15 maio 2009

A CORRUPÇÃO E A CRISE

O meu artigo de hoje no PUBLICO.
Como a crise interna já se arrasta há quase uma década, tem-se propagado a ideia de que muitos dos nossos males provêm do elevado nível de corrupção que grassa em Portugal, um sentimento agravado com os badalados casos que recentemente têm vindo a público. Por isso, vale a pena perguntar: será mesmo assim? Afinal, quão grave é a corrupção em Portugal?

Para respondermos a estas perguntas, o melhor é socorrermo-nos aos estudos comparativos da corrupção no mundo. O mais conhecido é o da Transparency International, cujo índice de percepção de corrupção é dos mais utilizados pelos investigadores destas matérias. E o que é que este índice nos informa? Que, em 2008, Portugal se encontrava em 32º lugar entre 180 países em termos de percepção de corrupção. Na Europa, Portugal estava na 19ª posição (em 31 países), tendo uma classificação pior do que a Espanha, mas melhor do que a Grécia, a Itália e a República Checa. Isto é, em relação à percepção de corrupção, e contrariamente àquilo que às vezes se pensa, Portugal não é dos melhores, mas certamente não é dos piores. Portugal está ligeiramente pior do que a média europeia. Esta ideia é confirmada se atentarmos às práticas de corrupção. Inquéritos realizados por esta organização revelam que somente 2% dos entrevistados portugueses já pagaram um suborno para obter determinados serviços.

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Mas as notícias menos más acabam aqui. Este índice internacional mostra claramente que a de percepção de corrupção tem piorado nos últimos anos. Assim, em termos europeus, Portugal desceu 5 posições entre 1998 e 2008. Pior: dois terços dos portugueses esperam que os problemas de corrupção vão aumentar nos próximos anos e, ainda mais grave, dois terços de nós consideram que o governo tem sido ineficaz no combate à corrupção. Ou seja, a percepção da corrupção tem aumentado com o arrastar da crise económica e a desconfiança em relação aos nossos governantes tem crescido consideravelmente.

Esta ideia é confirmada se observarmos o impacto da corrupção nas várias instituições nacionais. Os portugueses consideram que os partidos políticos são muito corruptos e que o Parlamento, as autoridades fiscais, e o sistema judicial são corruptos. A Polícia e os serviços médicos são igualmente olhados com desconfiança. Moral da história: apesar de Portugal não ser um país onde a corrupção impera, é preocupante observar que a percepção de corrupção tem aumentado substancialmente e que o nosso sistema político é visto com extrema suspeição pelos portugueses. Decerto que esta desconfiança em relação aos partidos políticos não terá diminuído com a aprovação da nova lei do financiamento dos partidos.

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Claramente, esta tendência tem que ser invertida. Por isso, o próximo governo tem responsabilidades acrescidas nesta matéria, principalmente se pretender ter aspirações reformistas. Neste sentido, a primeira medida do próximo governo devia ser a introdução de um pacote credível de medidas anti-corrupção. Uma tal medida seria importante para restaurar a confiança dos portugueses nos seus governantes e instituições, bem como para travar a recente subida da percepção da corrupção. E como todos sabemos, a restauração da confiança é o primeiro passo para alcançar uma retoma económica há tanto esperada e desejada. Por isso, esperemos que os próximos governo e Parlamento tenham coragem de fazer aquilo que os portugueses crescentemente exigem: a introdução de leis anti-corrupção credíveis, que moralizem a vida pública e que ajudem a combater o generalizado clima de descrença que se vive no nosso país.

14 maio 2009

INTERESSE NACIONAL E O BLOCO CENTRAL

Aqui está um artigo que escrevi para o DN sobre um dos temas dos últimos dias, a constrituição de um Bloco Central. Apesar de pensar que os partidos se devem abster de falar sobre este assunto antes das eleições, acho que vale a pena pensarmos se um governo do Bloco Central faz ou nnão sentido num cenário em que nenhum partido alcança a maioria absoluta nas legislativas. É esse cenário que este artigo aborda:

"Nos últimos dias, intensificou-se o debate sobre as virtudes e as desvantagens de um governo do Bloco Central após as próximas eleições legislativas. Em circunstâncias normais, não faria sentido falar num novo Bloco Central. Contudo, nós não estamos em circunstâncias normais. Bem pelo contrário. Por isso, vale a pena relembrar o que está em causa.

