25 maio 2010

CRISE RENOVADORA

A crise que vivemos é muito mais do que uma mera consequência da crise financeira internacional de 2008 e da crise da dívida soberana de 2010. A crise nacional é, acima de tudo, uma crise interna que se vem arrastando há quase 10 anos, e que se agravou consideravelmente nos últimos dois anos por influência destas crises internacionais. Porém, a convulsão das últimas semanas veio somente confirmar que o caminho que temos vindo a trilhar não é, de forma alguma, sustentável.
É igualmente patente que as últimas semanas foram a machadada final neste governo. O governo está completamente desacreditado, infinitamente descredibilizado e irremediavelmente desorientado. Não tem salvação possível. O governo só não cai porque seria irresponsável fazê-lo nesta altura em que os mercados financeiros ainda não estão serenados, e porque temos eleições presidenciais para o ano. Se não, o mais certo é que já estivéssemos a caminho de novas eleições ou já teríamos um governo de iniciativa presidencial. Mesmo assim, este é claramente o momento de começar a pensar e a preparar o futuro, e de debater os alicerces fundadores de uma nova política económica, que nos resgate do irrealismo e das irresponsabilidades dos últimos anos. 
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A crise chegou a tais proporções que um próximo governo irá simultaneamente ter mais dificuldades em governar, mas mais facilidades em reformar. Será mais difícil governar porque terão que ser tomadas medidas corajosas que irão causar alguma contestação social e sindical, e porque as medidas de austeridade terão que continuar por algum tempo. Porém, o próximo governo terá igualmente condições quase únicas para poder efectuar reformas estruturais, principalmente ao nível do aparelho do Estado. E é esta a grande oportunidade da Grande Crise portuguesa. Esta poderá ser, de facto, uma autêntica crise renovadora, pois a gravidade da mesma oferece-nos uma oportunidade ímpar para efectuar uma reforma profunda e duradoura do nosso Estado. Uma reforma que poderá marcar as próximas gerações. É assim chegada a hora de inverter o excessivo despesismo do Estado, que debilita a nossa economia e fragiliza o sector privado. É chegada a hora de acabar com o crescimento desmesurado de um Estado cada vez mais desproporcionado à dimensão da economia nacional e financiado por um apetite fiscal excessivamente voraz. E é chegada a hora de acabar com o chocante clientelismo e inaceitável favoritismo do Estado.
Contrariamente ao que às vezes se pensa, Portugal não tem necessariamente que declinar. Portugal tem que se reformar. Para que tal aconteça, é preciso uma visão estratégica e vontade política. Para bem de todos, esperemos que o próximo governo esteja à altura deste desafio e de aproveitar esta crise para renovar Portugal.

6 comentários:

Gi disse...

Oxalá, Álvaro, oxalá, mas receio que o clientelismo e o safe-se quem puder levem a melhor.

Carlos Pereira disse...

Como dizia a deputada estadual brasileira Cidinha Campos na sua célebre intervenção, é tudo uma questão de ADN. Ou há coragem política e um líder isento, que ainda não tenha o ADN infectado, ou será tudo do mesmo.

Carlos Pereira

a.Küttner disse...

Caro Álvaro

Totalmente de acordo com o que escreve!

O actual Governo já não vai lá, o actual PM já está totalmente desacreditado!

Eleições hoje seria um non-sense.


MAS!!!!!!!!!!!!!!!


Mas penso que há falta de uma adequada intervenção do PR, que em vez de vir falar no casamento entre pessoas do mesmo sexo, e aprovar o que não devia aprovar com pretexto economico, devia falar do problema financeiro e economico, em concreto.

E o problema é que hoje nós simples desconhecidos-cidadãos - anonimos, não estamos a acreditar em nenhuns dos nossos politicos, em nenhum dos nossos deputados.

Perde-se tempo e gasta-se dinheiro a falar a tratar do não necessario.
Perde-se tempo e gasta-se dinheiro com ninharias e fala-se do que não tem interesse.

E pior no horizonte só se vê mais do mesmo, com as mesmas mordomias, o mesmo clentalismo.

Para mudar é necessario mais dignidade, mais vontade, melhor atitiude, menos arrogancia...aonde? em quem?

um abraço

Augusto

antonio disse...

Caro Àlvaro,

Num post mesmo abaixo deste você cita o relatório Porter.

È isso mesmo, Álvaro, vamos 20 anos atrasados. O preço a pagar vai ser muito alto. O país vai acabar? Não. Ninguem nos quer comprar.

Mas de facto produz-se muito pouco em Portugal. Em quantidade e qualidade. E a mentalidade do português é inacreditável.

E isso não se muda sequer em meio século.

Vai uma aposta de que vamos meter muita água???

Ana disse...

Precisamos de mais do que isso. Precisamos de novas mentalidades e novos modelos de subsistência, ou daqui a dez anos as discussões passarão a estar centradas no "onde arranjar o alimento hoje" e no "onde vamos dormir hoje", ou seja, na sobrevivência pura e dura. Fatalista? Talvez. Mas os especialistas mais optimistas dão-nos dez anos para mudar...

Manuel Leiria de Almeida disse...

Pois... É preciso mudar. Mas para onde? A não ser propostas muito genéricas que não ajudam nadica de nada, não vejo propostas credíveis de "para onde ir" e "que estrada tomar".
Não adianta muito estar sempre a repetir o velho "só sei que não vou por aí" se não se derem pistas concretas sobre para onde e como ir. Venham de lá essas propostas: fazer o quê? Como?
E toda a gente fala mal do Estado mas creio que este é fundamentalmente um "Estado líquido": como qualquer líquido tem uma tendência voraz a ocupar os espaços vazios.... E vazios de "quem"? Do empresariado (privado), claro! Todos se queixam do Estado mas vejo poucos a queixarem-se de quem, provavelmente, tem mais culpas no cartório: um empresariado nacional que, tirando um punhado de excepções, não vale um tostão furado! Volta, Alfredo (Melo)! Volta António (Champallimaud)... Estão perdoados! :-)
Mais uma "coisinha": até com os sindicatos temos azar!... Há lá força mais conservadora do que esta?!... Todos pelos que estão no sistema; todos, na prática, contra os que estão fora do sistema...

E para terminar voltando ao "para onde ir": será que o futuro é mesmo "virarmos" "jangada de pedra"? Mas ainda assim, para onde ir? Mais para sul, lá para as bandas dos brasis, ou mais para leste, ali para as redondezas da Alemanha, da Holanda, da Suiça (ver o recente artigo do "Economist" sobre a nova geografia da Europa :-) )?
No fundo, no fundo, a culpa é do Gorbachev e da queda do muro de Berlim. E do Mao Tse Tung, que morreu e não devia ter morrido... :-)