30 setembro 2009

CONFLITO

Independentemente da nossa interpretação pessoal da intervenção de ontem à noite, o conflito institucional entre o Presidente da República e o Governo não augura nada de bom para a estabilidade política nos próximos tempos. Com todos os problemas que temos para resolver, era só o que nos faltava para agitar ainda mais as águas.

SÍNDROME CANADIANO

Partilho das preocupações com alguns dos comentários ao meu post sobre as eleições. O que eu queria era chamar a atenção para a questão da estabilidade, que os portugueses parecem prezar tanto (pelo menos, são as sondagens que o dizem). A verdade é que se o PS não se coligar com o CDS, é difícil não imaginar um cenário em que teremos eleições novamente nos próximos 2 anos. Aliás, os partidos parecem crescentemente estar a contar com isso mesmo. E qual é o problema? O problema é que é que, no momento delicado que a economia portuguesa atravessa, instabilidade política é tudo o que não precisamos.
Actualmente, parece-me praticamente impossível um entendimento entre o PS e o PSD e, é por isso que acho mais viável um acordo entre o PS e o CDS. Isto em teoria. Isto se os partidos prezassem realmente a estabilidade política e a necessidade de efectuarem as reformas estruturais que é preciso fazer. Na prática, concordo que tudo é um pouco difícil. Acima de tudo, mais do que diferenças ideológicas inultrapassáveis, não me parece que haja vontade política para qualquer tipo de entendimento entre as forças políticas para que exista mais estabilidade política nos próximos anos.
Resultado mais provável? Ainda acabamos por cair no impasse que se vive no Canadá há mais de 5 anos. Os governos minoritários sucedem-se a um ritmo alucinante (duram cerca de ano ou ano e meio), os partidos estão constantemente a ameaçar eleições e derrubar o governo, e a instabilidade política continua sem fim à vista. Por isso, passa-se o tempo com politiquices e a situação política não se estabiliza. No Canadá esta situação tem pouco impacto, pois não só o aparelho do Estado é forte e eficiente, mas também porque o país tem governos provinciais que ajudam a contrabalançar o governo federal. Para além do mais, nos últimos anos a economia canadiana tem andado muito bem e foi só mesmo a crise internacional que a fez descarrilar temporariamente. Em Portugal, não temos nenhuma destas condições. A economia está estagnada há vários anos, e o Estado não tem propriamente a força e a eficiência do Canadá. Por isso, se cairmos no síndrome canadiano de grande instabilidade política, ninguém vai ganhar com isso. E é também por isso que preferia que houvesse uma solução política mais estável para os próximos tempos. Infelizmente, suspeito que não haja vontade política para que tal aconteça. E quem fica a perder somos todos nós.

PROPOSTAS

O Nicolau Santos sumaria aqui a situação actual da economia portuguesa e fala de algumas das propostas e soluções que defendi na conferência Portugal em Exame.

28 setembro 2009

CENÁRIOS

Numas eleições em que quase todos os principais partidos reclamaram vitória, os principais perdedores foram o PSD e o Bloco Central. O PS ganhou e mereceu, pois fez uma campanha pela positiva, que fez esquecer (ou pelo menos, mitigar) a prepotência com alguns ministros(as) governaram nos últimos quatro anos. Mesmo assim, é incontornável que José Sócrates perdeu a maioria absoluta e verá a sua governação naturalmente fragilizada nos próximos anos. Que solução adoptará José Sócrates para governar? Ainda não sabemos. Mas parece certo que uma coligação com o Bloco ou com o PCP está fora de questão. E assim restam duas opções: ou governa sozinho ou se coliga com o CDS. Governar sozinho será sempre um cenário a prazo, pois é duvidoso que um governo minoritário num parlamento tão hostil dure mais do que dois anos (aliás, como João Cravinho já hoje defendeu). Sim, é possível que um governo PS minoritário possa fazer acordos pontuais no parlamento com o Bloco ou com o PCP (por exemplo, e para nosso prejuízo, em relação às grandes obras públicas), mas será sempre vulnerável quando tiver que apresentar os seus orçamentos de Estado (os quais serão sempre usados como moeda de troca para que o Bloco e/ou o PCP consigam atingir algumas bonanças eleitorais).
Por isso, se José Sócrates quiser ter mais estabilidade na governação, terá forçosamente que se entender com o CDS, que foi, sem dúvida, o grande vencedor das eleições. Pessoalmente, penso que esse seria o cenário ideal. Aliás, se o caso das escutas não tivesse acontecido, não seria difícil imaginar o Presidente da República preferir (impôr?) este mesmo cenário. Assim, sinceramente não sei. O que sei é que esse era o cenário que, provavelmente, era melhor para o país, pois o CDS poderia servir de contra-peso às tentações mais despesistas de certos sectores do PS, quiçá conseguindo inclusivamente refrear o dogmatismo do primeiro-ministro em relação às grandes obras públicas. (Como é óbvio, o TGV Lisboa-Madrid vai avançar, mas não há razão nenhuma para o mesmo acontecer ao Lisboa-Porto ou ao Porto-Vigo, principalmente no contexto económico em que nos encontramos).
Veremos se José Sócrates está disposto a efectuar compromissos ou não. Nos próximos dias veremos o que é que irá acontecer.

