21 fevereiro 2011

CONSUMO AO RUBRO

Um dos grandes factores responsáveis pelo excessivo endividamento da economia portuguesa prende-se com o elevado nível de consumo nacional relativamente ao nosso rendimento médio. Por outras palavras, e como muita gente tem advertido, nos últimos anos temos andado a consumir acima das nossas possibilidades. Interessa salientar que todo este consumo se deve não só ao Estado (que, ainda assim, e segundo os cálculos que revelo no novo livro, é responsável directa e indirectamente por quase 50% do endividamento nacional), mas também a todos nós, famílias e empresas. E é importante igualmente perceber que este fenómeno não é inteiramente recente, mas sim já se vem a manifestar nos últimos 15 a 20 anos.
É exactamente isso que podemos observar nos gráficos abaixo, que retratam bem o que se passou na economia nacional desde os meados da década de 1990. Comecemos com uma comparação do nível de consumo português e europeu (UE-27) no ano de 2008. Escolhi este ano, não só porque às vezes atribuímos os nossos problemas à crise internacional para tentar esquercer que não prestámos a devida atenção aos desequilíbrios internos e externos da economia portuguesa que já se vinham a acumular há pelo menos uma década, mas também porque os valores de 2009 são muito afectados pelo rápido crescimento do consumo público. 
Ora, como podemos ver no Gráfico 1, Portugal é um dos países da União Europeia que mais consome em percentagem do PIB nacional. O gráfico dá-nos o valor do consumo final (isto é, o consumo privado mais o consumo público) em percentagem do PIB, e é visível que só a Grécia e o Chipre têm níveis de consumos mais elevados do que os nossos em relação do PIB. É igualmente de notar que o consumo final português é de 87,9% do PIB, enquanto a média europeia é somente de 78,3% do PIB. Países como a Espanha, a Alemanha e a República Checa têm consumos finais em percentagem do PIB ainda mais baixos do que a média europeia.
Gráfico 1 _ Consumo final em percentagem do PIB, 2008
Fonte: Pordata

Mais uma vez, é de realçar que este elevado nível de consumo não se deve somente ao nosso Estado, mas sim tanto ao sector público, como ao sector privado. Ou seja, temos andado todos a consumir em demasia. O Estado tem exagerado (até porque o consumo público tem crescido bastante mais rapidamente do que o consumo privado), mas nós também.
É igualmente importante referir que este elevado consumismo não vem de hoje nem de ontem. Assim, se recuarmos aos meados da década de 1990 (quando ninguém suspeitava o que nos iria acontecer), Portugal já registava então valores de consumo final em percentagem do PIB superiores à média europeia. O problema é que, nos 15 anos seguintes, nós não só mantivemos os nossos consumos em percentagem do PIB acima da média europeia, como até agravámos essa diferença. Assim, enquanto em 1995, o nosso consumo final em percentagem do PIB era 4,4 pontos percentuais mais elevado do que a média europeia, enquanto mas essa diferença subiu para 7,1 pontos percentuais (gráfico 2) no ano em que a crise internacional eclodiu. Ou seja, se já andávamos a consumir acima da média europeia, nos últimos 15 anos o consumo nacional em relação à riqueza do país cresceu ainda mais depressa do que na Europa. 
Isto é, se os nossos consumos já eram elevados, nos últimos 15 anos tornaram-se notoriamente excessivos, se não mesmo insustentáveis para o nosso nível de riqueza (e para o crescimento económico medíocre que tivemos na última década). E é exactamente este um dos grandes factores que explica o nosso elevado nível de endividamento. 

Gráfico 2 _ Consumo final em % do PIB em Portugal e na UE-27, 1995 e 2008
Fonte: Pordata

Moral da história: nos próximos anos, teremos de inverter esta nefasta tendência, sob pena de sofrermos consequências muito graves se não o fizermos. Como é que podemos fazê-lo? Consumindo menos e canalizando as poupanças acrescidas para o abate da nossa elevadíssima dívida externa e para um aumento do investimento privado. 
Independentemente da estratégia a seguir, de uma coisa podemos estar certos: o caminho trilhado nos últimos anos não é sustentável. E quanto mais tempo levarmos para  invertermos os nossos comportamentos excessivamente consumistas, mais riscos correremos de o nosso endividamento externo ficar definitiva e irremediavelmente fora de controlo.

4 comentários:

Guillaume Tell disse...

E pelos vistos, do lado do público, por enquanto não parece diminuir o consumo, apesar dos PECs e do Orçamento-que-protegerá-Portugal-e-o-Estado-Social.

http://blasfemias.net/2011/02/21/sintese-da-execucao-orcamental/

Guillaume Tell disse...

E pelo os vistos o Estado não dá mostras de preceber isso.

http://blasfemias.net/2011/02/21/sintese-da-execucao-orcamental/

José Luiz Sarmento disse...

As médias, sempre as médias... Quem é que realmente consome demais? Todos e cada um de nós, ou todos em média? Da resposta a esta pergunta dependem as as decisões políticas sem as quais não haverá solução para os problemas económicos. E é precisamente a isto que os economistas não respondem.

Anónimo disse...

É curioso ouvir que os economistas não têm resposta para a crise económica que atravessamos, quando o nosso presidente da república durante já dois termos, e chefe de sucessivos governos nos anos 90, é ele mesmo economista.
A falta de responsabilidade na conducao da economia do país tem sido uma constante, independentemente de que governo portugal tem tido. Talvez porque as prioridades politicas da luta para chegar ao poder são determinantes no estabelecimento de prioridades politicas.