospitais e nos centros de saúde, entre muitos(as) outros(as). Por isso, caracterizar o funcionário público típico como sendo o burocrata fechado às sete portas no seu mundo kafkiano é, no mínimo, uma má representação da realidade da Função Pública.
...
O que também não podemos continuar a fazer é insistir em abrir as portas aos lugares cimeiros da Administração Pública aos detentores de um cartão de militante do partido no poder, fomentando compadrios e clientelismos que beneficiam uns poucos em detrimento de muitos, e instaurando um clima de suspeição sobre tudo o que é serviço público. O que não podemos continuar a fazer é nomear para cargos de chefia das empresas públicas e das empresas em que o Estado tem uma posição preferencial (como acontece nas empresas com golden shares) os mesmos militantes do partido no poder, ou ex-ministros ou ex-secretários de Estado só porque pertencem ao partido A ou B. Fazê-lo não é só ética e moralmente errado, como também desprestigia a ideia de serviço público. Não podemos ambicionar melhorar o serviço público para logo depois minarmos esse mesmo serviço público com a nomeação de militantes partidários. O serviço público deve servir Portugal, não o partido no poder. O serviço público deve ter em conta o interesse nacional, não o interesse partidário. O serviço público deve ter em conta o bem-estar de todos, e não apenas o bem-estar de alguns privilegiados. Por isso, e se ambicionamos mesmo reformar o Estado, se o queremos tornar mais eficiente, menos burocrático e menos clientelista, é imperioso que acabemos de uma vez por todas com todas estas práticas no mínimo duvidosas e altamente danosas para a nossa economia. Para que tal aconteça, é mais uma vez fundamental que o Estado não só dê o exemplo ao nível de maior transparência e responsabilização pessoal, como também é crucial que minimizemos os cargos de nomeação política na Administração Pública."

REESTRUTURAÇÃO GREGA

Os rumores sobre uma eventual reestruturação da dívida grega continuam.

21 abril 2011

O MITO DA CRISE INTERNACIONAL (2)

E aqui está mais um gráfico que mostra inequivocamente que a crise nacional não teve, nem de perto nem de longe, origem na crise internacional de 2008. Mais concretamente, o gráfico abaixo apresenta a evolução da balança de transacções correntes em percentagem do PIB, que é um dos principais indicadores do nosso défice externo. Como é visível, e mais uma vez, os desequilíbrios da economia nacional iniciaram-se na segunda metade da década de 90.  Desde então, nenhum governo foi capaz (ou teve vontade) de conseguir contrariar os crescentes desequilíbrios externos da economia nacional. E foi assim que, na última década, os défices externos cresceram para níveis muito pouco saudáveis, contribuindo de sobremaneira para o endividamento externo de Portugal. É igualmente notório que a crise internacional nada teve a ver com esta nefasta tendência. Quem afirma o contrário não está interessado na verdade dos factos.

Balança de Transacções correntes em percentagem do PIB, 1990-2010

Fonte: Banco de Portugal

POLÍTICA ECONÓMICA FALHADA

Entrevista concedida à edicão de ontem do Público sobre a política económica deste governo e sobre a necessidade de apoiar as exportações. 

PUBLICO: Qual a avaliação que faz da politica que foi seguida pelo governo na última legislatura no que aos apoios à economia real diz respeito?  

A minha avaliação da política económica do governo dos últimos 6 anos é muito negativa. Pior seria difícil. Durante as duas legislaturas, o governo teve uma política de apoio aos sectores mais protegidos da economia nacional, bem como uma insistência pouco salutar realizar em grandes obras públicas altamente dispendiosas e com muito pouca utilidade para a nossa economia. Por outro lado, na última legislatura, a política económica quase não existiu. Tem sido tudo uma série contínua de remendos de medidas e de políticas pouco planeadas que fazem pouco sentido. Não há o mínimo de estratégia da política económica neste momento.  