25 setembro 2009

TECNOLÓGICAS NACIONAIS

Nos últimos anos, um dos sectores mais dinâmicos da economia portuguesa tem sido o da indústria das tecnologias da informação e comunicação (TIC ou tecnológicas). Há um grande número de novos empreendedores que têm apostado e investido no sector e alguns dos exemplos de empreendedorismo mais bem sucedidos na última década têm ocorrido exactamente nesta área. No "Medo do Insucesso" falei de algumas das empresas que despontaram neste sector e os factores que as fizeram tornar-se numa referência do empreendedorismo nacional (inovação, aposta na internacionalização, elevadas taxas de productividade). Por isso, tive imenso gosto em ter participado na sexta-feira passada numa conferência, onde alguns dos principais empreendedores das TIC se reuniram para falar sobre o sector.
Na minha apresentação revi a evolução das TIC nacionais e apresentei soluções para que o sector se possa tornar ainda mais dinâmico. A principal surpresa que tive quando analisei o sector é que, apesar de todo o sucesso, as tecnológicas nacionais ainda não realizaram muito do potencial que poderiam ter (e que têm prometido). Aliás, se olharmos para os indicadores de desempenho relativo, facilmente percebemos que tanto ao nível do investimento no sector (gráfico 1), como de valor acrescentado (gráfico 2), as tecnológicas nacionais não têm visto aumentar a sua importância relativa na economia portuguesa.

Gráfico 1 _ Proporção do investimento em TICs no investimento total
(Neste gráfico podemos ver que a percentagem do investimento das tecnológicas no investimento total da economia nacional não tem aumentado significativamente nos últimos anos)

Gráfico 2 _ Valor acrescentado das TIC em % do valor acrescentado total (OCDE)
(Neste gráfico é visível que o valor acrescentado das tecnológicas nacionais é baixo quando comparado às tecnológicas de outros países da OCDE)

Por isso, interessa perguntar porquê e o que é que pode ser feito para tornar este sector num cluster de excelência. Quanto a mim, o que há a fazer é apostar neste sector como apostámos nas energias renováveis. Porquê? Porque este sector não só é um dos mais dinâmicos da economia nacional, mas também é um dos sectores com mais elevado potencial de crescimento. Por isso, vale a pena apostar nas tecnológicas nacionais. O que pode ser feito fica para um próximo post. Entretanto, se estiver interessado(a), poderá ver aqui o Power Point (em inglês) da minha apresentação na conferência, onde deixo algumas sugestões sobre o que é que podemos fazer para ajudar estimular o sector.

21 setembro 2009

OS OUTROS

Uma das consequências mais graves da actual crise internacional tem sido o aparecimento de défices orçamentais gigantescos, que ameaçam fazer "explodir" as dívidas públicas nacionais. Por enquanto, quase todos concordam que a prioridade tem que ser o combate à crise. O défice é um problema cuja resolução terá que esperar. Faz todo o sentido, principalmente devido ao acentuado crescimento do desemprego. Contudo, fora de Portugal, já muitos começam a debater o que fazer para fazer travar o descontrolo das contas públicas.
Em Espanha, o primeiro-ministro propõe um aumento de impostos na ordem dos 1,5% do PIB para fazer face ao crescimento do défice orçamental. Em Inglaterra, todos (repito, todos) os principais partidos políticos debatem que despesas é que se irão cortar para lutar contra o défice orçamental. E em Portugal? Será que nos preocupamos com isso? Claro que não. Para quê? Afinal o défice do subsector Estado só subiu 154% nos 8 primeiros meses do ano.
Mas não faz mal. O dinheiro há-de dar para tudo. Para TGVs, para auto-estradas, para novos aeroportos, para ajudas às PMEs, para aumentar os salários acima da inflação, para Planos Tecnológicos, para para para...
É que, como sabemos, as regras que se aplicam aos outros não se aplicam a nós. E, se é assim, para quê nos preocuparmos?

