Extracto do livro "OS MITOS DA ECONOMIA PORTUGUESA", editora Guerra e Paz
"Se existe uma regularidade empírica em Portugal, é que, em média, os portugueses chegam sempre tarde aos seus compromissos. É sabido que os portugueses quase nunca têm pressa (a não ser que estejam ao volante...). Quer seja um encontro causal, quer uma reunião entre colegas, quer até um encontro amoroso, os portugueses chegam quase sempre atrasados. As nossas consultas médicas quase nunca começam a horas, os jantares com amigos começam invariavelmente tarde, e frequentemente chegamos atrasados às aulas. A prática de chegar atrasado é tão prevalecente que muitos de nós até se vangloriam de nunca chegarem a horas. Assim, ouvimos com frequência a expressão “eles que esperem!”, principalmente quando os indivíduos em questão têm algum poder sobre os que têm que esperar. E esperar nós esperamos...
No entanto, nunca ou quase nunca chegamos tarde à missa (quem for praticante) ou ao futebol (quem for adepto, principalmente dos ferrenhos). E se começarmos a pensar, então vale a pena questionarmo-nos: porque é que nunca nos atrasamos para os nossos concertos favoritos, mas nos atrasamos quase sempre para os encontros com amigos? Porque é que chegamos a horas ao cinema, mas quase nunca às aulas? Porque é que somos tão relapsos nalgumas ocasiões, mas tão cumpridores noutras? A resposta encontra-se uma vez mais no sistema de incentivos e nas suas penalidades (ou a sua ausência). Nunca chegamos tarde à missa, porque existem pressões sociais para não o fazermos. Se o fizermos, o padre pode chamar-nos à atenção em frente da congregação e as pessoas presentes ficarão com uma má impressão de nós. Como as igrejas e os seus crentes funcionam como grupos sociais fechados, os indivíduos que prevaricam ou cujo comportamento seja considerado desadequado sujeitam-se a sofrer sanções e pressões sociais. Por isso, existe um forte incentivo para não chegarmos tarde à missa e a outros eventos religiosos, para não ficarmos mal vistos perante o nosso grupo social e os nossos pares. Por outro lado, nunca ou raramente chegamos tarde ao futebol ou ao cinema, porque se o fizermos a nossa utilidade poderá ser afectada negativamente. Poderemos não testemunhar um golo espectacular, faltar a uma cena crucial do filme, ou não estar presentes quando a nossa equipa marca um penalti. Assim, existem grandes incentivos para chegarmos a horas a estes eventos.
Ora, se existem razões válidas para não chegarmos atrasados à missa, ao cinema ou ao futebol, porque é que não fazemos o mesmo em relação ao resto das nossas vidas? Porque é que os portugueses se esmeram em chegar atrasados a quase todos os outros seus compromissos? A resposta, como era de esperar, encontra-se também no nosso sistema de incentivos. Por mais que nos tentemos desculpar quer com factores genéticos (quiçá uma propensão latina para procastinar), quer ambientais (talvez o tempo seja bom demais para nos fecharmos num escritório), a verdade é que tudo se resume ao sistema de incentivos que utilizamos para reger as nossas vidas. E se é assim, se nós sabemos o que está mal, se percebemos o que funciona menos bem no nosso quotidiano, porque é que não alteramos esses mesmos incentivos? Porque é que não modificamos os nossos comportamentos menos correctos?"
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