PUBLICO: O governo não acordou tarde demais para a necessidade de apoiar as empresas exportadoras? 
 Claro que sim. Porém, é importante perceber que o governo acordou tarde demais para praticamente todos os problemas do país, desde a nossa excessiva dívida externa, passando pela escalada da dívida pública, até aos nossos problemas de competitividade. Por isso, a falta de apoio atempada às empresas exportadoras foi só mais um caso da política irrealista e irresponsável que tivemos nos últimos anos. Só quando se apercebeu que todas as políticas que tinha lançado (grandes obras públicas e política económica baseada no “betão”) tinham falhado é que o governo se virou para as exportações. Fê-lo, sem dúvida, tarde de mais. Para mal do país.

PUBLICO: Na actual situação económica do país que medidas considerem ser fundamentais para relançar a economia e atingir a meta dos 40 por cento do peso do PIB nas exportações, meta que anda a ser perseguida há tanto tempo? 
 Portugal é dos países europeus que mais gasta no apoio às empresas. Porém, essas ajudas são concedidas muitas vezes com critérios pouco transparentes e quase sempre são atribuídas aos sectores pouco expostos à concorrência internacional. Em contrapartida, Portugal é dos países europeus que menos apoios concede às empresas inovadores e mais empreendedoras. Obviamente, tem de haver uma inversão total de prioridades, canalizando os apoios para os sectores exportadores e com potencial de exportação em detrimento dos sectores menos expostos aos mercados mundiais. 
É igualmente preciso alterar a nossa fiscalidade para ajudar a uma redução dos nossos custos do trabalho, o que, por sua vez, permitirá uma maior competitividade das nossas exportações. Como fazê-lo? Através da chamada desvalorização fiscal, na qual se reduzem as contribuições sociais pagas pelos empregadores e se sobem, em contrapartida, os impostos ao consumo e se descem as despesas públicas. Por último, refira-se que a meta das exportações de 40% do PIB devia ser atingida a médio prazo, e uma meta de 60% devia ser alcançada nos próximos 15 anos.

PUBLICO: Ao nível da flexibilização das leis laborais, o que foi acordado com os parceiros sociais no final do ano é suficiente? Ou será necessário ir mais longe? 
 Claro que não. Aliás, as medidas acordadas ficam bem longe do que é necessário e do que já foi defendido variadíssimas vezes por diversas organizações internacionais, incluindo a OCDE, a Comissão Europeia, e o próprio FMI. O problema das leis laborais portuguesas é que são demasiado rígidas em relação à contratação individual. Portugal é o país da OCDE onde as leis são mais rígidas nesta área. Esta rigidez é a maior fonte da excessiva precariedade que existe no nosso mercado de trabalho. O pedido de ajuda externa irá certamente acarretar uma maior flexibilização das leis laborais portuguesas.

PUBLICO: Que outras medidas estruturais considera necessária para atrair investimento directo estrangeiro? 
 Em primeiro lugar, é importantíssimo restaurar a credibilidade do país e da política económica. É importante lembrar que passámos de país modelo (o célebre “bom aluno”) do início dos anos 90 para um país à beira da bancarrota em 2011. Ora, quando os investidores estrangeiros olham para nós vêem um país com governantes irresponsáveis e com uma gestão macroeconómica desastrosa, decerto que pensam duas ou três vezes antes de investirem. Por isso, e se queremos mesmo inverter esta situação e atrair o investimento estrangeiro, é absolutamente fundamental credibilizar a politica macroeconómica com um programa de políticas mais realista e responsável. 
Feito isto e assegurada a sustentabilidade das finanças públicas portuguesas, Portugal deve implementar um programa agressivo da promoção das exportações, no qual os investidores estrangeiros deviam ter um papel vital. Para que tal aconteça, penso que temos de reforçar as potencialidades de alguns dos nossos sectores tradicionais. Se houver boas oportunidades de negócio nestes sectores, certamente que os investidores virão. 
Por último, a médio prazo, e assim que as finanças pública assim o permitirem, seria importante efectuar uma substancial redução dos impostos afectos às empresas, bem como uma diminuição das contribuições sociais pagas pelos empregadores (financiada, em contrapartida, por um aumento dos impostos ao consumo e por cortes da despesa).

