Os números da execução orçamental de Janeiro já estão disponíveis, o que nos permite fazer uma avaliação inicial do sucesso que estamos a ter no combate ao défice orçamental. Antes de analisarmos os números em questão, gostaria de salientar duas coisas. Primeiro, é óbvio que um mês é só um mês, e que ainda há um caminho longo a percorrer. Segundo, é igualmente importante perceber que estes números estão em contabilidade pública enquanto a Comissão Europeia trabalha com os dados em comtabilidade nacional. Por isso, e como sempre, haverá sempre discrepâncias entre os tipos de dados, de modo que é preciso alguma cautela nas nossas conclusões. Dito isto, o que é que os números da execução orçamental nos dizem? Como é sabido, no sábado o governo fez um grande alarido, pois o "défice das contas públicas desceu 58,6% para 281,8 milhões de euros". Os meios de comunicação social exultaram com os novos números e ficou-se com a ideia de que as coisas estavam, finalmente, a correr bem ao nível da execução orçamental. Por isso, foi com grande expectativa que muita gente esperou pelos números da DGO, que foram finalmente publicados ontem. Para confirmar que as coisas estavam mesmo a correr bem, decidi confrontar os dados da execução orçamental de Janeiro de 2011 com os dados da execução orçamental do mês de Janeiro dos anos anteriores. E qual não foi o meu espanto (ou talvez não) quando percebi que a história por detrás dos dados da DGO é bastante diferente da euforia demonstrada pelo primeiro-ministro.
Com efeito, os números falam por si. Comecemos com a receita efectiva. Como podemos ver no gráfico 1, é, de facto, verdade que houve uma grande melhoria do lado da receita em relação a 2010. É natural, pois é preciso não esquecer que entre 2010 e 2011 tivemos dois agravamentos significativos da carga fiscal, o último dos quais representou o maior aumento de impostos das últimas décadas. Quer isto dizer que a receita fiscal subiu para valores nunca dantes obtidos nos últimos anos? Não propriamente. Com efeito, é interessante verificar que, em 2008, a receita fiscal de Janeiro foi superior à obtida este ano, e em 2007 a receita fiscal esteve muito perto da alcançada em 2011. Por outras palavras, apesar de devermos saudar a recuperação da receita fiscal, este aumento não foi de modo algum extraordinário, tendo havido somente um retomar dos valores da receita fiscal que vigoravam antes da crise internacional e da recessão que se seguiu.
Gráfico 1 _ Receita efectiva no mês de Janeiro 2007-2011
Fonte: DGO
Se atentarmos agora para a despesa efectiva global, a mensagem é ainda menos positiva. Quando todos nós esperávamos que a despesa efectiva finalmente baixasse, por causa das reduções salariais na Função Pública, por incrível que pareça, ficámos agora a saber que a despesa aumentou em relação a Janeiro de 2010. Aliás, e como podemos ver no gráfico 2, a despesa efectiva não só cresceu em relação a 2010, como é extraordinariamente mais elevada do que em 2007, em 2008 e em 2009. Ou seja, o despesismo continua, por mais que a propaganda do governo nos tente convencer do contrário.
Gráfico 2 _ Despesa efectiva no mês de Janeiro 2007-2011
Fonte: DGO
E se atentarmos finalmente para o saldo global do subsector do Estado em todos os Janeiros entre 2007 e 2011, não é difícil concluir que a grande redução do saldo que foi notícia de destaque no sábado em todos os meios de comunicação social só se verificou porque estamos a comparar os números deste ano com uma execução orçamental extraordinariamente má, que foi a de 2010. Se, por outro lado, compararmos a execução orçamental de Janeiro de 2011 com todos os anos excepto 2010, verificamos que os números de 2011 não são nada impressionantes. Assim, o saldo global do Estado em Janeiro de 2011 agravou-se 50% em relação a Janeiro de 2007, 115% relativamente ao saldo global em Janeiro de 2008, e 25% em comparação ao saldo global de Janeiro de 2009. Por isso, não adianta dizer que o saldo melhorou 58%, pois uma real comparação com os anos anteriores não é nada favorável.
Gráfico 3 _ Saldo global no mês de Janeiro 2007-2011
Fonte: DGO
Finalmente, se observarmos a evolução das despesas do Estado entre 2010 e 2011, é visível que os progressos foram bem menores do que os anunciados pelo governo. Assim, e como podemos ver no quadro abaixo, as despesas com o pessoal aumentaram 4,9%. Isto apesar do corte salarial decretado pelo governo. O que isto quer dizer é que se os salários não tivessem sido cortados, as despesas com o pessoal teriam aumentado ainda mais. Outra das rubricas que aumentou muito foram os consumos intermédios, que continuam a crescer com pouco controlo. Os únicos cortes significativos foram feitos na rubrica "subsídios" e nas "outras despesas de capital". Todas as outras rubricas das despesas ou aumentaram ou não foram reduzidas substancialmente. E foi assim que a despesa efectiva do nosso Estado não diminuiu em Janeiro em relação a 2010, mas, inacreditavelmente, aumentou 0,9%. Por outras palavras, o despesismo do nosso Estado está bem e recomenda-se.
Moral da história: a melhoria da execução orçamental foi manifestamente exagerada pelo governo. Compreende-se que o governo o tenha feito, pois luta desesperadamente pela sua sobrevivência. No entanto, lá por proclamarmos aos sete ventos que as coisas estão bem, não quer dizer que a realidade o confirme. Aliás, com execuções orçamentais assim, como é que queremos ter o benefício da dúvida dos mercados e dos nossos parceiros europeus? A verdade é que a propaganda do governo, por mais fantástica que seja, já não chega para disfarçar a verdade dos números. E, infelizmente, os números não nos são nada abonatórios.
Quadro _ Despesas do subsector Estado, Janeiro de 2010 e 2011
| 2010 | 2011 | Variação % |
Despesa corrente | 3619.7 | 3645.6 | 0.7 |
Despesas com o pessoal | 758.8 | 796.1 | 4.9 |
Aquisição de bens e serviços correntes | 34.0 | 53.2 | 56.5 |
Juros e outros encargos | 85.2 | 104.9 | 23.1 |
Transferências correntes | 2667.1 | 2631.2 | -1.3 |
Administrações Públicas | 2068.1 | 2078.9 | 0.5 |
Outras | 599.0 | 552.3 | -7.8 |
Subsídios | 31.3 | 11.3 | -63.7 |
Outras despesas correntes | 43.3 | 48.9 | 12.8 |
Despesa de capital | 262.7 | 269.8 | 2.7 |
Investimento | 5.9 | 8.4 | 43.1 |
Transferências de capital | 255.4 | 260.7 | 2.1 |
Administrações Públicas | 232.1 | 236.9 | 2.1 |
Outras | 23.4 | 23.8 | 2.0 |
Outras despesas de capital | 1.4 | 0.7 | -53.1 |
Despesa efectiva | 3882.4 | 3915.4 | 0.9 |