MÁ CAMPANHA

A campanha está má. Muito má. O "caso das escutas" só veio afastar ainda mais as atenções daqueles que deviam ser os assuntos que os partidos deviam debater. Numa altura em que o país se defronta com a maior crise (interna) económica das últimas décadas, numa altura em que o mundo passa pela maior crise internacional desde os anos 1930, numa altura em que mais de meio milhão de portugueses(as) não têm emprego, o que é que os nossos líderes fazem? Passam o tempo a debater alegadas asfixias democráticas, quem é que tem (ou não) o monopólio da verdade, e outras trivialidade que pouco interessam para o nosso futuro. A discussão sobre o TGV tem sido, no mínimo, pouco informativa sobre o que está realmente em causa. A questão do endividamento externo tem sido quase esquecida. A questão de um possível aumento de impostos tem sido escamoteada por todos. A questão de como iremos ajudar as empresas a melharem a sua competitividade praticamente não é debatida. A questão da interioridade não passa de uma nota de rodapé. Enfim, a campanha tem sido um autêntico marasmo de ideias. Um deserto de políticas. Um vazio de propostas. Triste. Muito triste.
Sinceramente, penso que a oposição tem mais culpa nesta matéria do que o governo. Todos sabemos o que nos espera se José Sócrates ganhar as eleições. No mínimo, pensamos que sabemos o que irá acontecer (irão certamente acontecer surpresas, principalmente a nível orçamental). Porém, o mesmo não é verdade em relação às alternativas. Quais são? O que é que os partidos da oposição defendem para combater a crise? Será que os portugueses sabem? Acho que não. Por outras palavras, os partidos da oposição têm sido ineficazes a transmitir quais são as suas principais propostas para reverter o actual estado de coisas. Quem não ler os programas dos partidos (sempre tão ambíguos) não saberá o que eles pretendem fazer. É uma pena, principalmente sabendo da elevada impopularidade que este governo tem junto de tantos sectores da população portuguesa.
O que me parece é que, no final do dia, a oposição vai perder uma oportunidade histórica de ganhar as eleições. Mais por culpa própria do que por mérito do primeiro-ministro (que, obviamente, também o tem). Posso estar muito enganado, mas parece-me que não. Logo veremos no dia 27.

LIGAÇÕES PERIGOSAS

Segundo um relatório do BPI, o valor futuro das acções da construtora Mota-Engil estão altamente dependentes do resultado das eleições legislativas. Hmmm... Por que será?

17 setembro 2009

DUAS CONFERÊNCIAS

Nos próximos dias estarei de regresso a Portugal, onde estarei presente em duas conferências em Lisboa. O primeiro evento debate a criação de um cluster do sector das tecnológicas em Portugal (um pouco como aconteceu nas energias renováveis) e conta com alguns dos mais interessantes empreendedores e inovadores portugueses. A conferência tem por tema: "Promotion of an IT Cluster: a new technological model for Portugal towards the creation of new wealth" e o programa está aqui:

A outra conferência é a conhecida "Portugal em Exame", em que se debaterão estratégias de combater a crise nacional. O programa está aqui:
http://aeiou.expresso.pt/programa-da-conferencia-portugal-em-exame-2009=f534358

Os dois eventos prometem e conto poder relatá-los aqui nos próximos dias.

15 setembro 2009

A SAÚDE DOS PORTUGUESES

Estava a ler o relatório da OCDE sobre a Saúde em Portugal e alguns dados saltaram-me à vista. Apesar de reclamarmos muito sobre o que está mal (e ainda bem que o fazemos) na saúde nacional, a verdade é que é fácil esquecermos o grande progresso registado nas últimas décadas. Deste modo, vale a pena relembrar o que já alcançámos:
  • A esperança de vida em Portugal é de 78.9 anos, igual à média da OCDE.
  • A taxa de mortalidade infantil portuguesa foi de 3,3 mortes por 1000 nascimentos de nados vivos, substancialmente menor do que 24,2 por 1000 em 1980. Portugal tem uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil na OCDE.
  • A maior surpresa que tive foi constatar que Portugal tem uma das taxas de fumadores diários mais baixas da OCDE! Pensei que seríamos dos piores, mas, afinal, não. Cerca de 19,6% dos(as) portugueses(as) declaram-se fumadores diários, bem menos do que a taxa média da OCDE (23,3%).
  • A generalidade dos índices de saúde pública melhoraram consideravelmente nas últimas décadas
  • Uma nota mais negativa regista-se em relação às taxas de obesidade, que aumentaram de 11.5% em 1996 para 15.4% em 2006. O efeito do crescimento da fast food nos últimos anos (e os poucos incentivos à promoção de vidas mais activas) está à vista.

