28 fevereiro 2011

LIÇÕES IRLANDESAS

Os resultados eleitorais na Irlanda são bem reveladores dos enormes custos políticos que os partidos no poder podem sofrer quando são responsabilizados pelas graves crises económicas que assolam os seus países. Já agora, um dos principais pontos na agenda do próximo governo irlandês é tentar renegociar os termos do plano de resgate acordado em Novembro de 2010 entre a Irlanda e a UE/FMI.
Lições para Portugal? 

QUANTO TEMPO MAIS? (2)

O Financial Times vê o recurso de Portugal ao FEEF e ao FMI como cada vez mais inevitável. O artigo do FT começa com estas palavras bem sintomáticas:

"Portugal is under increasing pressure to take a bail-out as its borrowing costs have stayed above a level widely considered unsustainable for longer than Greece and Ireland before their rescues last year."

EMIGRAÇÃO DA IRLANDA (2)

Mais dados sobre a emigração da Irlanda. O próximo gráfico dá-nos a migração líquida do território irlandês nos últimos 50 anos. Como já aqui mencionei, após décadas em que Irlanda registou a taxa de líquidas de migração positivas (isto é, em que os imigrantes que chegaram ao país foram superiores às pessoas que saíram), a grave crise económica dos últimos anos conduziu a um aumento da emigração e a uma diminuição da imigração. Por isso, desde 2008 que a Irlanda regista uma taxa líquida migratória negativa, que é crescente e muito significativa. Por outras palavras, a emigração regressou em força à Irlanda. Aliás, como já acontece em Portugal há alguns anos. E tal como nós, os irlandeses estão expectantes por saber os resultados do Censo da população deste ano.
Gráfico retirado daqui.

O PREÇO DAS POLÍTICAS ERRADAS

Se há uma imagem emblemática do terrível preço que as políticas erradas podem ter no bem-estar das populações, essa imagem é a da península da Coreia à noite. Como podemos ver na imagem de satélite abaixo, não deixa de ser chocante constatar as dramáticas diferenças de desenvolvimento entre dois países que partiram exactamente do mesmo ponto inicial há apenas 6 décadas atrás. As duas Coreias eram muito pobres quando se separaram, mas uma prosperou enquanto a outra optou pela falácia de um regime ditatorial, que faz da opressão e da propaganda o seu modo de vida.
Actualmente, a Coreia do Sul  é um dos países mais ricos do mundo e está povoada por cidades prósperas e modernas. A Coreia do Norte permanece nas trevas do desenvolvimento. O preço que os povos pagam pelas irresponsabilidades e pelas políticas erradas dos seus governantes é, sem dúvida, muito, mas mesmo muito elevado.

27 fevereiro 2011

LIZZ WRIGHT

Lizz Wright é uma das grandes vozes da nova geração do jazz e do soul. Agora lançou um novo álbum, Fellowship, dedicado ao gospel. Vale a pena conhecer, nem que não seja pela extraordinária voz desta cantora que ainda vamos ouvir falar muito nos próximos anos.


26 fevereiro 2011

MELHORAR OS EXEMPLOS

É sabido que a nossa classe política está bastante desacreditada aos olhos dos portugueses. Não é para menos. Não há ano (mês?) que passe sem que surjam escândalos, suspeitas e acusações que envolvem a nossa classe política, ou ex-dirigentes e ex-responsáveis de partidos políticos. Com efeito, para bem ou para mal, existe a percepção de que uma passagem por um cargo politico é muitas vezes meio caminho andado para exercer um alto cargo numa empresa pública ou com participação do Estado, num instituto público ou numa direcção-geral, ou mesmo numa empresa privada com fortes ligações ao nosso Estado. Há igualmente a ideia de que, muitas vezes, os nossos partidos políticos servem mais as suas clientelas partidárias do que zelam pelo interesse nacional. 
Esta desconfiança extremada e este clima de suspeição mais ou menos generalizado são extremamente nefastos para todos nós e para a própria economia nacional, pois têm um impacto significativo na confiança das populações e no próprio investimento. Por todos estes motivos, nos próximos anos, e quando a situação política o permitir, é absolutamente crucial acabar este estado de coisas. Assim, se desejarmos dar a volta à crise e implementar uma agenda reformista que ajude a economia a recuperar, não há melhor lugar por onde começar que não seja aqui mesmo. Mais concretamente, os políticos portugueses têm de melhorar os exemplos que dão, e têm de aumentar a transparência da vida pública e das ligações entre o Estado e os privados. Se os nossos políticos querem, de facto, diminuir o número de funcionários públicos, que melhor exemplo do que fazer governos com menos ministros, menos secretários de Estado e menos assessores? Se os nossos políticos pretendem racionalizar o nosso Estado, que melhor exemplo do que reduzir os números de institutos, de observatórios, e demais entidades e organismos públicos? Se os nossos políticos ambicionam moralizar o serviço público, por que não reduzir drasticamente os lugares de nomeação política disponíveis nos diversos ramos da Administração Pública e do sector empresarial do Estado? E por que não vedar por algum tempo o emprego em empresas públicas a ministros e secretários de Estado? Por que não fazer o mesmo para o sector empresarial local e para os autarcas de um determinado município? 
Estas e outras medidas poderiam melhorar, e muito, a confiança que os portugueses têm nos seus dirigentes. É que os bons exemplos são fundamentais. Tanto para a moralização da vida pública, como para dar um pouco mais de credibilidade à nossa descredibilizada classe política. 
 
Nota: Meu artigo no Notícias Sábado de 19 Fevereiro  

25 fevereiro 2011

A AUSTERIDADE É NECESSÁRIA?

O Jornal de Negócios e o blogue Massa Monetária iniciam hoje um Frente a Frente comigo e com o João Rodrigues dos Ladrões de Bicicletas. A pergunta do debate é "A austeridade é necessária para Portugal sair da crise?" 
Eu digo que sim, que a austeridade é necessária, mas não é suficiente, enquanto o João Rodrigues diz que não. Os argumentos dos dois campos podem ser lidos aqui. Os leitores podem ainda participar numa votação sobre o tema. 
Aqui está um cheirinho do meu argumento:
"Portugal enfrenta três grandes e difíceis crises: uma crise das finanças públicas, uma crise de competitividade, e uma gravíssima crise de endividamento externo. Todas estas crises estão relacionadas, mas são de tal modo profundas que os nossos parceiros europeus e os mercados internacionais pensam que não conseguiremos melhorar as nossas finanças públicas sem uma continuação da política de austeridade.
Ainda assim, será a austeridade mesmo necessária para Portugal sair da crise? Sim e não. Ou seja, a austeridade é necessária, mas não é suficiente. A austeridade é necessária para combater os desequilíbrios das contas públicas e o endividamento ao exterior. Sem um combate sem tréguas ao nosso elevado défice orçamental e à nossa dívida pública explosiva, não é difícil imaginar um cenário em que o financiamento da economia nacional poderia ser posto em causa, o que, por sua vez, daria azo a uma crise económica e financeira bem maior do que actual. Por isso, a austeridade é, de facto, necessária para evitar que tal aconteça.
O problema não é a austeridade, mas a maneira como nós a temos implementado..." O resto do texto pode ser lido no Massa Monetária.

