30 setembro 2010

O PREÇO DA IRRESPONSABILIDADE


As medidas anunciadas ontem pelo governo para o auto-proclamado “reforço da execução orçamental” e para o OE suscitam-me vários comentários e dúvidas por esclarecer.
Em primeiro lugar, parece-me por demais evidente que este pacote de medidas draconianas se deve única e exclusivamente à inacreditável irresponsabilidade e à incompetência atroz deste Primeiro-Ministro e deste Ministro das Finanças. As reduções salariais e um novo aumento dos impostos poderiam ter sido perfeitamente evitados se o governo já tivesse anteriormente atacado o crescimento explosivo da despesa pública ou, no mínimo, tivesse conseguido travar o inexplicável descontrolo orçamental. Ora, por razões eleitorais, o governo fez exactamente o contrário dos restantes países europeus: não só adiou os cortes na despesa pública, como também fez tudo para encobrir a verdadeira situação das contas públicas portuguesas. A consequência de tal incúria é fácil de medir: nos meses que se seguiram ficou por demais evidente que este governo é perfeitamente incapaz de controlar o despesismo voraz do nosso Estado, o que fez com que Portugal tivesse que se financiar no exterior a taxas cada vez mais desvantajosas. Assim, a culpa de estarmos a pagar juros mais caros para nos financiarmos não é nem dos “malvados dos mercados” ou dos “especuladores da alta finança”, nem, muito menos, do principal partido da oposição que cometeu o supremo ultraje de exigir o corte da despesa do Estado. Não. A culpa de estarmos a pagar juros bem mais caros é, pura e simplesmente, só da responsabilidade deste governo e do descalabro orçamental que nos remeteu. Se não acreditam no que eu digo, perguntem a qualquer analista estrangeiro independente sobre qual é a sua opinião sobre a actuação do governo português nesta matéria.  “Lamentável” ou “medíocre” serão decerto as respostas mais ouvidas. Ora, o preço de termos esperado estes meses todos antes de actuarmos pelo lado da despesa não só será pago por este governo, mas sim por todos nós. E quem irá saldar a factura serão não só os desempregados, os que optam por emigrar, e todos os contribuintes, mas também, e principalmente, os nossos filhos, que terão que pagar por muitos anos os juros das irresponsabilidades dos últimos 15 anos.
Em segundo lugar, por favor não me venham dizer que o Ministro das Finanças é a única tábua de salvação no meio de um governo de incompetentes. Não é. Bem pelo contrário. Como é que podemos considerar “responsável” um Ministro das Finanças que tem sistematicamente levado a cabo desorçamentações e manobras de contabilidade criativa denunciadas pelas mais diversas instâncias nacionais (Tribunal de Contas e UTAO) e internacionais (OCDE e FMI)? Um Ministro das Finanças que omitiu descaradamente a execução orçamental em 2009? Um Ministro das Finanças que deixou derrapar as contas públicas dois anos seguidos? Um Ministro das Finanças que aprovou dois planos de austeridade em que prometia cortar na despesa e fez exactamente o contrário? Um Ministro das Finanças que tem feito todos os possíveis e os impossíveis para ocultar (sim, ocultar) o verdadeiro estado das contas públicas nacionais e de omitir os encargos da dívida pública indirecta (das empresas públicas) e dos encargos com as parcerias público-privadas? Como é que podemos considerar responsável um Ministro e um governo que nos trouxeram taxas de desemprego históricas, que contribuíram para o regresso da emigração, e que, ainda por cima, quase nos levaram à insolvência? Como? Se isto é responsabilidade, eu sinceramente não sei o significado da palavra irresponsável.
Em terceiro lugar, será que alguém ainda se ilude com medidas extraordinárias adicionais? Já não chega o que aconteceu em 2003? Em 2004? Nos últimos 2 anos? Apesar de ainda não sabermos os pormenores, o negócio com a PT é lamentável e devia ser liminarmente recusado quer pelos partidos da oposição, quer por Bruxelas. Este é tão somente mais um malabarismo contabilístico destinado a transferir o despesismo do presente para as gerações vindouras. E, se for para a frente, não tenhamos dúvidas: quem irá pagar a factura de “cumprirmos” o objectivo do défice para este ano são, mais uma vez, os nossos filhos e os governos futuros. Poucos ou nenhuns custos para um governo irresponsável, todas as desvantagens para os contribuintes futuros... (Para além do mais, não era a PT uma empresa privada, fora da alçada do Estado? Afinal, em que é que ficamos?)