JÁ VOTEI

Como já me encontro fora do país há muitos anos, tenho-me deparado com todo o tipo de dificuldades para que possa exercer o meu direito de voto. Felizmente, este ano isso não aconteceu. O progresso já chegou a Portugal também nesta área. Actualmente, nas eleições legislativas, os portugueses emigrados que estejam registados nos seus consulados podem votar por correspondência para o círculo Fora da Europa ou para o círculo da Europa. Eu já recebi o meu boletim de voto e já votei. Fiquei contente. Votei bem.

OS PROGRAMA DOS PARTIDOS

Um dos factos mais assinaláveis dos programas económicos dos dois principais partidos portugueses é a concordância existente nalgumas áreas vitais para o desenvolvimento do país. Assim, tanto o PS como o PSD (e os restantes partidos) concordam que é preciso dar mais atenção às necessidades das pequenas e médias empresas. Aliás, a aposta nas PMEs parece de tal modo generalizada que até os próprios Gatos Fedorento fizeram disso um dos principais temas do primeiro episódio do novo programa...
Noutras áreas, existe também alguma convergência na análise e nas receitas preconizadas pelos dois principais partidos portugueses. As grandes diferenças entre o PS e o PSD registam-se ao nível dos grandes investimentos públicos (principalmente o TGV) e no papel do Estado.
Em relação aos grandes investimentos públicos, os últimos dias demonstram que José Sócrates está perfeitamente convencido que a competitividade (e o futuro) da economia nacional depende de projectos como o TGV, enquanto Ferreira Leite é definitivamente mais céptica. Sinceramente, não percebo por que é que o primeiro-ministro encontra tanta urgência em levar a cabo projectos como o TGV. Aliás, penso até que o PS poderia estar mais bem posicionado junto do eleitorado se admitisse adiar ou reavaliar alguns dos projectos públicos por alguns anos. Ninguém perderia com isso e o país poderia concentrar-se mais na resolução naqueles que são os nossos verdadeiros problemas estruturais: a falta de competitividade de muitos dos nossos sectores e o crescente endividamento externo do país. O obstinação do actual primeiro-ministro com os grandes projectos públicos é ainda mais incompreensível se nos lembrarmos que os projectos como o TGV não só serão certamente deficitários, como também é difícil perceber como é que um projecto ferroviário de transporte de passageiros pode aumentar a competitividade das empresas portuguesas... Se alguém conhece algum estudo de outro país em que isso tenha acontecido, estaria bastante interessado em o ler.
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Quer isto dizer que o TGV nunca será feito? Não. Quer esteja o PS quer o PSD no poder, o mais certo é que, mais cedo ou mais tarde, o projecto do TGV Lisboa-Madrid será feito por razões estratégicas. O ideal é que tal fosse feito mais para tarde do que para cedo. Ou seja, a prioridade não deveria ser o TGV, mas sim investir de uma forma sem precedentes no apoio à inovação e ao sector exportador. Contudo, é provável que o TGV Lisboa-Madrid vá para a frente dentro de alguns anos. É claro que o projecto será um fiasco financeiro que terá que ser suportado pelos contribuintes, mas irá para a frente por "razões estratégicas" (ou seja, políticas). Dito isto, e se se pode admitir a construção desta linha de alta velocidade pelas razões avançadas, as linhas Porto-Lisboa e Porto-Vigo (já projectadas) são um perfeito disparate. Não são necessárias e poderão não ser rentáveis nem num futuro longínquo. Insistir na sua construção é assobiar para o alto e fingir negar o preocupante endividamento externo do país, bem como ignorar aqueles que são os problemas estruturais que enfrentamos. A verdade é que construir o TGV irá aumentar ainda mais o endividamento externo e irá forçar que um futuro governo tenha que aumentar ainda mais os impostos para pagarmos o luxo de sermos um país em "alta velocidade". E era isso que era importante que todos nós percebessemos quando formos chamados a votar.
Num próximo post irei debater as diferenças entre o PS e o PSD em relação ao papel do Estado.