FERIADOS E PONTES

A edição de hoje do Jornal de Notícias tem uma pequena entrevista sobre a questão dos feríados e das "pontes". Aqui estão as minhas respostas (que também podem ser vistas e comentadas aqui). 

JN: É possível medir o impacto económico de um feriado (quanto a economia perde)? Sim, é possível. Assim como é possível estimar os custos de eventos extraordinários, como sejam as greves gerais. Segundo algumas estimativas, o custo dos feriados está entre 40 e 50 milhões de euros. E, como é óbvio, este custo aumenta se houver “pontes” e/ou tolerâncias de ponto no Estado. Como há 14 feriados em Portugal e mais 2-3 “pontes” por ano, o custo total ronda anualmente os 680 e 850 milhões de euros. Porém, um cálculo mais relevante é compararmo-nos com os países mais avançados da Europa, que têm entre 8 e 10 feriados por ano e onde não há “pontes” (pois os feriados são encostados aos fins-de-semana). Se o fizermos, verificamos que os feriados que usufruímos a mais em relação à Europa têm um custo adicional entre os 300 e os 450 milhões de euros.

JN: Considera que Portugal devia abdicar pelo menos destas pontes oficialmente concedidas pelo Governo aos trabalhadores do Estado? Claro que sim. Pelo menos a maior parte delas. Estas “pontes” e tolerâncias de ponto só têm um objectivo: agradar eleitores e potenciais votantes. Contudo, não fazem qualquer sentido no mundo actual e muito menos numa altura de grande austeridade.

JN: O nosso país é visto no estrangeiro como sendo pouco produtivo? Infelizmente, a percepção que existe no estrangeiro é exactamente essa. E o descalabro das finanças públicas e a espiral de endividamento dos últimos anos não ajudam nessa mesma percepção. Muito pelo contrário. Portugal tem uma enorme falta de credibilidade neste momento. É lamentável que tal aconteça, pois não só porque, até recentemente, Portugal foi das economias europeias com mais sucesso nos últimos 50 anos, mas também porque nós temos alguns sectores bastante dinâmicos e produtivos. A actual imagem do país é que não ajuda muito.

20 abril 2011

O MITO DA CRISE INTERNACIONAL

Para quem ainda teima em atribuir a crise nacional à crise financeira internacional, aqui estão dois gráficos que mostram bem que os nossos problemas começaram bem antes de 2008. O primeiro gráfico apresenta a evolução da dívida externa líquida (posição líquida internacional) desde 1990. É notório que a nossa dívida externa era bastante reduzida até 1995, mas começou a subir a partir dos meados dos anos 1990. Uma subida que foi sistemática e quase linear. Obviamente, nada ou pouco foi feito para tentar travar esta espiral de endividamento explosiva que nos conduziu à situação actual.

Dívida externa líquida em percentagem do PIB, 1990-2010
Fonte: Banco de Portugal, FMI, Mateus (1998)

O segundo gráfico é retirado da base de dados da Comissão Europeia, a AMECO, e apresenta os dados do crescimento do PIB potencial da economia portuguesa (que mede o produto que um país produz com os recursos ao seu dispor). Como é visível, o crescimento da economia portuguesa já era bastante baixo (e a declinar) bem antes da crise internacional. Por outras palavras, a crise nacional é estrutural e a crise internacional só a agravou. Porém, a tendência de estagnação e de desempenho económico sofrível é bem mais antiga. Mais uma vez, só não vê quem não quer ou, então, só deseja ilibar os governos dos últimos anos por não terem actuado devidamente para tentar debelar a crise. É tão simples como isso.

Crescimento do PIB potencial, 1980-2010
Fonte: AMECO

A TROIKA E A FUNÇÃO PÚBLICA

Um artigo da revista Sábado que inclui algumas perguntas de uma entrevista que fiz por telefone sobre as consequências da activação do plano de resgate (e da chegada do FMI-BCE-CE) para a Função Pública e para a economia nacional.

REESTRUTURAÇÃO OU NÃO, EIS A QUESTÃO (12)

A Economist também acha que a Grécia, a Irlanda e Portugal não escaparão a uma reestruturação das suas dívidas.