AFINAL, NÃO TÃO BOAS

Afinal, as notícias relativamente à evolução da nossa posição externa líquida não são assim tão "boas". Como alguns leitores do blogue mencionaram em comentários e em privado, a melhoria da nossa posição externa líquida não aconteceu pelas melhores razões. Ou seja, a redução do nosso saldo negativo deveu-se totalmente  a motivos contabilísticos e não por uma melhoria fundamental da nossa posição internacional. Eu ainda não tive oportunidade de ler as explicações do Banco de Portugal, e, por isso, simplesmente reportei a melhoria dos números agora divulgados. Por isso, agradeço as informações adicionais que me foram transmitidas.
O JMC resume bem o que se passou:
"Infelizmente, as notícias não são assim tão boas. A posição externa líquida ficou melhor, de facto, mas foi por maus motivos. Foi essencialmente devido a variações dos preços dos activos e passivos. [veja o quadro C.3.7 do BE do BdP]. Há três grandes variações a considerar:
1) A perda de valor das Obrigações do Tesouro (que são passivos da economia portuguesa e, maioritariamente, activos de não residentes). O preço das Obrigações do Tesouro diminuiu em mercado secundário (por menor procura e por pressão vendedora), o que se tem traduzido em yields mais altas. A variação foi de 9,7 mil milhões de euros (5,8 p.p. do PIB). Por absurdo, a nossa posição externa líquida melhoraria em 40% do PIB se as
Obrigações do Tesouro passassem a valer zero (numa situação de default da dívida).
2) O aumento do preço do Ouro Monetário, que é um activo do Banco Central (2 p.p. do PIB).
3) A venda da participação na VIVO pela PT deu origem a mais valias, que são variações de preço da posição externa líquida, pois os activos estavam valorizados em carteira a um valor muito inferior ao valor a que acabaram por ser vendidas (cerca de 6 mil milhões, 3,6 p.p. do PIB).
Moral da história, sem estes efeitos a posição externa líquida aumentaria na medida do défice externo, que acabou por ser quase 9% do PIB."
Por outras palavras, ainda não foi desta que se deu uma verdadeira inversão desta preocupante tendência da economia nacional.

24 fevereiro 2011

FINALMENTE BOAS NOTÍCIAS

Como já aqui mencionei várias vezes, nos próximos anos se há crise que vai condicionar o bem-estar do país e o próprio andamento da economia nacional é a crise do endividamento externo. A nossa dívida externa é, de longe, o nosso problema mais grave e decerto que a sua evolução terá um papel preponderante para o país e para a condução da política económica e das finanças públicas nos próximos tempos.
Como todos sabemos, nos últimos anos andámos todos a fingir que este problema não existia (no final dos anos 1990 só um ou dois economistas, como Vítor Bento e Abel Mateus, fizeram menção ao problema), e os sucessivos governos ignoraram ostensivamente os nossos crescentes desequilíbrios externos. É natural. É muito mais apelativo falar de projectos "modernizadores" e preocuparmo-nos em inaugurar esta ou aquela auto-estradas ou aquele hospital (ainda por cima sem pagarmos um cêntimo ao utilizarmos as parcerias público-privadas como meios de financiamento) do que aborrecermos os eleitores com palestras sobre a dívida recorde que temos para com o exterior. Uma chatice, como é óbvio.
Porém, a verdade é que, nos últimos 15 anos, os desequilíbrios foram-se acumulando de forma gradual, mas  inexorável, até que chegámos a um ponto (em 2009), em que nossa posição externa líquida (que mais não é que a diferença entre os nossos activos no estrangeiro menos aquilo que devemos ao exterior, e assim é uma espécie de dívida externa líquida) ultrapassou uns incríveis 100% do PIB nacional. Vale a pena referir que o agravamento da nossa dívida externa líquida não parou de aumentar todos os anos entre 1995 e 2009, assim como podemos ver no gráfico abaixo. Ou seja, nos últimos 15 anos, temos andado a caminhar a passos largos para um abismo financeiro que já não conhecíamos desde, pelo menos, 1891.
E é exactamente por isso que os dados agora divulgados pelo Banco de Portugal sobre a nossa balança de pagamentos são tão importantes. Pela primeira vez nos últimos 15 anos, a nossa posição externa líquida melhorou, de 111,1% do PIB em 2009 para 108,5% do PIB em 2010. Sinceramente já muito tempo que não via um indicador da economia nacional que me deixasse tão contente. É pouco, eu sei. É muito pouco. É muito pouco e os nossos desequilíbrios externos ainda são elevadíssimos. Ainda por cima, esta melhoria aconteceu mais pelo crescimento do PIB do que pela descida da nossa dívida externa. E será suficiente para evitar consequências dramáticas relacionadas com a nossa insustentável dívida externa? É óbvio que não. Ainda há muito para andar.
No entanto, é um começo. Um começo muito importante. E, por isso, esperemos que esta inflexão da nossa dívida externa líquida esteja aqui para ficar. Este é que é o tipo de notícias que devíamos "celebrar" (desde que percebamos que este é apenas um pequeno começo) em vez de andarmos a fazer propaganda pouco correcta sobre a situação das nossas finanças públicas.
Como já defendi anteriormente, considero absolutamente fundamental que um próximo governo dedique uma atenção muito especial a este problema e que estabeleça metas muito precisas e plurianuais para o combate à dívida externa. É exactamente isso uma das medidas que defendo no meu novo livro. Aliás, é inevitável que o tenhamos de fazer, sob pena alguém de fora venha fazer o trabalho por nós.

Gráfico _ Dívida externa líquida em % do PIB, 1996-2010
Fonte: Banco de Portugal, Santos Pereira (2011)

23 fevereiro 2011

AINDA A EXECUÇÃO ORÇAMENTAL

Continuando a análise da execução orçamental de Janeiro iniciada aqui, vale a pena olhar para a evolução das receitas fiscais, visto que esta foi a área onde houve, de facto, "boas" notícias. Continuo a alertar que devemos ler estes dados, com cuidado, pois referem-se à execução orçamental de um só mês, havendo ainda muito por andar. Ainda assim, e visto que o foi o próprio governo a sublinhar o extraordinário "sucesso" da execução orçamental de Janeiro, vale a pena olharmos com mais pormenor para os dados disponibilizados  pela DGO. 
Mais concretamente, a que se deve o aumento de 14,4% das receitas fiscais em relação ao que tinha acontecido no período homólogo? À primeira vista, poderíamos pensar que esse desempenho tivesse sido devido ao IVA. Afinal, como sabemos, a taxa geral do IVA aumentou dois pontos percentuais, o que poderia indiciar um aumento significativo da receita deste imposto. Porém, tal não é verdade. Houve, sem dúvida, uma subida das receitas do IVA, mas somente na ordem de 6,6% em relação a Janeiro de 2010. Ainda por cima, e como salientei anteriomente, este desempenho só foi possível porque os anos de 2009 e de 2010 foram francamente maus para as receitas do IVA. O mesmo se passou nas execuções orçamentais de Janeiro desses anos. 
Mesmo assim, se atentarmos para 2007 e 2008, a subida do IVA registado este ano não é assim tão notória Neste sentido, e apesar da subida das taxas do IVA, se compararmos 2008 e 2011, verificamos que as receitas deste imposto subiram uns impressionantes 3,3 milhões de euros. Um grande sucesso, sem dúvida.

