18 julho 2010

PORTUGAL NÃO É A GRÉCIA


Há umas semanas atrás, comecei a colaborar com o Notícias Magazine numa coluna onde escrevo sobre macroeconomia de uma forma descontraída. Às vezes escrevo para a revista ensaios mais longos. Este é um deles. Uma comparação entre Portugal e a Grécia.
"Nos últimos tempos, temos ouvido frequentemente que Portugal não é a Grécia. Porém, quantas vezes nos questionámos: o que é que significa «não ser a Grécia»? Afinal, se a crise nacional já dura há quase uma década, se o desemprego atinge níveis históricos e a emigração se aproxima perigosamente dos níveis das décadas de 60 e 70, será que não estaremos tão mal, ou quiçá até pior, do que a Grécia?
Comparemos então alguns indicadores, para podermos perceber a verdadeira situação dos dois países.

Melhor do que a Grécia
Se olharmos somente para as finanças públicas, há poucas dúvidas que Portugal está melhor do que a Grécia. Assim, enquanto a Grécia registou défices orçamentais a rondar os 8% do PIB em 2008 e os 14% em 2009, os nossos défices foram substancialmente mais baixos, tendo sido 2,8% do PIB em 2008 e 9,4% em 2009. Elevados, é certo, mas bem menores do que os défices helénicos.


Défice orçamental (% do PIB)
 
O mesmo se passa com a dívida pública. Este ano espera-se que a Grécia tenha uma dívida pública acima dos 120% do PIB, enquanto Portugal terá “somente” uma dívida pública à volta dos 85% do PIB nacional. Mais uma vez, demasiado elevada, é certo, mas menor do que a grega.


Dívida Pública (%do PIB)


Os gregos sofrem ainda de um grave problema de credibilidade. Na última década, os governos gregos manipularam sistematicamente as finanças do Estado para poderem entrar no euro e para evitarem as restrições do Pacto de Estabilidade, tendo também mentido descaradamente anos a fio sobre o real estado das contas públicas.
O défice de credibilidade das nossas contas públicas é considerável, mas não é tão grave como o grego. Nós também manipulámos as nossas contas públicas, inventámos receitas extraordinárias, e adiámos o pagamento de elevadas despesas públicas para o futuro quando construímos auto-estradas e hospitais através das chamadas parcerias público-privadas (que começam a ser pagas principalmente a partir de 2013). No entanto, a manipulação e maquilhagem das nossas contas públicas foi um pouco menos grave do que a grega.
Para além do mais, Portugal também efectuou importantes reformas na Segurança Social, que nos permitem ter maior sustentabilidade nas contas públicas, enquanto a Grécia tem evitado implementar estas reformas por receio da pressão da opinião pública e dos sindicatos.
Há, no entanto, toda uma série de indicadores em que nós estamos, infelizmente, piores do que a Grécia. São estes indicadores que nos tornam vulneráveis aos olhos dos mercados financeiros.

Pior do que a Grécia
Portugal está pior do que a Grécia em dois aspectos. Em primeiro lugar, a última década foi muito pior para a economia nacional do que para a economia grega. A nossa economia está praticamente estagnada há cerca de uma década, enquanto a economia grega cresceu a taxas apreciáveis até 2008.
Em segundo lugar, Portugal tem uma dívida externa muitíssimo mais elevada do que a Grécia. A dívida externa diz-nos quanto é que o país (isto é, as famílias, as empresas e o Estado) deve ao exterior, e neste campo estamos bastante pior do que os gregos. Como podemos ver no próximo gráfico, a nossa dívida externa bruta (i.e. total) já ultrapassa os 220% do PIB, enquanto que a grega é “somente” de 167% do PIB.
Dívida externa em % do PIB

É exactamente por causa da falta da estagnação económica e do nosso elevadíssimo endividamento externo que os mercados nos têm visto com tanta desconfiança.

Moral da história
Estamos ou não estamos melhores do que a Grécia? Depende para onde olharmos. Se atentarmos somente para as contas públicas, estamos definitivamente melhor, apesar de, infelizmente, não termos grandes motivos para nos regozijarmos. Por outro lado, se olharmos para o endividamento externo e para o crescimento da economia, então estamos claramente pior do que os gregos.
O que é que isto quer dizer? Estamos condenados a ficar “gregos” como a Grécia? Estaremos tão perto da bancarrota como os gregos já estiveram? A resposta correcta a estas questões é: não, pelo menos, não necessariamente. Contudo, se quisermos evitar um colapso de dimensões helénicas só temos um caminho a seguir: efectuar toda uma série de reformas (no Estado, na Justiça e no mercado laboral) que poderão tornar a economia nacional mais dinâmica, e as nossas exportações mais competitivas nos mercados internacionais. Resta saber se haverá coragem política para o fazer.