16 abril 2011

PAGAR A CRÉDITO ATÉ AO DESAIRE FINAL

Nos últimos anos, o crédito foi das indústrias mais bem sucedidas no nosso país. O recurso ao crédito foi feito praticamente por todos os agentes económicos e por quase todos os sectores de actividade. A curto prazo, o crédito deu-nos a ilusão de que podíamos alcançar níveis de consumo que há muito almejávamos, mas que estavam acima das nossas possibilidades. Infelizmente, e como agora damos conta, os níveis de consumo desfrutados revelaram-se insustentáveis e as nossas dívidas acumularam-se a ritmos pouco saudáveis. E é exactamente por isso que hoje nos encontramos na iminência de termos de recorrer à ajuda externa para podermos evitar uma aterragem forçada, que teria consequências trágicas para a economia nacional.  
De quem é a culpa de todo este endividamento? De todos, embora alguns sejam mais culpados do que outros. Como é sabido, o Estado foi dos que mais recorreu ao crédito para levar a cabo toda a espécie de obras públicas. E foi assim que os nossos governantes construíram estradas, auto-estradas, túneis, pontes, escolas, hospitais, e até projectaram TGVs. Tudo feito com dinheiro emprestado pelo exterior ou pelos nossos filhos (na forma de dívida pública). Pior: a grande maioria dessas obras não foi paga pelos governos que mandataram a sua construção. As obras foram inauguradas, os governos ficaram com o crédito, mas quem vai pagar são os governos e os contribuintes vindouros, bem como as gerações futuras. Uma vergonha, como é óbvio.

Porém, não foi só o Estado a endividar-se. Nos últimos 15 anos, as famílias e as empresas endividaram-se a ritmos acelerados, de tal modo que as dívidas das famílias já ultrapassam os 100% do PIB, e as dívidas das empresas já totalizam mais de 150% desse mesmo PIB. Por outras palavras, Portugal é hoje um país onde as dívidas comandam as nossas vidas. As dívidas são também em parte responsáveis pelo fraco desempenho económico dos últimos anos. Porquê? Porque quando os países estão sobreendividados, os encargos com as dívidas são de tal ordem que sobram menos recursos para o consumo e para o investimento, diminuindo o crescimento económico. Moral da história: o endividamento pode dar-nos uma gratificação quase instantânea no presente, mas tem consequências terríveis quando não é sustentável. 
E é assim que hoje damos agora conta que todo este endividamento ameaça o nosso bem-estar. E enquanto não travarmos e invertermos de uma vez por todas este excessivo endividamento não será possível ambicionar um Portugal com futuro. É tão simples como isso. 
 
Nota: Meu artigo no Notícias Sábado do último fim de semana 

2 comentários:

rui fonseca disse...