Gráfico 1 _ Receitas fiscais em Janeiro, IVA 2006-2011
 Fonte: DGO

Melhores desempenhos tiveram as receitas fiscais do IRS e do IRC. Assim, e como podemos ver no gráfico 2, no IRS arrecadaram-se cerca de 80 milhões de euros a mais em Janeiro de 2011 em relação a Janeiro de 2010 (embora só 42 milhões de euros a mais do que em 2008). Segundo o governo, "a variação homóloga do IRS em Janeiro é de 8,7%, explicada quer pela aplicação das tabelas de retenção na fonte introduzidas em 2010, quer pelo reforço da tributação dos rendimentos de capital neste período."

 Gráfico 2 _ Receitas fiscais em Janeiro, IRS 2006-2011
 Fonte: DGO

Por seu turno, o IRC teve uma subida extraodinária de 159%, que se justifica, de acordo com o relatório da execução orçamental, em "larga medida à tributação de dividendos objecto de distribuição antecipada no mês de Dezembro." Por outras palavras, uma medida que não se irá repetir.

Gráfico 3 _ Receitas fiscais em Janeiro, IRC 2006-2011
 Fonte: DGO

Em suma, e como sublinha o Pedro Braz Teixeira, se retirarmos os "efeitos irrepetíveis [das receitas fiscais], teríamos as receitas fiscais a crescer cerca de 7% e não os 15,1% registados". E se é assim, e sabendo que a despesa continua a subir, que confiança é que nós queremos dar aos mercados com este tipo de execuções orçamentais? Como é que nos podemos queixar se as coisas acabarem por correr mal?

REESTRUTURAÇÃO OU NÃO, EIS A QUESTÃO (6)

Fala-se cada vez mais abertamente sobre a possibilidade da Grécia e da Irlanda terem de reestruturar as suas dívidas, com haircuts entre 20% e 50%. Na campanha eleitoral, vários partidos sublinharam a insustentabilidade da dívida irlandesa e defenderam essa mesma reestruturação da dívida.
No Financial Times, Michael O’Sullivan, um economista irlandês, defende essa opção e afirma sem rodeios:
"A better path would see a managed restructuring, so the debt burden no longer rests just with the Irish taxpayer. Such a restructuring could include moves like an extension on debt maturity, while restructured debt could be backed by a pool of eurozone assets, or the exchange of euro bonds for Irish debt. However it is done, the aim would be to reduce the burden to the point that the repayment of outstanding debt is no longer a market concern. A plan engineered in collaboration with the European Union could also involve other troubled states, like Greece."
Num excelente artigo, Martin Wolf também defende a opção da reestruturação, e apresenta outras possibilidades:
"Apart from the Armageddon of a sovereign default, two partial escapes exist. The more trivial would be a reduction in the rate of interest on Ireland’s borrowing: a 1 per cent reduction in the rate of interest would save the state 0.4 per cent of GDP a year. That would be a small help, at least. A more valuable possibility would be a writedown of existing subordinated and senior bank debt, which currently amounts to €21.4bn (14 per cent of GDP). The ECB and the other members of the European Union have vetoed this idea, fearful of contagion. Indeed, the assistance package was partly to prevent just such an outcome. Yet the idea that taxpayers should bail out senior creditors of massively insolvent banks at such risk to the solvency of their state is both unfair and unreasonable."

Por sua vez, confirma-se que a dívida pública grega já ronda os 150% do PIB e até já o governo alemão considera que é preciso, no mínimo, uma extensão do plano de resgate atribuído a esse país. Não falta muito para que se discuta ainda mais claramente a necessidade de haver igualmente uma reestruturação da dívida helénica.
Sinceramente, e face ao que hoje sabemos, é difícil imaginar um cenário onde uma reestruturação da dívida grega não será feita. A acontecer, e como já defendi aqui várias vezes (e como O'Sullivan também advoga), seria bom que uma reestruturação das dívidas irlandesas e gregas fosse feita de forma coordenada ao nível europeu. E se tal acontecer, talvez fosse bom se nós pensássemos se valeria ou não a pena fazermos o mesmo.

LIVRO SOBRE O ESTADO DO ESTADO

Depois da louvável iniciativa e do debate do DN, chegou agora a vez do livro sobre o "Estado a que o Estado chegou". A sessão de lançamento é esta quinta-feira às 18h30 e será apresentada pelo presidente do Tribunal de Contas.
Um livro a não perder.

22 fevereiro 2011

O DESPESISMO CONTINUA

Os números da execução orçamental de Janeiro já estão disponíveis, o que nos permite fazer uma avaliação inicial do sucesso que estamos a ter no combate ao défice orçamental.  Antes de analisarmos os números em questão, gostaria de salientar duas coisas. Primeiro, é óbvio que um mês é só um mês, e que ainda há um caminho longo a percorrer. Segundo, é igualmente importante perceber que estes números estão em contabilidade pública enquanto a Comissão Europeia trabalha com os dados em comtabilidade nacional. Por isso, e como sempre, haverá sempre discrepâncias entre os tipos de dados, de modo que é preciso alguma cautela nas nossas conclusões.
Dito isto, o que é que os números da execução orçamental nos dizem? Como é sabido, no sábado o governo fez um grande alarido, pois o "défice das contas públicas desceu 58,6% para 281,8 milhões de euros". Os meios de comunicação social exultaram com os novos números e ficou-se com a ideia de que as coisas estavam, finalmente, a correr bem ao nível da execução orçamental. Por isso, foi com grande expectativa que muita gente esperou pelos números da DGO, que foram finalmente publicados ontem.
Para confirmar que as coisas estavam mesmo a correr bem, decidi confrontar os dados da execução orçamental de Janeiro de 2011 com os dados da execução orçamental  do mês de Janeiro dos anos anteriores. E qual não foi o meu espanto (ou talvez não) quando percebi que a história por detrás dos dados da DGO é bastante diferente da euforia demonstrada pelo primeiro-ministro. 
Com efeito, os números falam por si. Comecemos com a receita efectiva. Como podemos ver no gráfico 1, é, de facto, verdade que houve uma grande melhoria do lado da receita em relação a 2010. É natural, pois é preciso não esquecer que entre 2010 e 2011 tivemos dois agravamentos significativos da carga fiscal, o último dos quais representou o maior aumento de impostos das últimas décadas. Quer isto dizer que a receita fiscal subiu para valores nunca dantes obtidos nos últimos anos? Não propriamente. Com efeito, é interessante verificar que, em 2008, a receita fiscal de Janeiro foi superior à obtida este ano, e em 2007 a receita fiscal esteve muito perto da alcançada em 2011. Por outras palavras, apesar de devermos saudar a recuperação da receita fiscal, este aumento não foi de modo algum extraordinário, tendo havido somente um retomar dos valores da receita fiscal que vigoravam antes da crise internacional e da recessão que se seguiu.