19 abril 2011

O IMPACTO DA REESTRUTURAÇÃO GREGA

Continua a abrir-se a porta para uma reestruturação da dívida grega. Agora foi um ministro grego que, sob condição de anonimato, admitiu a inevitabilidade dessa mesma reestruturação. Não é de espantar. Já há bastante tempo se percebeu que esse cenário é realmente inevitável. Basta comparar a dívida pública grega com a dívida de outros países que foram forçados a reestruturar as suas dívidas e/ou entraram em insolvência para chegar à conclusão de que não há grande alternativa.
E se a Europa continua (oficialmente) a negar essa possibilidade não é só por uma questão de orgulho, mas também porque os líderes europeus (e os bancos) preferiam que essa reestruturação acontecesse só partir de 2013, depois do início do Mecanismo de Estabilização Europeu, onde já se prevêem reestruturações das dívidas. Só que, neste caso, não é linear que o que é melhor para a Europa (isto é, os bancos do centro da Europa), é realmente preferível para os países altamente endividados, como a Grécia (e Portugal e a Irlanda). É que a haver uma reestruturação, seria bom se esta acontecesse o mais cedo possível.
É certo que é sempre melhor evitar uma reestruturação da dívida, principalmente devido às eventuais repercussões em relação ao financiamento dos países que são obrigados a fazê-la. No entanto, se o endividamento chegar a um ponto tal que se torna verdadeiramente insustentável, é melhor efectuar a reestruturação da dívida o quanto antes, até porque os custos dos "default" são mais de curto e médio prazo do que de horizontes temporais muito longos. Por outro lado, protelar aquilo que é inevitável só agrava a situação económica e social dos países altamente endividados. 
É igualmente importante desdramatizar a possibilidade de se fazerem reestruturações das dívidas na Europa. É uma situação desagradável? Sem dúvida. Seria melhor que não tivesse acontecido? Claro que sim. No entanto, já que o endividamento aconteceu e se tornou explosivo, é preciso perceber que uma reestruturação da dívida não é o fim do mundo. Dezenas e dezenas de países já o fizeram desde o final da Segunda Guerra Mundial, e vários países europeus também já o fizeram, inclusivamente num passado relativamente recente (no século 19 e na primeira metade do século 20). É também importante perceber que os custos de uma reestruturação são substanciais, mas não irão condenar os países que façam a uma situação semelhante ao que nos aconteceu após 1892, quando declarámos bancarrota. Nessa altura, ficámos décadas fora dos mercados financeiros porque os nossos governantes lidaram muito mal com o processo de insolvência do país e não souberam negociar devidamente com os nossos credores. Não é crível que esta situação se repita no presente.
E quanto a nós? Será que uma eventual reestruturação da dívida grega nos vai impactar? Obviamente que sim. A nós e à Irlanda. No entanto, e como já aqui defendi e vários outros economistas já chamaram à atenção, se tal acontecer, seria bom que Portugal, a Irlanda e a Grécia pensassem em encetar uma estratégia concertada de negociação com os nossos credores para que entrassem nessas negociações numa posição mais forte. Vale a pena lembrar que esta não seria a primeira vez que o nosso país teria de reestruturar as suas dívidas. Bem pelo contrário. É verdade que Portugal já não entra em incumprimento (default) desde 1892, mas só no século 19 tivemos 6 situações (em 1828, em 1837, em 1841, em 1845, em 1852 e em 1892) em que nos vimos forçados a reestruturar as nossas dívidas. Foram períodos extremamente conturbados, até porque os governos de então fizeram uma série de erros graves na condução da política económica, mas sobrevivemos. Se nos acontecer o mesmo e se as coisas forem bem feitas e bem planeadas, uma reestruturação da dívida poderá ser o primeiro passo (ou o segundo, agora que o resgate foi activado) para conseguirmos mudar a trajectória insustentável dos últimos anos. Um primeiro passo que terá de incluir uma nova política de finanças públicas, uma economia muito menos endividada, e uma economia mais dinâmica e produtiva. Um primeiro passo que nos conduza uma trajectória mais responsável, mais sustentada e mais sustentável. O mais importante é que saibamos aprender as lições do presente para que, no futuro, não tenhamos de cair na mesma lamentável situação. 