Vale a pena chorar sobre o leite derramado? Não vale a pena.
O que vale a pena é deixar de continuar a entorná-lo.
E se todos somos culpados, há uns que são mais culpados que outros. E se todos podemos e devemos corrigir alguma coisa, há quem possa e deveria corrigir quase tudo.
Quem? Pois muito principalmente os bancos.
Foram os bancos que concederam, e muito frequentemente forçaram, crédito ao Estado e aos particulares para além do que razoavelmente eles poderiam suportar. E não foram, toda a gente sabe, apenas os bancos nacionais. Foram também os bancos espanhóis, alemães, franceses, etc., que, sem medir convenientemente os riscos, emprestaram muito mais do que deviam para garantir rendimentos colossais aos seus gestores. Nesses tempos as agências de rating eram laxistas e os triple ei abundantes.
Mas hoje, que os tempos são outros e os triple ei desapareceram dos nossos horizontes, as administrações dos bancos continuam a atribuir-se remunerações estratosféricas, a malta afluente continua a debandar para a estranja, o Sporting está em negociações para comprar um israelita por um milhão de euros, Portugal tem três equipas nas semi-finais da Taça Europa, e a gente pergunta-se ainda: Onde é que está a crise? De onde lhes vem o dinheiro?
Com discursos bem intencionados não vamos lá porque há muito que os valores deixaram de valer.
Se queremos que as pessoas poupem os bancos têm de garantir confiança nos depósitos e remunerá-los de forma atractiva; se queremos reduzir as importações e aumentar a capacidade produtiva os bancos deveriam travar a fundo o financiamento das primeiras e tornarem-se parceiros responsáveis da recuperação económica.
Como é que isso se faz? Como é que se induz a banca a trilhar outros caminhos? Em Portugal a Banca está muito concentrada em três ou quatro bancos privados e um público. Não deveria ser difícil obter-se um acordo de regime entre o Estado e a banca para a prossecução de uma política de crédito menos desastrada.
Bem sei que até um acordo de regime partidário é dificílimo em terra onde subsiste o tribalismo.
Mas é forçoso reconhecer que ou a banca muda o vício consumista e o despesismo infrene ou a situação mudará a banca. A começar por aquela, a Caixa, que deveria dar o exemplo e não dá porque se comporta como a ovelha do rebanho na cauda a pisar a caca que as outras vão deixando pelo caminho.
A Caixa tem sido, objectivamente, um dos maiores culpados da situação desastrosa a que chegámos, quando lhe competia ter sido exactamente o contrário. Assim, para que queremos uma Caixa pública? Para emprestar ao BPN e ao BPP, por ordem do Governo, dinheiros que agora o Governo está a pedir a todos?

Anónimo disse...

Caro Professor,
O aumento do consumo presente tem como contrapartida evidente a diminuição do consumo futuro. Mas as responsabilidades não podem ser igualmente destribuidas. Desde logo por uma questão de legitimidade. Os representantes políticos actuais, não têm a legitimidade para endividar as gerações futuras uma vez que estas não são representadas pelos actuais agentes políticos, nem os mandataram para tanto (votando neles). Razão pela qual deveria existir um limite constitucional ao endividamento de longo prazo. (se bem que em termos de construção jurídica este limite já exista por via dos tratados que permitiram a adesão ao euro e que impunham limites máximos de défice. Note-se que estes tratados vigoram na lei interna do país - se não me falha a memória - ao abrigo do nº 3 do 8 artigo da Constuição da RP, pelo que tais contratos e medidas que endividaram o país serão ilegítimos e nulos face a qualquer sistema de direito vagamente funcional, isto do ponto de vista do direito interno. Basta consultar qualquer bom manual de direito financeiro e finanças públicas, para saber que a responsabilidade pela criação de dívida pertence à assembleia da república e não ao executivo, e que este último só o pode fazer na medida em que for autorizada por aquela. E esta não é uma questão menor, pertence ao príncipio da separação dos poderes. Ora, ao contratar PPP´s a serem pagas in futurum, está-se a fugir ao controlo legal previsto na letra das normas legais e ao seu espírito (como aliás é igualmente o caso das desorçamententações em geral). Isto já seria, suficientemente grave se a dívida fosse presente, é duplamente mais grave - e ilegítima - sendo futura. O problema principal é um problema de estrangulamento e ausência de independência da justiça portuguesa que não funciona atempadamente, anulando actos ilegais (e punindo os agentes responsáveis por tais actos). Do ponto de vista da gestão é uma loucura suicidária e insustentável. Do ponto de vista económico como bem sabe, o peso do estado funciona como a inércia para a física, pelo que só teremos crescimento após a desalavancagem do estado (coisa difícil de fazer contracíclicamente). Dado que pt só gera um saldo líquido de emprego positivo com taxas de crescimento do pib acima do 3-3,5%, temos um problema grave porque isso só acontecerá após o estado ter diminuido o seu peso na economia (e o efeito não é automático, existe um hiato temporal). Para alindar o quadro, Vitor Bento (salvo erro no seu último livro) descreve o efeito de arrasto no OE que é cerca de 5%: Ou seja; assim que abrimos o orçamento (ainda nâo realizámos nenhuma despesa) e jà temos despesas correspondentes 5% do Pib (efeito do endividamento a que chegámos no passado e que já se reflecte no presente).