Gráfico 1 _ Receita efectiva no mês de Janeiro 2007-2011
Fonte: DGO

Se atentarmos agora para a despesa efectiva global, a mensagem é ainda menos positiva. Quando todos nós esperávamos que a despesa efectiva finalmente baixasse, por causa das reduções salariais na Função Pública, por incrível que pareça, ficámos agora a saber que a despesa aumentou em relação a Janeiro de 2010. Aliás, e como podemos ver no gráfico 2, a despesa efectiva não só cresceu em relação a 2010, como é extraordinariamente mais elevada do que em 2007, em 2008 e em 2009. Ou seja, o despesismo continua, por mais que a propaganda do governo nos tente convencer do contrário.

Gráfico 2 _ Despesa efectiva no mês de Janeiro 2007-2011
 Fonte: DGO

E se atentarmos finalmente para o saldo global do subsector do Estado em todos os Janeiros entre 2007 e 2011, não é difícil concluir que a grande redução do saldo que foi notícia de destaque no sábado em todos os meios de comunicação social só se verificou porque estamos a comparar os números deste ano com uma execução orçamental extraordinariamente má, que foi a de 2010. Se, por outro lado, compararmos a execução orçamental de Janeiro de 2011 com todos os anos excepto 2010, verificamos que os números de 2011 não são nada impressionantes. Assim, o saldo global do Estado em Janeiro de 2011 agravou-se 50% em relação a Janeiro de 2007, 115% relativamente ao saldo global em Janeiro de 2008, e 25% em comparação ao saldo global de Janeiro de 2009. Por isso, não adianta dizer que o saldo melhorou 58%, pois uma real comparação com os anos anteriores não é nada favorável.

Gráfico 3 _ Saldo global no mês de Janeiro 2007-2011
 Fonte: DGO
Finalmente, se observarmos a evolução das despesas do Estado entre 2010 e 2011, é visível que os progressos foram bem menores do que os anunciados pelo governo. Assim, e como podemos ver no quadro abaixo, as despesas com o pessoal aumentaram 4,9%. Isto apesar do corte salarial decretado pelo governo. O que isto quer dizer é que se os salários não tivessem sido cortados, as despesas com o pessoal teriam aumentado ainda mais. Outra das rubricas que aumentou muito foram os consumos intermédios, que continuam a crescer com pouco controlo. Os únicos cortes significativos foram feitos na rubrica "subsídios" e nas "outras despesas de capital". Todas as outras rubricas das despesas ou aumentaram ou não foram reduzidas substancialmente. E foi assim que a despesa efectiva do nosso Estado não diminuiu em Janeiro em relação a 2010, mas, inacreditavelmente, aumentou 0,9%. Por outras palavras, o despesismo do nosso Estado está bem e recomenda-se. 
Moral da história: a melhoria da execução orçamental foi manifestamente exagerada pelo governo. Compreende-se que o governo o tenha feito, pois luta desesperadamente pela sua sobrevivência. No entanto, lá por proclamarmos aos sete ventos que as coisas estão bem, não quer dizer que a realidade o confirme. Aliás, com execuções orçamentais assim, como é que queremos ter o benefício da dúvida dos mercados e dos nossos parceiros europeus? A verdade é que a propaganda do governo, por mais fantástica que seja, já não chega para disfarçar a verdade dos números. E, infelizmente, os números não nos são nada abonatórios.

Quadro _ Despesas do subsector Estado, Janeiro de 2010 e 2011

2010 2011 Variação %
Despesa corrente 3619.7     3645.6 0.7
Despesas com o pessoal 758.8 796.1 4.9
Aquisição de bens e serviços correntes 34.0 53.2 56.5
Juros e outros encargos 85.2 104.9 23.1
Transferências correntes 2667.1 2631.2 -1.3
Administrações Públicas 2068.1 2078.9 0.5
Outras 599.0 552.3 -7.8
Subsídios 31.3 11.3 -63.7
Outras despesas correntes 43.3 48.9 12.8
Despesa de capital 262.7 269.8 2.7
Investimento 5.9 8.4 43.1
Transferências de capital 255.4 260.7 2.1
Administrações Públicas 232.1 236.9 2.1
Outras 23.4 23.8 2.0
Outras despesas de capital 1.4 0.7 -53.1
Despesa efectiva 3882.4 3915.4 0.9

PREÇOS ALIMENTARES

O Público analisou algumas das consequências do recente aumento dos preços dos alimentos e das matérias-primas nos orçamentos das famílias portuguesas, num artigo que contém umas pequenas declarações minhas.

A PRÓXIMA CRISE DO BRASIL

Apesar do extraordinário sucesso dos últimos anos, o Brasil começa a apresentar alguns sintomas preocupantes em relação ao crescimento do crédito e da saúde do sistema financeiro. E já há até quem preveja uma crise financeira, do género subprime americano, para os próximos anos se as as autoridades brasileiras não atacarem estes problemas o quanto antes.

KATRINA SOLAR

Após um ciclo de 11 anos em que esteve mais calmo, o nosso sol está novamente a ficar mais activo. Ora, o aumento da actividade solar poderá indiciar alguns problemas e, quiçá mesmo, enormes prejuízos para os sectores das telecomunicações. Há até quem considere que o mundo se devia preparar adequadamente para um eventual Katrina solar, um evento de tal forma catastrófico que poderia faz azo a prejuízos que poderiam ascender a 2 triliões de dólares (em numeração anglo-saxónica e brasileira ou 2 biliões de dólares em numeração portuguesa). Ou seja, mais de 10 vezes o PIB nacional.

21 fevereiro 2011

CONSUMO AO RUBRO

Um dos grandes factores responsáveis pelo excessivo endividamento da economia portuguesa prende-se com o elevado nível de consumo nacional relativamente ao nosso rendimento médio. Por outras palavras, e como muita gente tem advertido, nos últimos anos temos andado a consumir acima das nossas possibilidades. Interessa salientar que todo este consumo se deve não só ao Estado (que, ainda assim, e segundo os cálculos que revelo no novo livro, é responsável directa e indirectamente por quase 50% do endividamento nacional), mas também a todos nós, famílias e empresas. E é importante igualmente perceber que este fenómeno não é inteiramente recente, mas sim já se vem a manifestar nos últimos 15 a 20 anos.
É exactamente isso que podemos observar nos gráficos abaixo, que retratam bem o que se passou na economia nacional desde os meados da década de 1990. Comecemos com uma comparação do nível de consumo português e europeu (UE-27) no ano de 2008. Escolhi este ano, não só porque às vezes atribuímos os nossos problemas à crise internacional para tentar esquercer que não prestámos a devida atenção aos desequilíbrios internos e externos da economia portuguesa que já se vinham a acumular há pelo menos uma década, mas também porque os valores de 2009 são muito afectados pelo rápido crescimento do consumo público. 
Ora, como podemos ver no Gráfico 1, Portugal é um dos países da União Europeia que mais consome em percentagem do PIB nacional. O gráfico dá-nos o valor do consumo final (isto é, o consumo privado mais o consumo público) em percentagem do PIB, e é visível que só a Grécia e o Chipre têm níveis de consumos mais elevados do que os nossos em relação do PIB. É igualmente de notar que o consumo final português é de 87,9% do PIB, enquanto a média europeia é somente de 78,3% do PIB. Países como a Espanha, a Alemanha e a República Checa têm consumos finais em percentagem do PIB ainda mais baixos do que a média europeia.
Gráfico 1 _ Consumo final em percentagem do PIB, 2008
Fonte: Pordata