SINOPSE DE "PORTUGAL NA HORA DA VERDADE"

A Gradiva já começou a anunciar o "Portugal na Hora da Verdade", bem como o preço do mesmo. Já falta pouco para sair, e eu estarei em Portugal a partir do dia 28. Entretanto, aqui está a sinopse do livro:
 
"Agora que iniciamos a segunda década do novo século, não restam dúvidas de que Portugal enfrenta actualmente a crise de um século:
∙ o pior crescimento económico médio desde a Primeira Guerra Mundial;
∙ a taxa de desemprego mais elevada dos últimos 80 anos;
∙ a maior dívida pública dos últimos 160 anos;
∙ a maior dívida externa dos últimos 120 anos (quando tivemos de declarar bancarrota);
∙ o regresso em força da emigração.
Por isso, é relevante perguntar: como chegámos a esta situação? Porque é que não fomos ainda capazes de sair da crise que assola o país há mais de uma década? Como é que, afinal, podemos vencer a crise nacional?
Este livro mostra que Portugal vive hoje três grandes crises: a crise das finanças públicas, a crise da competitividade e do crescimento e a crise do endividamento externo. Entre as questões debatidas, incluem-se as seguintes: qual é o verdadeiro estado das nossas finanças públicas? Porque é que o nosso Estado gasta tanto? Quantos institutos e outras entidades públicas existem e quanto gastam? E porque estamos tão endividados? Será a dívida nacional sustentável? Quão grave é o problema de competitividade das nossas exportações?  
Pensado também para o leitor sem formação em economia, Portugal na Hora da Verdade responde a estas e outras questões numa linguagem acessível e clara, apresentando novos dados e uma interpretação mais abrangente da crise nacional, seguidos de soluções concretas para os problemas económicos do país. É, portanto, um livro fundamental para compreender as dificuldades actuais e pensar em saídas possíveis para a crise nacional."

18 abril 2011

CONSUMO A SUBIR, DÍVIDAS A AUMENTAR

Às vezes ouvimos dizer que nos últimos anos andámos a viver acima das nossas possibilidades. Isto é, andámos a consumir acima dos nossos rendimentos o que fez com que nos endividássemos a ritmos pouco saudáveis, conduzindo-nos à situação actual. Noutra ocasião, já aqui apresentei alguns dados comparativos do consumo nacional com outros países europeus. Hoje aqui fica mais um gráfico que mostra a evolução do consumo privado em percentagem do PIB nas últimas 2 décadas em Portugal, na Espanha e na UE27. Repare-se que estamos só a falar de consumo privado, isto é, das famílias e não do Estado. No entanto, e como podemos ver, é perfeitamente visível que Portugal tem, de facto, andado a consumir uma percentagem do seu PIB bastante superior em relação à média europeia e até à própria Espanha.
É igualmente notório que, na última década, a crise económica não fez refrear o nosso ímpeto consumista, pois o consumo privado em percentagem do PIB subiu quase continuamente de 2003 em diante. Mais concretamente, o consumo manteve-se elevado enquanto o PIB estagnou, de modo que a importância relativa do consumo privado aumentou, assim como cresceram as nossas dívidas.
Nos próximos anos, podemos estar certos que esta  nefasta tendência não irá continuar. Aliás, o mais provável é que o consumo em percentagem do PIB diminua nos próximos anos. Porquê? Porque o pagamento das nossas dívidas excessivas e a necessária correcção da política económica assim o ditarão. Não há alternativa.

Consumo privado em % do PIB, 1993-2010
Fonte: AMECO

PARA QUE SERVE O FMI?