PROGRAMA ECONÓMICO DO PSD

Aqui estão os comentários que escrevi no Público sobre o programa económico proposto pelo PSD:
O programa do PSD parte da premissa que o país tem vindo a seguir um modelo de desenvolvimento errado, que deu azo a um preocupante endividamento externo e público. Para contrariar esta tendência (e um pouco como o PS), o PSD dá grande premência às exportações e à internacionalização das empresas. Contudo, para o PSD, o desenvolvimento e a competitividade alcançam-se apostando no empreendedorismo nacional e não através da engorda de um Estado considerado “asfixiante”. A outra grande diferença entre o PS e o PSD regista-se, como se esperava, ao nível dos grandes investimentos públicos. Nesta área, o PSD defende a reavaliação dos grandes projectos de investimento e a aposta na rede ferroviária convencional.
As principais surpresas do programa talvez sejam a grande ênfase dada à agricultura como um sector estratégico, bem como o objectivo de aumentar a concorrência sectorial.
Porventura, a proposta mais interessante seja a garantia de uma taxa de IRC de 10% para os investimentos a realizar no interior. Tal medida vai na direcção certa no combate à crescente desertificação. Mas não chega. Mais do que uma regionalização burocratizante, precisamos de incentivos fiscais e económicos sem precedentes para travar o inquietante dualismo do país.
As principais críticas a apontar serão a linguagem por vezes demasiado técnica e, principalmente, a ausência de uma mensagem mais positiva. Afinal, mais do que uma política de verdade, o que Portugal precisa é de retomar o sucesso que nos caracterizou nas últimas décadas. E é isto que este programa devia também realçar.

PROGRAMA ECONÓMICO DO PS

Aqui estão uns breves comentários que fiz ao Público sobre o programa económico proposto pelo PS:
O programa eleitoral agora apresentado pelo PS é bastante parco na apresentação de propostas concretas sobre o combate à maior crise estrutural que o país enfrentou nas últimas décadas. No entanto, apresentar o programa eleitoral antes do PSD teve um grande mérito, pois o PS apresentou como suas bandeiras que já tinham sido defendidas pelo PSD, tais como o reforço do apoio aos exportadores e às PMEs.
Penso que as medidas mais interessantes incluem a promessa de um Pacto do Emprego (que terá de ser um acordo de concertação social em que o crescimento salarial seja limitado) e, principalmente, a continuação da aposta nas energias renováveis, uma área onde somos líderes mundiais. Seria também desejável que o novo governo desse a mesma prioridade às indústrias tecnológicas, onde temos muitas empresas a brilhar internacionalmente.
O pior deste programa eleitoral é a insistência dogmática nas grandes obras públicas, as quais pouco contribuirão para melhorar a competitividade economica, e acarretam um grave risco de nos arrastar para níveis de endividamento insustentáveis.
Porém, o principal problema que o PS enfrentará com este programa eleitoral é a credibilidade. Os últimos 4 anos demonstraram que há um abismo enorme entre a retórica e a acção. Palavras bonitas ou manipulações de estatísticas não bastam, é preciso resultados. Resultados que não estão à vista. Os portugueses sabem disso e, por isso, o PS terá de reconquistar aqueles que perderam a confiança no partido do governo. E é isso que este programa eleitoral ainda não consegue.