Mais uma vez, é de realçar que este elevado nível de consumo não se deve somente ao nosso Estado, mas sim tanto ao sector público, como ao sector privado. Ou seja, temos andado todos a consumir em demasia. O Estado tem exagerado (até porque o consumo público tem crescido bastante mais rapidamente do que o consumo privado), mas nós também.
É igualmente importante referir que este elevado consumismo não vem de hoje nem de ontem. Assim, se recuarmos aos meados da década de 1990 (quando ninguém suspeitava o que nos iria acontecer), Portugal já registava então valores de consumo final em percentagem do PIB superiores à média europeia. O problema é que, nos 15 anos seguintes, nós não só mantivemos os nossos consumos em percentagem do PIB acima da média europeia, como até agravámos essa diferença. Assim, enquanto em 1995, o nosso consumo final em percentagem do PIB era 4,4 pontos percentuais mais elevado do que a média europeia, enquanto mas essa diferença subiu para 7,1 pontos percentuais (gráfico 2) no ano em que a crise internacional eclodiu. Ou seja, se já andávamos a consumir acima da média europeia, nos últimos 15 anos o consumo nacional em relação à riqueza do país cresceu ainda mais depressa do que na Europa. 
Isto é, se os nossos consumos já eram elevados, nos últimos 15 anos tornaram-se notoriamente excessivos, se não mesmo insustentáveis para o nosso nível de riqueza (e para o crescimento económico medíocre que tivemos na última década). E é exactamente este um dos grandes factores que explica o nosso elevado nível de endividamento. 

Gráfico 2 _ Consumo final em % do PIB em Portugal e na UE-27, 1995 e 2008
Fonte: Pordata

Moral da história: nos próximos anos, teremos de inverter esta nefasta tendência, sob pena de sofrermos consequências muito graves se não o fizermos. Como é que podemos fazê-lo? Consumindo menos e canalizando as poupanças acrescidas para o abate da nossa elevadíssima dívida externa e para um aumento do investimento privado. 
Independentemente da estratégia a seguir, de uma coisa podemos estar certos: o caminho trilhado nos últimos anos não é sustentável. E quanto mais tempo levarmos para  invertermos os nossos comportamentos excessivamente consumistas, mais riscos correremos de o nosso endividamento externo ficar definitiva e irremediavelmente fora de controlo.

EVASÃO GREGA

A contas com uma gravíssima crise das finanças públicas, a Grécia aperta o cerco à gigantesca evasão fiscal existente no país. Apesar alguns progressos, o combate à evasão fiscal tem-se revelado bem menos eficaz do que o governo esperava.

NOVO REFERENDO

Vai haver um novo referendo na Islândia, o que vai permitir aos eleitores islandeses decidir (mais uma vez) se estão dispostos a pagar parte das dívidas dos seus bancos aos depositantes britânicos e holandeses que perderam as suas poupanças com a falência dos bancos islandeses. Já havia acordo entre o governo islandês e o Reino Unido e a Holanda, mas uma petição pública que contou com as assinaturas de cerca de 15% da população da Islândia fez com que o presidente do país reconsiderasse e submetesse esse acordo a um novo plesbicito popular. Resta saber se a decisão dos eleitores será a mesma da obtida no primeiro referendo, quando 93% dos votantes se manifestaram contra o pagamento de qualquer tipo de compensação à Holanda e ao Reino Unido. Algo me diz que o processo de candidatura da Islândia à União Europeia ficará de algum modo encalhado.

20 fevereiro 2011

RADIOHEAD


Os Radiohead têm um novo álbum, "The King of Limbs". O álbum só estará disponível nas lojas daqui a uns meses, mas já pode ser comprado aqui. Após tantos anos, continuam a ser a minha banda favorita.

19 fevereiro 2011

EXECUÇÃO ORÇAMENTAL

O semanário Sol fez-me algumas perguntas sobre a execução orçamental de Janeiro. Aqui estão as minhas respostas:
a) Que expectativas tem relativamente à execução orçamental de Janeiro?
Penso que, apesar de tudo, a execução orçamental de Janeiro vai correr razoavelmente bem. Nem que não seja pelo aumento brutal dos impostos. Aliás, não poderá ser de outra maneira. Estamos de tal forma sobre os holofotes dos mercados que não temos alternativa. Se falharmos, apressaremos ainda mais o recurso à ajuda externa (que, na minha opinião, irá inevitavelmente acontecer).
A grande questão sobre a execução orçamental nas próximas semanas tem principalmente a ver com a evolução das despesas. É aí é que veremos se o governo está a fazer o trabalho de casa que se exige (e que, por sinal, nunca fez).

b) A que rubricas específicas costuma dar mais atenção quando analisa o boletim mensal da DGO? Porquê?
Presto essencialmente atenção para a evolução das várias despesas, e, em particular, da despesa corrente primária (isto é, a despesa sem juros). Vejo ainda alguns impostos específicos (como o IVA), que indicam a evolução da eficiência fiscal e, principalmente, como é que a economia está a progredir (visto que este tipo de impostos responde muito às condições da economia). Outra rubrica que costumo ter atenção são os pagamentos dos juros, pois a sua evolução tem (e terá) um impacto muito considerável para a execução orçamental e para o valor final do défice.

c) Que áreas poderão ser mais problemáticas em termos de cumprimentos das metas orçamentais?  
Penso que este ano vamos ter muitos problemas com os juros que estamos a pagar pela colocação da dívida pública. Se, por exemplo, os pagamentos dos juros aumentarem muito (como está a acontecer), vamos ter de aumentar mais impostos (o que seria altamente indesejável) e cortar mais despesas para podermos cumprir as metas do défice previamente estabelecidas.
Outras áreas que poderão ser problemáticas incluem a Saúde e, quiçá, a menor colecta de receita fiscal lá mais para o final do ano, devido ao brusco abrandamento económico que se prevê. Resta igualmente saber a extensão verdadeira do buraco orçamental que tem sido escondido ou adiado para o futuro (incluindo os custos reais com o BPN).

ECB TO THE RESCUE

O BCE veio em nosso auxílio antes que as coisas ficassem definitivamente fora do controlo. Resta saber por quanto tempo mais.

A DESCOLAGEM ESPANHOLA E O FMI EM PORTUGAL (2)

O Diário Económico também falou do facto de nós estarmos a ficar cada vez mais sozinhos.