Nas próximas semanas, vamos ouvir falar até à exaustão das importantes negociações que vamos ter com o Fundo Monetário Internacional (o FMI), com o Banco Central Europeu (BCE) e com a Comissão Europeia. Porém, como todos sabemos, os nossos contactos com o FMI e com as restantes instituições não ficarão por aqui. Bem pelo contrário. Como o FMI e o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) nos vão emprestar qualquer coisa como 80 mil milhões de euros (quase 50% do PIB nacional), é natural que eles não nos queiram ver pelas costas tão cedo. Afinal, eles têm todo o interesse que o dinheiro lhes seja devolvido a tempo e horas. 
Tudo se passa como acontece com as famílias (ou as empresas) endividadas. Se as dívidas são demasiado elevadas, as famílias tentarão primeiro arranjar melhores e mais empregos para ver se conseguem obter mais rendimentos para pagar as suas dívidas. Se tal não for possível ou se as dívidas forem demasiado grandes, as famílias poderão tentar recorrer a ainda mais créditos para pagar as dívidas existentes. Só que nessa altura, se o endividamento for demasiado grande, os bancos já só emprestarão a taxas mais elevadas ou até se poderão recusar a emprestar mais dinheiro. O que poderá fazer com que as famílias recorram a agiotas ou a instituições de crédito menos formais para poderem aceder aos créditos desejados. Tudo feito com taxas de juros ainda mais altas. 
E é assim que dívidas excessivas facilmente se podem tornar insustentáveis, e as famílias podem ser forçadas a vender os seus activos (carros, casas, etc). Numa situação extrema, as famílias podem ser obrigadas a declarar bancarrota. A mesma lógica aplica-se com os países endividados. A diferença é que os países não costumam ser invadidos se não pagarem as suas dívidas, enquanto as famílias e as empresas podem ser sujeitos a mecanismos de coação judiciais. 
E é aqui que entra o FMI. No fundo, o FMI é uma espécie de um banco de última instância, que empresta dinheiro aos países que já não conseguem crédito de mais ninguém. O FMI fá-lo, mas com condições, que por vezes são muito severas para os países que pedem ajuda. Porquê? Porque o FMI quer recuperar o dinheiro emprestado e, para isso, pretende que as dívidas dos países sejam abatidas e que o crescimento económico seja reatado. As condições impostas são assim uma maneira de o FMI tentar garantir que os países recuperem para que possam, o mais brevemente possível, pagar o dinheiro que pediram emprestado. 
 
Nota: Artigo da minha coluna "Macroeconomia Divertida" do último Notícias Sábado

BARRAGEM OU DOMINÓ

Segundo o Wall Street Journal, o FMI já admite privadamente que a reestruturação da dívida grega irá acontecer em 2012. Se tal acontecer, resta saber o que é que Portugal e a Irlanda irão decidir nessa altura. Entretanto, uma outra discussão crucial para o futuro do euro e da própria Europa tem a ver com o destino que caberá à Espanha. Será a Espanha mais uma peça do dominó da dívida soberana europeia a cair, ou será o nosso país vizinho a barragem que irá parar a enxurrada da especulação? Essa é a pergunta que o jornal nos coloca na sua edição de hoje.

17 abril 2011

FORÇA NEGOCIAL

Um economista que defende (como eu já aqui argumentei e como o Ricardo Reis advoga aqui) que a posição negocial de Portugal com o BCE-CE-FMI não é tão má como às vezes pensamos ou nos é levado a crer.

REESTRUTURAR É MELHOR

Uma entrevista muito interessante do Jornal de Negócios a um fiscalista que também é especialistas nas questões de reestruturações de dívida. Mais um especialista a defender que a reestruturação da nossa dívida devia ser feita o quanto antes ou o mais cedo possível.

REESTRUTURAÇÃO OU NÃO, EIS A QUESTÃO (11)

 O Ricardo Reis e o Rui Pedro Esteves também participam na mesa redonda do Expresso sobre uma eventual reestuturação da dívida.