Na última década, a economia nacional registou o pior desempenho dos últimos 80 anos, com o crescimento económico potencial a atingir valores já não vistos desde o início do século 20. Por que é que tal aconteceu? Estaremos numa trajectória de declínio irreversível, como alguns defendem? Não, pelo menos, não necessariamente. Convém não esquecer que, nas últimas décadas, a economia portuguesa foi das que mais cresceu na Europa, um evidente sinal de sucesso. Porém, também é claro que a economia portuguesa atravessa a mais grave crise de competitividade da sua história recente. Como é que chegámos a esta situação? Porque entrámos para o euro a uma taxa de câmbio demasiada elevada, o que encareceu as nossas exportações e diminuiu competitividade de muitos dos nossos sectores tradicionais. Ainda por cima, nos últimos 10 anos, os preços nacionais cresceram a um ritmo superior à média europeia, o que tornou os nossos produtos ainda menos apetecíveis. E a crescente liberalização do comércio internacional, a concorrência da China e a abertura da UE ao Leste Europeu agravaram ainda mais os nossos problemas de competitividade. Resultado: a economia estagnou e o bem-estar alcançado nas últimas décadas foi posto em causa.
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E é aqui que chegamos à questão do Bloco Central. Num cenário em que nenhum partido consiga alcançar a maioria absoluta nas legislativas, terá o país capacidade para combater eficazmente a crise e implementar uma nova política de competitividade? A resposta é claramente negativa. Perante os enormes desafios que se colocam à economia nacional e perante a grave crise internacional, Portugal não se pode dar ao luxo de ficar refém de partidos cujas políticas iriam agravar ainda mais o nosso problema de competitividade, nem refém do imobilismo que inevitavelmente seria associado a um governo minoritário. Por isso, nesse cenário, um governo do Bloco Central é um verdadeiro imperativo.

Será possível que o PS e o PSD consigam chegar a um acordo? Sim, pois nas grandes questões nacionais há mais consensos do que divergências irresolúveis entre os dois principais partidos portugueses. Nesse sentido, um governo do Bloco Central poderia ser um catalisador para prosseguir uma agenda reformista.

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Mas nem tudo seriam rosas. Provavelmente, um dos principais pontos de contenda num governo do Bloco Central seria a prioridade a dar aos grandes investimentos públicos. No entanto, talvez mesmo nessa questão seja possível chegar a um acordo, visto que, com o agravamento da crise económica, será cada vez mais difícil justificar desbaratar escassos recursos financeiros para embarcar em projectos financeiros irrealistas e potencialmente comprometedores para a saúde financeira do país.

Em suma, embora um governo PS-PSD possa ser difícil de alcançar ou de concretizar (pois há muitos interesses nos dois partidos para que um tal cenário não se materialize), a verdade é que um novo Bloco Central poderia ser o paliativo necessário para que algo mude em Portugal e para que os portugueses voltem a acreditar nos nossos políticos.

Há momentos em que a política partidária deve ser temporariamente posta de lado em prol do interesse nacional. Este é exactamente um desses momentos. E é por isso que faz todo o sentido falar num governo do Bloco Central."

13 maio 2009

GRANDE DEPRESSÃO OU GRANDE RECESSÃO?

Gráfico 1 _ PIB mundial na década de 1930 e actualmente
Dois ilustres historiadores económicos, Barry Eichengreen e Kevin O'Rourke, compararam o que aconteceu à economia mundial durante a Grande Depressão e durante os primeiros meses da recessão actual. Os investigadores chegaram à conclusão que a descida do PIB mundial desde Abril de 2008 tem sido tão acentuada como durante a Grande Depressão (ver gráfico acima). Pior, na crise actual os mercados financeiros mundial e o comércio internacional já desceram ainda mais do que na década de 1930. Quer isto dizer que estamos mesmo numa nova Grande Depressão? À primeira vista, parece que sim. No entanto, como já aqui falámos e como estes investigadores demonstram aqui, a grande diferença entre a Grande Depressão e a crise actual tem ocorrido ao nível da resposta da política económica. Esssencialmente, desde Abril de 2008, as taxas de juros já desceram muito mais depressa do que durante a Grande Depressão, oferta monetária tem aumentado muito mais depressa do que então (gráfico abaixo) e os governos têm aumentado os défices orçamentais a um ritmo muito superior. Por outras palavras, tanto a política monetária como a política fiscal têm sido muito mais agressivas (e expansivas) actualmente do que na Grande Depressão. Isto é, os governos e os bancos centrais aprenderam as lições do período da Grande Depressão e têm actuado mais rapidamente. Resta saber se vai resultar. É verdade que já há indícios que algumas economias na OCDE têm dados sinais que poderão estar a começar a recuperar, mas ainda é cedo para termos certezas.

Gráfico 2 _ Oferta monetária mundial na década de 1930 e actualmente
PS. Gráficos retirados daqui