18 fevereiro 2011

A DESCOLAGEM ESPANHOLA E O FMI EM PORTUGAL

A Espanha parece ter descolado definitivamente de Portugal na percepção de risco que os mercados têm dos países europeus em dificuldades. E é exactamente por isso que enquanto as nossas taxas de juros nos mercados secundários da dívida pública continuam a subir vertiginosamente, as taxas de juros das obrigações espanholas estabilizaram. Porquê? Porque como afirma um analista no Financial Times:
“Spain seemed to have grasped the seriousness of the eurozone crisis quite early on and have been doing and, just as importantly, saying the right things.”
Por outras palavras, as autoridades espanholas diagnosticaram e perceberam desde cedo (na Primavera de 2010) a gravidade da situação e actuaram em hesitação, cortando salários, extinguindo e fundindo entidades e organismos públicos, liberalizando as leis laborais e recapitalizando os seus bancos. Por isso, nos meses seguintes, a Espanha conseguiu estabilizar o seu défice orçamental e o défice da balança corrente desceu de forma significativa.
Em contrapartida, o nosso governo fez tudo para adiar a implementação das medidas de austeridade mais gravosas e, quando o fez (em Setembro de 2010) foi devido a uma execução orçamental verdadeiramente desastrosa e inexplicavelmente má. Ainda por cima, e apesar de termos reduzido os salários, fingimos levar a cabo uma reforma administrativa de 50 institutos e entidades públicas (muitas das quais já tinham sido extintas ou sujeitas a fusão), as reformas laborais foram demasiado modestas, e o objectivo do défice orçamental para 2010 só foi "alcançado" através de uma claro malabarismo contabilístico (com o fundo de pensões da PT) que não enganou ninguém (vale a pena lembrar que até o próprio Financial Times denunciou esta situação).
Ou seja, enquanto os espanhóis tentaram logo apagar o fogo da agitação financeira com reformas estruturais profundas e uma austeridade credível, nós andámos primeiro a proclamar ao mundo que o fogo não era nosso, optando  então por aplicar uma espécie de austeridade a conta gotas que começa a agora a ter reflexos muito negativos na economia nacional. E foi assim que, quando demos conta (em Setembro) que afinal o fogo também era nosso, já era demasiado tarde. Porquê? Porque, ao adiar uma pilula mais amarga da austeridade, ao fingir que tudo estava bem, e ao permitir uma derrapagem indesculpável das contas públicas no primeiro semestre de 2010, o governo acabou com toda e qualquer réstia de credibilidade que nos sobrava. Ou seja, a partir desse momento os mercados e os nossos parceiros europeus não mais acreditaram em nós. Os governantes dos outros países podem afirmar o contrário em grandes declarações de solidariedade europeia, mas a verdade é que já não crêem que nós (isto é, os nossos governantes) sejamos capazes de dar a volta à situação sem ajuda externa.
Durante uns meses, ainda tivemos o apoio do BCE na compra da nossa dívida pública, mas, pelo que parece, os nossos parceiros europeus e o banco central já chegaram à conclusão de que talvez não valha a pena fazê-lo. E, por isso, nas últimas semanas o BCE tem evitado a compra da nossa dívida soberana. Porquê? Por vários motivos. Primeiro, porque a melhoria da situação orçamental e financeira espanhola significa que, se Portugal tiver de aceder ao FEEF e ao FMI, o risco de contágio à Espanha é manifestamente menor. E se é assim, o BCE já não tem de ser tão interventivo nos mercados da dívida, pois, se a Espanha estiver segura, a estabilidade do euro está garantida (pelo menos por enquanto). Segundo, se o risco de contágio for realmente baixo, não faz grande diferença à Europa que Portugal seja forçado a recorrer ao FEEF e ao FMI. Portugal é demasiado pequeno para ameaçar a Zona Euro (a Espanha não é). Terceiro, como as autoridades portuguesas perderam toda e qualquer credibilidade devido aos descalabros orçamentais em 2009 e em 2010 e ao manifesto irrealismo das suas políticas económicas, é bem possível que uma "vinda" do FMI a Portugal seja até bem vista na Europa, pois, pelo menos, os nossos parceiros europeus (principalmente os alemães) terão finalmente a garantia de que as reformas que precisamos de fazer serão realmente efectuadas. 
Por isso, esta descolagem da Espanha parece ser o factor que nos irá levar conduzir ao cada vez mais inevitável recurso ao FEEF e ao FMI. A não ser que a Europa resolva mesmo reforçar e flexibilizar o FEEF e que uma "vinda" do FMI seja disfarçada de ajuda europeia, sem que o FMI esteja envolvido. O que não parece ser possível neste momento. No entanto, e, pelas declarações dos das autoridades portuguesas, este parece ser o cenário que o governo espera fervosamente que aconteça para que possa garantir a sua sobrevivência por mais uns meses. Ou seja, para o governo não interessa se a ajuda europeia seja feita com condições altamente exigentes ou até em contrapartida de uma maior perda de soberania económica do nosso país. Para o governo, o que interessa é que essa ajuda não se esteja associada ao FMI. É tão simples como isso. Não falta muito para sabermos quem é terá razão.

MATERNIDADES PLANETÁRIAS

Pela primeira vez, cientistas conseguiram observar os chamados discos proto-planetários, onde os planetas dos diversos sistemas solares se formam. A imagem acima é exactamente desta maternidade de planetas e a notícia sobre esta descoberta pode ser vista aqui e aqui.

17 fevereiro 2011

GRANDES PROGRESSOS

Às vezes estamos tão absortos com a crise e com o curto prazo que esquecemos os enormes progressos que foram alcançados pelo nosso país no último meio século. Um dos grandes avanços foi na Saúde, pois, no espaço de 2-3 décadas, os nossos indicadores passaram da média que costumam caracterizar os países em desenvolvimento para a média dos países avançados (i.e. da OCDE).
Um destes indicadores é o da esperança média de vida. Em 2007, as mulheres portuguesas tinham uma esperança média de vida de 82,3 anos, uma média superior à média da OCDE, que era de de 81,7 anos. Em comparação, em 1960, a esperança média de vida das mulheres portuguesas era de somente 66,6 anos, enquanto a média da OCDE era de então de 70,8 anos. Para os homens, os valores respectivos para Portugal eram 61 anos em 1960 e 75,5 anos em 2007. Um progresso assinalável, portanto.
Aliás, um progresso ainda mais notável se nos lembrarmos que Portugal foi o país europeu onde este indicador mais progrediu nos últimos 50 anos, e o quarto países da OCDE que registou uma melhoria mais substancial na esperança média de vida dos homens e das mulheres.
Para que possamos visualizar estes progressos, o gráfico abaixo apresenta os anos adicionais da esperança média de vida das mulheres nos países da OCDE entre 1960 e 2007:

  Fonte: OCDE

PERGUNTAS INQUIETANTES

Perguntas que gostaria de ver respondidas: 
i) Quanto é que nos está realmente a custar o financiamento da dívida pública a estas taxas de juros em relação ao que nos poderia custar esse mesmo financiamento se recorressemos ao FEEF e ao FMI? Valerá a pena resistir a um financiamento mais barato (se for bem negociado) só para manter o governo em funções?
ii) Sabendo que financiamento da dívida a estas taxas de juros irá dar azo a centenas de milhões de euros adicionais em pagamentos de juros, onde é que o governo vai cortar ou que impostos vai subir para conseguirmos cumprir as metas do défice orçamental? Ou será que vamos absorver mais alguns Fundos de Pensões para fingirmos que está tudo sobre controlo?