16 abril 2011

PAGAR A CRÉDITO ATÉ AO DESAIRE FINAL

Nos últimos anos, o crédito foi das indústrias mais bem sucedidas no nosso país. O recurso ao crédito foi feito praticamente por todos os agentes económicos e por quase todos os sectores de actividade. A curto prazo, o crédito deu-nos a ilusão de que podíamos alcançar níveis de consumo que há muito almejávamos, mas que estavam acima das nossas possibilidades. Infelizmente, e como agora damos conta, os níveis de consumo desfrutados revelaram-se insustentáveis e as nossas dívidas acumularam-se a ritmos pouco saudáveis. E é exactamente por isso que hoje nos encontramos na iminência de termos de recorrer à ajuda externa para podermos evitar uma aterragem forçada, que teria consequências trágicas para a economia nacional.  
De quem é a culpa de todo este endividamento? De todos, embora alguns sejam mais culpados do que outros. Como é sabido, o Estado foi dos que mais recorreu ao crédito para levar a cabo toda a espécie de obras públicas. E foi assim que os nossos governantes construíram estradas, auto-estradas, túneis, pontes, escolas, hospitais, e até projectaram TGVs. Tudo feito com dinheiro emprestado pelo exterior ou pelos nossos filhos (na forma de dívida pública). Pior: a grande maioria dessas obras não foi paga pelos governos que mandataram a sua construção. As obras foram inauguradas, os governos ficaram com o crédito, mas quem vai pagar são os governos e os contribuintes vindouros, bem como as gerações futuras. Uma vergonha, como é óbvio.

Porém, não foi só o Estado a endividar-se. Nos últimos 15 anos, as famílias e as empresas endividaram-se a ritmos acelerados, de tal modo que as dívidas das famílias já ultrapassam os 100% do PIB, e as dívidas das empresas já totalizam mais de 150% desse mesmo PIB. Por outras palavras, Portugal é hoje um país onde as dívidas comandam as nossas vidas. As dívidas são também em parte responsáveis pelo fraco desempenho económico dos últimos anos. Porquê? Porque quando os países estão sobreendividados, os encargos com as dívidas são de tal ordem que sobram menos recursos para o consumo e para o investimento, diminuindo o crescimento económico. Moral da história: o endividamento pode dar-nos uma gratificação quase instantânea no presente, mas tem consequências terríveis quando não é sustentável. 
E é assim que hoje damos agora conta que todo este endividamento ameaça o nosso bem-estar. E enquanto não travarmos e invertermos de uma vez por todas este excessivo endividamento não será possível ambicionar um Portugal com futuro. É tão simples como isso. 
 
Nota: Meu artigo no Notícias Sábado do último fim de semana 

15 abril 2011

A VERDADE DA REDUÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

Nos últimos dias, uma das notícias que dominou os meios de comunicação social foi a redução do número de funcionários da Administração Central, uma redução de quase 17 mil trabalhadores nos últimos 14 meses. A notícia desta extraordinária diminuição do número dos trabalhadores do Estado foi saudada como sendo demonstrativa do enorme esforço de contenção de despesas que tem sido levado a cabo nos últimos meses, sendo ainda mais uma prova dos efeitos dessa impressionante reforma estrutural que tem por nome de PRACE. A notícia desse notável feito veio do próprio Ministério das Finanças, que proclamou num tom triunfante:
"No período entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Março de 2011, registou-se a diminuição do universo de trabalhadores em funções públicas na Administração Central do Estado em 16.941 trabalhadores. Prossegue, assim, a inédita redução do universo de trabalhadores em funções públicas que tem vindo a ocorrer, sistematicamente, em todos os anos desde 2005, em contraponto, por sua vez, ao aumento desse mesmo universo de trabalhadores, todos os anos, nas décadas antecedentes."

Uma notícia que foi assim reportada pelos principais meios de comunicação social sem que alguém tenha tido cuidado de verificar com mais precisão os dados do Ministério, e sem que alguém se tivesse dado ao trabalho de interpretar o resto do comunicado ministerial, que nos informa que:
"Sem prejuízo da informação que regularmente tem vindo a ser detalhada através dos Boletins do Observatório do Emprego Público (BOEP) ... constata-se, assim, que actualmente, face aos dados disponíveis, existem cerca de 505 mil trabalhadores em funções públicas na Administração Central do Estado, incluindo os trabalhadores que mantiveram o vínculo público ao Estado apesar de integrados em estabelecimentos de saúde de natureza pública empresarial, bem como o pessoal não docente em exercício de funções nos estabelecimentos de educação e ensino básico e secundário ao abrigo de protocolos com autarquias locais."