Em quarto lugar, onde está o TGV? Onde estão as diversas auto-estradas já adjudicadas ou em fase de lançamento? É que as despesas de capital que foram cativas para o ano de 2010 não têm nada a ver com o TGV ou as ditas auto-estradas. Porquê? Porque estas obras foram lançadas em regime de parcerias público-privadas (PPPs) e não entram para a Conta Geral do Estado, assim como já foi denunciado várias vezes tanto pelo Tribunal de Contas, como pela UTAO (a Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República). E quem pagará estas obras serão, como é óbvio, e uma vez mais, as gerações futuras e os governos vindouros, visto que os pagamentos aos privados só começam a ser feitos a partir de 2013... Por isso, pelo que parece, o nosso primeiro-ministro ainda alimenta secretamente o desejo de que as suas queridas obras de “modernização” do país possam continuar a ser feitas à surdina, nem que para isso os portugueses tenham que ver os seus salários diminuir ou tenham que pagar mais e mais e mais impostos. Quem disse que os meios não justificam os fins?
Em quinto lugar, a subida em 2 pontos percentuais da taxa normal do IVA é uma má política e é simplesmente desnecessária. Porquê? Porque, na melhor das hipóteses, esta subida do IVA irá dar azo a 900 milhões de euros adicionais. Ora, será que não conseguíamos obter 900 milhões com outras medidas? Será que não seria possível um corte de despesa nessa ordem? Onde, pergunta o Ministro das Finanças? Pois, muito bem, aqui vão algumas sugestões:
a)    cortes de 10% na aquisição de bens e serviços do Estado. Resultado? REDUÇÃO DA  DESPESA: 728 milhões de euros (eu sei que o governo tenciona cortar alguns dos consumos intermédios, mas não na ordem dos 10%);
b)   cortes de 10% nas despesas de 50 institutos não relacionados com a Saúde e com a Educação (eu fornecerei a lista e os cálculos nos próximos dias). Resultado? REDUÇÃO DA  DESPESA: 560 milhões de euros
Repare-se que este é só um corte de 10%, não de 20% ou até de 50%, que seria facilmente exequível na grande maioria destes institutos, o que permitiria reduções da despesa em mais de 1000 milhões de euros.
c)    Cortes de 20% nas despesas de capital. De notar que não estamos a falar de cativações ou de cortes na ordem dos 5%-10%, como anunciado pelo governo. Mas sim reduções de 20%. Resultado? REDUÇÃO DA  DESPESA: 1120 milhões de euros
d)   Reduções substanciais (e não muito tímidas) das indemnizações compensatórias às empresas públicas, que rondam os 430 milhões de euros.
Obviamente, uma combinação destas medidas poderia igualmente fazer-nos chegar aos tais 900 milhões de euros que o aumento do IVA nos poderá proporcionar. Por isso, vale a pena perguntar: por que é que o governo não faz isso em vez de aumentar impostos? Por que é que temos de sobrecarregar ainda mais os contribuintes? Por uma simples razão: é que o governo sabe que já perdeu o país e as próximas eleições, mas, entretanto, no seu desvario desaustinado, quer arrastar consigo para o abismo tudo e todos, e, se possível, o principal partido da oposição, forçando-o a aprovar o Orçamento, mesmo indo contra ao que já tinha sido anunciado previamente. Para além do mais, é muito mais fácil fazer subir impostos do que cortar nas clientelas do Estado ou prejudicar os grupos económicos que têm sido privilegiados nos últimos anos. Uma estratégia que devia ser peremptoriamente recusada pela Oposição. Se faltam recursos devido ao descontrolo orçamental deste governo, então que se cortem despesas e não se aumente a carga fiscal de uma economia com tantos problemas de competitividade.
Finalmente, é certo que ainda estamos a uns dias da apresentação do Orçamento de Estado para 2011. No entanto, e tal como aconteceu aquando da apresentação do Orçamento para 2010, o governo optou por nos fornecer um documento extremamente ambíguo sobre inúmeras medidas a adoptar. Assim, o documento refere que se “irá extinguir/fundir organismos da Administração Pública directa e indirecta” e “Reorganizar e racionalizar o Sector Empresarial do Estado reduzindo o número de entidades e o número de cargos dirigentes.” E, como é lógico, as perguntas que se seguem são: quantos? 5%? 10% 30%? E o quê? Que institutos? Que empresas? Que entidades? Quais serão as poupanças estimadas?
Promete-se ainda “reduzir os encargos da ADSE” e as transferências para as autarquias e para as Administrações Regionais. E as mesmas perguntas nos surgem: Quanto? O quê? Como? É que é muito diferente cortar 5% destas transferências (que permitiria poupanças acima dos 300 milhões de euros) e 10% (pois teríamos reduções de despesas na ordem dos 600 milhões). E depois há toda uma série de medidas avulsas que têm pouca racionalidade ou justificação. Por que é que se reduzem em 20% as despesas com a frota automóvel do Estado? Por que não mais?
Enfim, este é um documento típico deste governo: ambíguo, cheio de promessas que não devem ser para cumprir, e sem qualquer estratégia de combate estrutural ao voraz despesismo do nosso Estado. Um documento de uma era que ficará irremediavelmente marcada na nossa História pela irresponsabilidade gritante dos nossos dirigentes e pelas más políticas que condenaram Portugal a um novo atraso económico que já tinha sido superado nas décadas anteriores.