MEIO BAILOUT

O Wall Street Journal fez uns cálculos a partir de um relatório da Comissão Europeia e chegou à conclusão de que os montantes do FEEF e do FMI não são suficientes para garantir as necessidades de financiamento da economia irlandesa até 2013. Aliás, tal como tinha acontecido com a Grécia. Mais concretamente, o WSJ estima que os fundos do bailout não chegam para a necessária recapitalização dos bancos irlandeses. Talvez só dêem para garantir metade do financiamento necessário. Deste modo, a Irlanda ainda terá de se financiar junto dos mercados financeiros, bem como dos aforradores irlandeses. De acordo com os cálculos do WSJ, as necessidades de financiamento irlandesas entre 2010 e 2013 são as seguintes:

€ billions Dec. 2010 + 2011 2012 2013 Total
Public-sector financing needs 40.2 29.5 29.2 98.9
+Bank recapitalization needs 25 5 5 35
=Total financing needs 65.2 34.5 34.2 133.9
-EU/IMF bailout money 42.9 19.7 5 67.5
-Use of Ireland’s own cash 12.5 2.5 2.5 17.5
=What’s left and needs to be raised 9.8 12.3 26.8 48.9
Tabela retirada daqui: (WSJ)


Seria bom que os nossos governantes estivessem bem atentos às lições a retirar dos bailouts da Grécia e da Irlanda, em caso de termos de recorrer também ao resgate do FEEF e do FMI. É que, se tal acontecer, é melhor que estejamos bem preparados, para que possamos ter uma posição negocial mais forte e mais esclarecida. Mas, claro, há sempre uma alternativa: podemos sempre culpar a Europa por não reforçar e flexibilizar os mecanismos de financiamento.

DATAS CRITICAS

Um calendário de algumas datas críticas para a Europa em 2011, incluindo as datas e os montantes de financiamento da dívida pública de Portugal e de Espanha (retirado daqui):

16 fevereiro 2011

619 MIL DESEMPREGADOS

Segundo os últimos dados do INE, já há 619 mil desempregados em Portugal, o que corresponde a uma taxa de desemprego de 11,1%. É a primeira vez desde que há registos que a taxa de desemprego se situa acima dos 11%. Em comparação, no último trimestre de 2009 o número de desempregados era de 563 mil. Ou seja, 56 mil novos desempregados só no ano passado, dos quais 40 mil são mulheres.
Outro dado preocupante é o número de desempregados de longa duração (i.e., desempregados há mais de um ano), que não pára de aumentar. Já são 327 mil. Só em 2010, o número de desempregados de longa duração aumentou nada mais nada menos do que 20,8%. Esta tendência é bastante alarmante, pois é sabido que o desemprego de longa duração é mais difícil de combater.   
Por região, as taxas de desemprego no último trimestre de 2011 variam muito (ver quadro). No Algarve já há quase 15% de desempregados, enquanto em Lisboa (12,3%) e na região Norte (12,7%) a taxa de desemprego já está acima dos 12%. Em relação a 2009, o desemprego subiu em todas as regiões, com a excepção dos Açores:


  Taxa de desemprego
Portugal 11.1
Norte 12.7
Centro 7.7
Lisboa 12.3
Alentejo 11.2
Algarve 14.8
Açores 7
Madeira 7.5

Finalmente, por grau de ensino, o desemprego aumentou em todos os grupos. Mais concretamente, a comparação do número de desempregados por nível de ensino entre o último trimestre de 2009 e o último trimestre de 2010 é a seguinte:


 4º trimestre 2009       4º trimestre 2010
Até ao Básico - 3º ciclo 412.4 418.5
Secundário e pós-secundário 95.9 124.9
Superior 55 75.6


Resumindo, o flagelo do desemprego está a aumentar a um ritmo muito preocupante. Infelizmente, este é um tema que, inexplicavelmente, continua fora da agenda política e é pouco retratado nos meios de comunicação social. Seria bom que os vários partidos começassem a dedicar mais atenção ao tema e apresentassem soluções concretas sobre como combater este enorme drama social e pessoal. 

15 fevereiro 2011

E SE OS FILHOS NÃO PAGAREM?

Todos nós sabemos que uma percentagem considerável dos nossos pensionistas vive em situações bastante precárias e difíceis. Porém, sabia também que, mesmo assim, Portugal é o quarto país da União Europeia que mais gasta no sistema de pensões? Pois é, é verdade. Só a Itália, a França, e a Áustria gastam mais nos seus sistemas de pensões (em percentagem do PIB) do que nós. Todos os outros países europeus da UE27 despendem bem menos do que nós com os seus pensionistas. Para além das razões que estão por detrás deste fenómeno, interessa perguntar: se o nosso sistema de pensões é assim tão caro, será que é sustentável? 
Talvez sim, ou talvez não. Esta pergunta faz sentido porque as nossas pensões são essencialmente baseadas no chamado sistema “pay as you go”, ou seja, são os trabalhadores no activo (ou seja, as gerações mais jovens) que financiam a maior parte das subvenções dos pensionistas. Só que, se é assim, será que não poderemos chegar a uma situação em que os mais jovens se recusem a pagar as reformas dos mais velhos? É certo que até agora, as gerações novas aceitaram financiar grande parte das pensões dos mais velhos. Todavia, tal só tem sido possível por duas razões. Primeiro, porque a economia nacional cresceu bastante nas últimas décadas e os rendimentos também aumentaram. Assim, as gerações mais novas não se importaram de utilizar parte dos aumentos de rendimentos para ajudar as gerações mais velhas. Em segundo lugar, as gerações mais novas têm aceitado suportar os mais idosos, porque, até agora, esperavam usufruir das mesmas regalias quando eles(as) também fossem mais velhos.
E aqui é que está o problema. Actualmente, a economia nacional pouco ou nada cresce (e assim os rendimentos pouco sobem), e, ainda por cima, começam a surgir algumas dúvidas se será possível financiar adequadamente as pensões das gerações mais novas quando estas tiverem idade para se reformar. Deste modo, não é inteiramente descabido pensar que, daqui a uns anos, os nossos filhos possam decidir não financiar as nossas reformas. Porquê? Porque não só o sistema de pensões actual não é inteiramente sustentável, mas também (e principalmente) porque o presente endividamento da economia nacional é muito elevado. E se nós vamos legar aos nossos filhos dívidas muito pesadas, como é que nos podemos admirar se eles um dia se virarem para nós e se recusarem financiar as nossas próprias pensões? E se eles(as) o fizerem, quem os(as) poderá condenar por isso? 
  