E aqui é que está o cerne da questão. Os trabalhadores da Administração Central não incluem nem os trabalhadores do Sector Empresarial do Estado (SEE), nem aqueles(as) trabalhadores(as) que transitaram para as autarquias locais ao abrigo de protocolos com o próprio Estado.
Este é um pormenor importante, porque quando, por exemplo, um hospital do Estado é transformado em hospital empresa (i.e. transita para o SEE), os trabalhadores desse hospital deixam de ser classificados como funcionários públicos. Os trabalhadores que transitam da alçada da Administração Central para as autarquias nem sequer figuram na contabilidade oficial do Estado.
Ora, sabendo que o Ministério das Finanças se vangloria por esta diminuição "inédita" do número de funcionários públicos, interessa perguntar: quantos destes funcionários transitaram para as empresas públicas do Estado e deixaram de aparecer como funcionários públicos?
Entre 2005 e 2009, mais de 53 mil. Assim, e como podemos ver no gráfico abaixo, a transformação dos hospitais públicos em hospitais-empresas levou a que o número de trabalhadores do SEE aumentasse de cerca de 96 mil em 2005 para mais de 150 mil em 2009. Obviamente, esta subida do número de trabalhadores do SEE foi compensada por uma redução equivalente (eu diria até "inédita") do número de funcionários públicos.

Número de trabalhadores no Sector Empresarial do Estado, 2005-2009
Fonte: DGTF 

Mas, as "boas" notícias não ficam por aqui. Esta impressionante "redução" do número de funcionários públicos deu azo uma extraordinária (eu atreveria-me mesmo a dizer "inédita") redução das despesas com o pessoal do Estado em percentagem do PIB, de 13,9% do PIB em 2004 para 12,2% do PIB em 2010. Tudo, obviamente, por causa do PRACE e do esforço de consolidação orçamental... Esta redução das despesas com o pessoal é significativa, pois era sabido que uma das imagens mais gritantes do nosso Estado despesista era exactamente o facto de Portugal ser um dos países da União Europeia cujo Estado mais gastava com os seus funcionários.  

Despesas com pessoal do Estado em % do PIB, 1995-2010
 Fonte: Ministério das Finanças
 
Por outras palavras, mais uma vez, a contabilidade criativa no seu melhor. Infelizmente para o governo e felizmente para nós, ainda existem entidades independentes que têm denunciado o que tem sido feito nos últimos anos. Assim, aconselho vivamente a leitura dos relatórios do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado e os relatórios da UTAO. O Banco de Portugal também já analisou o assunto e concluiu que mais de dois terços da extraodinária redução das despesas com o pessoal de 1,9% do PIB entre 2004 e 2008 se ficou a dever à transformação dos hospitais públicos em entidades do SEE. Uma redução verdadeiramente inédita, sem dúvida.
Para 2010 ainda não temos números definitivos, mas já temos alguns dados que nos dão uma ideia que a redução dos 17 mil trabalhadores propagados pelo governo é, em parte, uma mera continuação deste processo.
Assim, segundo o último relatório trimestral da DGTF, só entre o terceiro trimestre de 2009 e o trimestre homólogo em 2010, o SEE absorveu 5000 novos trabalhadores devido à transformações em empresas públicas do Centro Hospitalar do Barreiro e do Montijo, do Hospital do Litoral Alentejano e da ULS Castelo Branco. Restam assim 12000 trabalhadores. Muitos(as) certamente aposentaram-se, mas outros poderão ter simplesmente ter feito a transição para a alçada das outras administrações do Estado. Enfim, o habitual. A verdade é que, no meio disto tudo, a propaganda e a contabilidade continuam a ser das indústrias mais bem sucedidas dos últimos anos. Para mal dos nossos pecados.