18 comentários:

Unknown disse...

Fiz uma leitura rápida do seu artigo, mas avalio-o muito positivamente. Como se diz em inglês, it's self-explanatory.

Unknown disse...

Caro Dr. António Santos Pereira,

Antes de mais obrigado por tão eloquentemente ter exposto aquilo que acredita estar errado no novo plano de medidas.

Permita me um comentário, e caso discorde por favor corrija-me.

Não seria melhor haver uma politica monetária/fiscal independente? que não dependesse do partido que estivesse no governo nesse momento?

Acontece que acredito que um país, à semelhança de uma empresa deve ser gerido de modo a proporcionar resultados aos seus accionistas, e gosto de me ver como um accionista do estado, para o qual contribuo, mas cujos resultados não vejo.

Gestores sem interesses partidários a actuarem de boa fé e sempre com o interesse dos accionistas (cidadãos) em mente? não seria uma lufada de ar fresco?

Não pretendo andar por aqui a falar de submarinos, nem de contratações de motoristas nem de despesas em carros blindados... mas existem como diz muitas parcelas onde se poderia cortar, a começar pela burocracia!| Um investimento (sim, vamos gastar!) em simplificar as milhentas burocracias com que nos deparamos a diário? Para que os processos fluam com maior rapidez, e logicamente a menor custo?

Não pretendo com isto por me ao nivel de um ministro das finanças, mas o que é facto é que ou muda alguma coisa, ou cada ano veremos independentemente do partido que está no poder, cada um a puxar a brasa à sua sardinha pois no ano que vem poderão não estar no poder, não havendo nesse sentido um sentido de patriotismo ou do dever que lhes permita começar uma coisa, a prazo, com o interesse de todos em mente, que alguém, dum qualquer partido que suceda, possa dar continuidade....

Pedro disse...

Incompetentes?
Mas eles estão a governar-SE mal?
Estão a passar por dificuldades?

O pinocrates continua a aparecer bem vestido, com fatos de muitas centenas de euros, e tambem parece bem alimentado.
E o lixeira tem a mesma aparência.

Acho que eles não estão a ser incompetentes, estão simplesmente a continuar a seu joguinho de politicos chuchas: Sacam tudo o que podem para eles proprios e para os amigos, e preparam a emigração para altos cargos nas instituições internacionais (veja-se o da "vida para alem do deficit", o que nos abandonou num pantano e fugiu para uma sinecura na UN, o durão, o coelhone, o vara, etc.).
Algum está mal?

Eles não são incompetentes!
Só parecem, porque analisamos mal aquilo porque eles lutam quando se instalam no poleiro da governação nacional!

Unknown disse...

Há alternativa política ao socialismo que nos colocou no fundo do poço?


Há. Se o PSD e o CDS conseguirem anular o que os separa, criando a frente Casa das Liberdades, e assumindo, sem medo nem vergonha, um programa comum conservador-liberal em torno de dois princípios:


O Estado só deve fazer aquilo que a sociedade civil não for capaz de fazer igual ou melhor;


O Governo e o estado central devem transferir o máximo de competências para os níveis de decisão que estão mais perto das pessoas e das comunidades locais impondo a si próprio e a todos o respeito pelo limite de endividamento de 50% do PIB.

Luís Lavoura disse...

Propõe cortes de 10% nas aquisições de bens e serviços pelo Estado. Mas, não é verdade que 75% das despesas do Estado são com pessoal? Então, como é que um corte de 10% em bens e serviços pode fazer grande diferença?

O mesmo se diga em relação aos 50 institutos públicos referidos. Como é que quer cortar nas despesas deles se não cortar nos salários dos seus trabalhadores, que são sempre a principal fatia dos gastos?

Luís Lavoura disse...

Propõe cortes de 10% nas aquisições de bens e serviços pelo Estado. Mas, não é verdade que 75% das despesas do Estado são com pessoal? Então, como é que um corte de 10% em bens e serviços pode fazer grande diferença?