Notícias Sábado, 12 Fevereiro 2010

14 fevereiro 2011

ABRA UMA CONTA E SALVE O PAÍS

Ainda a propósito da necessidade de aumentar a poupança, aqui está um artigo que escrevi há alguns meses:
"Está preocupado(a) com uma possível insolvência de Portugal? Quer ajudar o seu país? Se sim, há uma pequena grande coisa que pode fazer. Se puder, pegue em 10, 20 ou mesmo 50 euros e vá abrir uma conta de poupança, um depósito a prazo ou faça uma outra aplicação financeira. Depois, nos próximos meses, faça exactamente o mesmo: pegue em 10, 20 ou 50 euros do seu ordenado e deposite-os no seu banco. Ao fazê-lo, estará a estimular a poupança interna, ajudando a limitar o financiamento externo da economia portuguesa, que é um dos nossos grandes desafios actuais.
Eu sei, eu sei. Hoje em dia, a rentabilidade dos depósitos é fraca, pois as taxas de juros estão historicamente baixas. Mas não se preocupe. As taxas não vão ficar baixas para sempre. Aliás, é até natural que nos próximos meses comecemos a ver os juros a subir. Quando tal acontecer, a rentabilidade das suas poupanças aumentará.
Aliás, a situação nacional chegou a tal ponto que nem é preciso esperar que o BCE suba as taxas de juros. Com efeito, os bancos estão hoje a oferecer juros cada vez mais vantajosos para os depositantes. Porquê? Porque os bancos nacionais têm tido uma dificuldade enorme em se financiarem no exterior. Por isso, os bancos têm procurado encontrar no mercado interno os fundos que não conseguem lá fora. E é assim que há actualmente uma enorme apetência pelo dinheiro de todos nós. Assim, tem mais um motivo para pegar nos tais 10, 20 ou 50 euros, e ir a um banco depositá-los. Ganha o país, ganham os bancos, e as suas poupanças permitir-lhe-ão um futuro com mais opções." 
Notícias Magazine, Setembro de 2010.

13 fevereiro 2011

LIVRO TERMINADO

Acabei de terminar a escrita do meu novo livro. Ainda não sei qual será o título definitivo (o provisório é "Como retomar o sucesso: O que fazer para vencer a crise nacional"), mas estou obviamente muito satisfeito por ter acabado. Foi uma longa, mas recompensadora viagem, em que acabei por aprender muitas coisas e abordar outras que nunca tinha investigado.
O livro acabou por ser muito diferente do que tinha sido inicialmente planeado. Era para ser um livro de finanças públicas escrito em co-autoria, mas acabou por ser não só um livro só meu, mas também, e principalmente, acabou por ficar um trabalho muito mais abrangente do que a mera questão das contas públicas (que permanece um dos temas, mas não o tema, deste trabalho).
Foi um livro bastante exigente, não só porque abarca temas muito diversos, mas também porque tenta apresentar medidas concretas para a crise nacional. 
A premissa principal é que Portugal vive hoje três grandes crises: a crise das finanças públicas, a crise da competitividade (e do crescimento anémico), e a crise do endividamento externo. Todas estas crises são analisadas de uma forma bastante detalhada em capítulos estanques, onde se tenta perceber os factores que conduziram ao seu aparecimento.
Foi nestes capítulos que estimei, calculei e abordei alguns dos temas que tenho vindo a falar aqui no Desmitos, desde a emigração à dívida pública e ao endividamento externo.
Porém, e dada a gravidade da situação actual, pensei que não podia ficar por um mero diagnóstico da situação. Afinal, toda a gente sabe (ou devia) quais foram os factores que contribuiram para a situação actual: uma difícil adaptação ao euro, a concorrência nos mercado internacionais de países como a China, a descida da produtividade nacional e a irresponsabilidade e as más políticas dos últimos anos. 
O que faltam são soluções. E é por isso que passo metade do livro a discutir possíveis soluções para os nossos principais problemas e para cada uma destas crises. Muitas destas soluções já têm sido abordadas no debate público, mas muitas outras não. 
Não sei se este é o meu melhor livro de Economia (não sou eu quem deve julgar), mas é seguramente uma análise muito abrangente da economia portuguesa. E quer as pessoas gostem das propostas do livro ou não, penso que o importante é debater soluções concretas para que possamos perceber o que é que uma nova política económica pode (e deve) oferecer em contraponto à irresponsabilidade e à incúria dos últimos anos.
A nível pessoal, o mais difícil está feito. Agora, são alguns dias intensos de revisões para depois enviar o manuscrito ao editor, o que decerto dará azo a mais e novas revisões. Se tudo correr como esperado, o livro será publicado em Abril pela Gradiva.

Para quem estiver interessado(a), os capítulos do livro têm os seguintes temas:
1. A crise de um século
2. A Grande Recessão Portuguesa
3. A crise das Finanças Públicas
4. A crise da competitividade
5. Um país endividado
6. Como atingir o equilíbrio orçamental e baixar a Dívida Pública
7. Como fomentar a competitividade
8. Como combater o endividamento externo
9. Políticas para retomar o sucesso
10. Retomar o sucesso

11 fevereiro 2011

RAZÕES PARA A CENSURA

Nas próximas semanas vamos debater até à exaustão as razões da moção de censura do Bloco de Esquerda, bem como se o PSD e o CDS devem aprovar um texto que terá certamente uma forte componente ideológica para poderem derrubar o governo. É claro que o timing interessa até porque um dia após a votação da moção, no dia 11 de Março, a Europa irá debater os mecanismos de reforço do FEEF. A recente instabilidade nos mercados financeiros será igualmente utilizada pelo governo para se vitimizar e para acusar a oposição de falta de patriotismo. No entanto, e independentemente, do texto da moção, ou de saber se o "FMI" chega em Março ou em Maio (ou até de saber se a Europa vai fazer do papel do FMI), não seria mais racional pensarmos no estado a que o país chegou? Para quem não sabe, aqui vão uns gráficos que ilustram bem a situação actual:
 
1) A média do crescimento económico é a pior dos últimos 90 anos
Fonte: Santos Pereira (2011)

2) A dívida pública é a maior dos últimos 160 anos

Dívida pública portuguesa em % do PIB, 1850-2010
Fonte: Santos Pereira (2011)

3) A dívida externa é, no mínimo, a maior dos últimos 120 anos (desde que o país declarou uma bancarrota parcial em 1892)

Dívida externa bruta em % do PIB, 1999-2010
Fonte: Santos Pereira (2011)
 
4) O desemprego é, no mínimo, o maior dos últimos 80 anos. Temos 610 mil desempregados, dos quais 300 mil são de longa duração

Taxa de desemprego em Portugal, 1932-2010
Fonte: Santos Pereira (2011)

5) Voltámos à divergência económica com a Europa, após décadas de convergência

PIB per capita português em % do PIB per capita da Europa Avançada 
Fonte: Santos Pereira e Lains (2010)

6) Vivemos actualmente a segunda maior vaga de emigração dos últimos 160 anos

Emigração portuguesa (milhares de pessoas), 1850-2008

Fonte: Santos Pereira (2010)

7) Temos a taxa de poupança mais baixa dos últimos 50 anos

Taxa de poupança bruta, 1960-2010
Fonte: AMECO, Santos Pereira (2011)

Isto já para não falar naquilo que se transformou a Justiça, nos problemas constantes e no facilitismo reinante no sector da Educação, no abuso inter-geracional que foi feito com as parcerias público-privadas, no endividamento recorde da economia nacional, no despesismo e no compadrio do Estado, entre muitos, muitos outros problemas. Por outras palavras, as verdadeiras razões de uma censura ao governo são muito claras. Muito claras mesmo. Só não vê quem não quer.