08 fevereiro 2011

FMI OU NÃO, EIS A QUESTÃO

No dia em que o jornal Expresso fazia manchete que, afinal, já não vinha aí o FMI (logo veremos), saiu um artigo meu onde explico o que é que poderia acontecer se chegarmos exactamente a esta situação, isto é, se nos virmos forçados a recorrer ao FEEF e ao FMI. Aqui está o artigo:

"O que acontecerá se Portugal for forçado a recorrer ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) e ao FMI? Quais serão as mudanças no nosso dia-a-dia? Para podermos responder a estas questões, vale a pena perguntar: será inevitável a vinda do FMI? Sim, é quase certo que tenhamos de recorrer ao FEEF e ao FMI ainda este ano. Porquê? Porque os nossos desequilíbrios financeiros e orçamentais são de tal modo graves e elevados, e o ataque especulativo aos países europeus endividados tem sido tão cerrado, que nos será muito difícil evitar o recurso ao FEEF e a subsequente vinda do FMI. A grande dúvida que ainda permanece não é “se” tal irá acontecer, mas sim “quando” é que isso irá ocorrer? 
Aliás, a única razão que poderá adiar a activação do FEEF e a entrada do FMI no nosso país é de natureza política: o governo sabe que será responsabilizado politicamente e pela própria História se o país tiver de se socorrer do FEEF e do FMI. Por isso, o governo fará todos os possíveis e os impossíveis para evitar cair nessa situação. Mesmo que, para isso, tenhamos de pagar juros insustentáveis ou que o financiamento do Estado Social fique numa situação muito difícil por causa do serviço da nossa dívida pública explosiva. Todavia, e apesar da previsível resistência por parte do governo, é muito natural que, mais cedo ou mais tarde, nos vejamos mesmo forçados a valermo-nos do FEEF e do FMI. Por isso, interessa questionar: o que é que acontecerá se o FMI cá vier? Será mesmo o fim do nosso mundo? O descalabro económico? Não, claro que não. Bem longe disso. Certamente que, com o FMI, teremos mais austeridade, o que tornará uma recessão em 2011 ainda mais certa. No entanto, isso não é propriamente uma novidade, visto que as projecções mais recentes do Banco de Portugal já prevêem uma recessão para o nosso país. Com ou sem FMI. Ou seja, não é pela austeridade ou pela falta dela que o FMI virá cá ou não. 
Mas, será verdade que o FMI nos obrigaria a fazer novas reduções salariais? Provavelmente não. É possível que as reformas acima dos 2500 ou 3000 euros fossem afectadas, mas não é crível que o FMI optasse por um novo corte salarial. Porquê? Porque não só não existiria vontade política para o fazer, mas também porque os riscos de uma convulsão social seriam bastante elevados. Por isso, os custos de um novo corte de salários seriam bastante mais altos do que os benefícios, diminuindo a eficácia de tal medida. 
Dito isto, parece-me evidente que há toda uma série de factores que estariam associadas a um recurso ao FEEF e ao FMI. Em primeiro lugar, decerto que o FMI insistiria numa nova reforma laboral e uma maior flexibilização do nosso mercado de trabalho. Porquê? Porque todas as organizações internacionais apontam a rigidez do nosso mercado de trabalho como uma das razões para a fraca competitividade da economia nacional. Deste modo, é mais do que natural que o FMI (e os nossos parceiros europeus) desse uma grande ênfase à reforma do mercado de trabalho para ajudar a melhorar a competitividade das nossas exportações. 
  
Em segundo lugar, a chegada do FMI certamente significaria uma actualização dos preços praticados pelas empresas públicas de transportes e uma redução de custos das restantes empresas do Estado. Para bem ou para mal, muitas das nossas empresas públicas são cronicamente deficitárias, muitas das quais pertencem ao sector dos transportes. Estão nestas circunstâncias empresas como a Carris, a Refer, e os Metros de Lisboa e do Porto. Estes défices crónicos têm contribuído para um crescente endividamento das empresas públicas, que tem rondado os 3 mil milhões de euros ao ano. Como é evidente, mais cedo ou mais tarde, este endividamento terá de ser pago. Como? Com os nossos impostos ou com os impostos dos nossos filhos (isto é, com a emissão de mais dívida pública). 
Estes défices crónicos das empresas públicas são em parte explicados pelos preços praticados por estas empresas, bem abaixo do que seria aconselhável para garantir a saúde financeira destas empresas. Por isso, e para garantir a sustentabilidade destas empresas e das contas públicas nacionais, é muito natural que o FMI sugerisse ao nosso governo uma actualização significativa dos preços praticados por estas empresas. 
  
Em terceiro lugar, é natural que o FMI recomendasse uma redução de algumas prestações sociais, de forma a garantir uma maior sustentabilidade das nossas contas públicas. Por último, certamente que o FMI iria exigir auditorias abrangentes às nossas contas públicas, bem como uma maior transparência das mesmas finanças do Estado.
Tudo somado, ficamos a saber que o FMI não é nenhum papão nem nos vai conduzir ao abismo. Muitas destas medidas teriam de ser implementadas, agora ou mais tarde. A diferença é que, de uma vez por todas, o FMI nos vai obrigar a fazer aquilo que continuamos a fingir que andamos a fazer. Ou seja, limitar os défices orçamentais e a dívida pública. Uma diferença que, decerto, fará toda a diferença e que, ironicamente, poderá contribuir para que o nosso país regresse finalmente à senda do crescimento económico."

Notícias Sábado, 5 de Fevereiro

1 comentário:

Rui Barradas disse...

Meu caro Álvaro, até que enfim que oiço alguém falar deste assunto com bastante coerência. Concordo plenamente com a sua abordagem ao assunto e tocou no ponto certo. Até quando vai o governo fingir que não precisamos de ajuda,ajuda essa que não seria decerto necessária se a governação do país não estivesse nas mãos de gente inconsequente e de veras irresponsável. Se esses senhores do governo tivessem que governar uma casa de familia como eu e a minha esposa que temos 4 filhos,seriam sem dúvida mais uns que estariam a pedir ajuda a DECCO para resolverem os seus problemas finaceiros.Será que não compreendem que quanto mais atrasam a vinda do FMI mais endividados ficamos ? E será que não percebem que os abutres europeus tudo farão para ter o nosso país sempre na mó debaixo ?