O mesmo se diga em relação aos 50 institutos públicos referidos. Como é que quer cortar nas despesas deles se não cortar nos salários dos seus trabalhadores, que são sempre a principal fatia dos gastos?

JOSÉ CARDOSO disse...

Tenho 68 anos, só fiz a 4ª classe, comecei a trabalhar aos 11 anos, emigrei para África aos 14 anos, fui aí espoliado de 20 anos da minha vida/juventude, voltei pouco antes do 25 de Abril,vivi o dia da revolução como expectador, nas ruas de Lisboa e todos diziam que agora é que iria ser!.... um paraíso na terra!.Agora,passados todos estes anos resta-nos uma grande desilusão,e um país mais miserável.Que foi feito de tantas verbas que vieram da UE e que deveriam ter dado ao País o impulso que precisava? Todos os que tiveram responsabilidades de (des)governação deveriam ser julgados, não pelas eleições como os pseudo-democratas dizem que deve ser em democracia, mas sim por uma justiça a sério, que infelizmente também não temos.
Acho que já disse demais mas não termino sem dizer uma grande verdade, NÃO HÁ PAÍSES POBRES NEM RICOS,O QUE HÁ SÃO PAÍSES MAL E OUTROS BEM GOVERNADOS.
Tenho dito

Carlos Pereira disse...

Caro Álvaro felicito-o pelo regresso dos seus textos ao blog.
Vivemos tempos difíceis, penso que o pior ainda está para vir, grande parte da população portuguesa não faz ideia da gravidade da situação, por enquanto as reformas ainda são pagas bem como o subsídio de inserção. Alguns, vão já sentir na pele o quanto isto é sério, é o caso das famílias que se encontravam no 4º e 5º escalão da Seg. Social, e dos funcionários públicos que verão os seus salários reduzidos.
Varias vezes me pergunto o que irá na mente destes governantes ao não verem aquilo que todos vêem, ao não ouvirem a opinião daqueles que tem legitimidade para a dar. Sem dúvida que estamos a falar de irresponsabilidade, de falta de carácter, de obstinação desmesurada e principalmente de incompetência. Diz, José Maria Martins, no seu blog que “José Sócrates foi um erro de casting do PS”, eu penso que este governo foi um erro de casting dos portugueses.
Pergunto-me se não seria melhor fazer cair este governo a ter que aguentar esta hipocrisia.

Carlos Pereira

DIFERENTES SOMOS TODOS NÓS disse...

Mas na educação também se pode cortar ( O Ramiro Marques explica onde), mas há compinchas que perdem o tachito!

João Oliveira disse...

Gostei do seu artigo.
Esclarece a matéria como é seu hábito e aponta alternativas.

Será possível o debate no Parlamento corrigir as soluções que parecem erradas?

Hoje um colega do PSD entrou felicissimo no meu gabinete.
O PSD esperará no mínimo a maioria.

PLus disse...

"Propõe cortes de 10% nas aquisições de bens e serviços pelo Estado. Mas, não é verdade que 75% das despesas do Estado são com pessoal? Então, como é que um corte de 10% em bens e serviços pode fazer grande diferença?"
Luis Lavoura,


sao rubricas diferentes. Sabemos que no lado da despesa do OE , os salarios absorvem cerca de 12% do pib e uma outra rubrica de "gastos intermedios" representa 3a4% do pib. 180.000+-
Fazendo contas da 7200me.
10% sao 720me.
em linha com os 728me do post.

Jaime Piedade Valente disse...

Acho piada o Ramiro Marques andar a criticar o PS, ele um notório defensor do "eduquês" - que tanto deve ao PS!

Guillaume Tell disse...

Boa já regressou o Desmitos :)
Agora, senhor Álvaro Santos Pereira, quais serão os incentivos que teremos pôr em prática para prendermos este lindo governo como a Islândia fez?

Anónimo disse...

Boa noite,

Pode-me explicar como chega ao valor de 900 milhões de receitas pelo aumento para 23% de IVA?

Gi disse...

Olá Álvaro, welcome back, ainda por cima com um belo desabafo como este.

Rolando Almeida disse...

Muito bem Álvaro, A análise é muito útil e coerente. abraço

Anónimo disse...

Penso que o aumento do IVA é genial. A maioria dos produtos que consumimos à taxa mais elevada do IVA são importados. Quanto mais aumentarmos o IVA, menos importações vamos ter.

Canduto disse...

Ojalá las discusiones en España fueran como éstas. Con datos objetivos y opiniones fundadas. Esto sí es un debate.