AINDA A CRISE INTERNACIONAL

A Carteira, através do Luís Leitão, fez-me recentemente algumas perguntas (a negrito) sobre a crise financeira internacional. Aqui estão as minhas respostas:
Carteira_ A política dos principais governos de injectarem avultados montantes de dinheiro no mercado foi a decisão mais correcta ou serviu apenas para esconder e alimentar o monstro da crise por mais algum tempo? Que consequências terão estas medidas nos próximos tempos?
A política de injecção de grandes montantes nos sistemas financeiros foi totalmente acertada. Aliás, se não tivesse sido levada a cabo, decerto que o impacto da crise financeira teria sido muitíssimo mais grave. Basta lembrarmo-nos do que aconteceu durante a Grande Depressão dos anos 30 (quando a massa monetária se contraiu) para percebermos da necessidade dessa medida. A curto prazo, o principal objectivo (e efeito( dessa medida é exactamente evitar que a economia mundial caia em deflação, um cenário a evitar a todo custo. Quando as principais economias recuperarem, é natural que surjam alguns efeitos inflacionários. Nessa altura, certamente que a política monetária irá inverter-se com uma subida dos juros. Porém, por enquanto, a inflação é ainda um cenário muito longínquo.
Carteira_ Se na bolsa os ganhos já começam a aparecer - desde 9 de Março que o S&P 500 já valorizou 47% - na economia, os indicadores continuam a não ser muito animadores: as penhoras nos EUA continuam a aumentar, o desemprego na Europa e nos EUA persiste em manter-se elevado e o risco de deflação parece ainda não ter desaparecido. Que sinais precisa o mercado de dar a investidores e consumidores para que a recuperação seja sustentável e não um mero surto de euforia?
Penso que os últimos indicadores de alguma recuperação de várias economias europeias irão dar um novo impulso aos mercados financeiros. Contudo, ainda precisamos de ter mais um ou dois trimestres de crescimento positivo, bem como uma recuperação do consumo e dos mercados imobiliários, para que os mercados comecem a acreditar numa verdadeira retoma das principais economias mundiais. E, neste momento, este cenário ainda não se vislumbra, pois ainda persistem muitas incertezas, apesar dos indicadores começarem a ser mais positivos do que era esperado há alguns meses.
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O FMI diz que a recuperação será longa e demorada e Jean Claude-Trichet, apesar de acreditar que a economia europeia já não está em queda livre, diz que ainda não é tempo para euforias. Quais são as suas perspectivas para a economia mundial e quais serão os sectores que acredita que recuperarão primeiro e porquê?
Penso que ainda há alguma expectativa sobre como as principais economias irão evoluir. Apesar dis sinais crescentemente positivos que nos chegam, ainda há muitos riscos e incertezas. Por exemplo, o crescimento do desemprego e a consequente diminuição de rendimentos de algumas camadas das populações (principalmente da classe média) de muitos países poderão aumentar o crédito mal parado, o que poderá fazer aparecer novos problemas nos mercados de crédito. Neste momento, parece que os primeiros sectores a recuperar serão as exportações de muitos países (como a Alemanha), bem como algumas indústrias de maior valor acrescentada, tais como as tecnológicas. Alguns países aproveitaram a crise para aumentar o proteccionismo de alguns dos seus sectores mais sensíveis (e menos concorrenciais). Estes apoios certamente ajudarão estes sectores a recuperarem mais rapidamente.
No plano das economias em vias de desenvolvimento, estes países não sentiram directamente a crise em virtude de terem um sistema financeiro rudimentar. No entanto, viram as ajudas e as exportações serem reduzidas bruscamente, sobretudo os países produtores e exportadores de petróleo. Acredita que esta crise será mais um obstáculo ao desenvolvimento económico ou uma oportunidade para países como Angola que faz depender do barril de crude mais de 95% das suas exportações?
Quase todos os países em desenvolvimento viram as suas exportações e as ajudas externas diminuir. Penso que a crise será um obstáculo maior para os países em desenvolvimento mais frágeis, isto é, aqueles cujos governos dependem mais da ajuda externa para os seus orçamentos. Para os países exportadores de petróleo, a crise será mais temporária, pois é crível que o preço do crude recupere assim que a procura mundial seja retomada com a aceleração do crescimento económico. Assim, nos próximos um ou dois anos é natural que o preço do crude suba, aumentando novamente os rendimentos dos países exportadores de petróleo. Isto, sem dúvida, será positivo para Angola. No entanto, o principal desafio da economia angolana persiste. É premente que Angola utilize as benesses do petróleo para diversificar a sua economia, para melhorar as suas infra-estruturas, e para investir noutros sectores como o turismo e a indústria. Uma economia tão dependente do petróleo estará sempre vulnerável às naturais oscilações dos preços do crude nos mercados internacionais. Por outro lado, as receitas petrolíferas tendem a apreciar a moeda angolana, o que penaliza as outras exportações (um fenómeno que é chamado de "doença holandesa"). Neste sentido, se Angola pretende realmente diversificar-se para se tornar menos vulnerável às crises internacionais e para se desenvolver mais harmoniosamente, então esta "doença holandesa" terá que ser combatida a todo o custo, através de medidas que apoiem os potenciais sectores exportadores e através de políticas que potenciem alguma desvalorização cambial para contrair a apreciação associada à exportação do petróleo.

DE VOLTA

Após um longo intervalo, o Desmitos regressa. Obrigado a todos que me mandaram mensagens a perguntar se o blogue tinha terminado. A resposta é negativa. Tenho estado em viagem e ocupado com outras coisas, o que não me tem permitido actualizar o blogue com a frequência que gostaria. Nos próximos dias estarei em viagem (de regresso a Portugal por uns dias), o que afectará mais uma vez o blogue. No entanto, tentarei escrever tanto quanto me for possível.