Numa altura em que a recessão nos bate à porta, devem-se saudar os recentes pacotes de estímulo económico anunciados pela Comissão Europeia e pelo Governo português. Com efeito, após um período inicial de hesitação, estes são os primeiros passos de combate à crise, numa caminhada que promete ser bem mais longa e penosa do que gostaríamos de admitir.
Ainda assim, no seio da União Europeia continua a imperar um conservadorismo fiscal que não faz o mínimo sentido nos tempos que correm. Apesar de existirem indícios de uma maior flexibilidade, as autoridades económicas europeias continuam inexplicavelmente obstinadas com o cumprimento das metas do Pacto de Estabilidade. O próprio governo português teve o cuidado de apontar que a meta dos três por cento do PIB seria cumprida apesar da introdução do pacote de medidas de estímulo económico. No entanto, insistir no fundamentalismo do défice quando podemos estar à beira da maior recessão das últimas décadas faz tanto sentido como usar a embraiagem para travar um carro descontrolado à beira de uma ravina.
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É neste contexto que o fundamentalismo orçamental que nos vem de Bruxelas (e de Berlim) não só é irracional, como mesmo contraproducente. É irracional, porque não há lei económica que mostre que um défice orçamental de três por cento é o limite máximo a partir do qual se segue o descalabro económico. Não é. Nem em Portugal nem em lado nenhum. E é contraproducente, porque ao teimar no fundamentalismo do défice, Bruxelas presta um mau serviço aos europeus, pois dá prioridade a um instrumento macroeconómico (o controlo do défice) e não àquele que devia ser o principal objectivo económico (o crescimento económico e a subida dos níveis de vida europeus).
Ora, ao compactuarem com o excessivo conservadorismo fiscal de Bruxelas, as autoridades portuguesas são igualmente responsáveis por terem deixado que a situação económica do país se deteriorasse para um nível inimaginável há apenas uma década, quando Portugal ainda era considerado um exemplo a seguir por outros países. Uma crise que só se agravou mais nos últimos meses por causa da emergente recessão internacional. Após uma década de falhanços, após uma década de fundamentalismo orçamental, será que não é chegada a hora de pensar num combate mais eficaz à crise económica? Não é chegada a hora de apostar no aumento da competitividade das nossas empresas em vez de cismar num dogmatismo orçamental sem sentido? Num dogmatismo orçamental que só tem aumentado a carga fiscal e penalizado a competitividade das nossas empresas?
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Pessoalmente, até sou a favor da aprovação de legislação que obrigue os governos a atingir o equilíbrio das contas públicas ao longo dos ciclos políticos ou económicos. Porém, falar em equilíbrio orçamental só faz sentido quando um país se encontra numa posição económica saudável ou, pelo menos, não esteja no meio da sua maior crise económica das últimas décadas. Para além do mais, teimar no conservadorismo fiscal no cenário económico actual poderá equivaler a uma crise económica desnecessariamente prolongada.
Quando ultrapassarmos esta crise, e quando deixarmos para trás a estagnação económica dos últimos anos, podem ter a certeza que serei um dos primeiros a defender um maior rigor e responsabilidade orçamental. Porém, este não é o momento para o fazer. Esta não é a altura de indecisões ou de ter excessivas preocupações fiscais. Esta é a altura de agir. E agir significa esquecer temporariamente o défice orçamental e apoiar ainda mais as empresas e os particulares nacionais.
2 comentários:
Além disso, Álvaro, não é possível que os famosos investimentos no aeroporto, no TGV e nas novas pontes e autoestradas contribuam mais para o aumento do défice do que a eventual diminuição dos impostos?
Olá Álvaro,
Ninguem sabe exactamente se deve ou não existir um limite para o deficit. Mas se não quisermos andar a fabricar engenharias financeiras que tão mau resultado têm provado dar a médio e longo prazo, talvez fosse sensato perguntar a opinião de uma boa dona de casa que certamente lhe responderá que não se deve gastar mais do que aquilo que se tem ou daquilo que se espera, com elevado grau de certeza, vir a ter num prazo concreto. Isto é, nunca devemos exceder a nossa capacidade de endividamento. Sob pena de estarmos a comprometer o futuro e as novas gerações.
Mas continuo a achar que estas medidas anticiclicas que o Álvaro defende não passam de aspirinas que só adiam a crise mas que não a resolvem. Pelo contrário, estas medidas, tal qual certos medicamentos, disfarçam os efeitos perniciosos da crise e desse modo a doença continua a alastrar.
Muitas das bolhas que põem em causa a estabilidade da economia são precisamente consequência disto. Para que a economia continue a funcionar tomam-se medidas que disfarçam as asneiras que se cometem diáriamente. E depois geram-se as tais bolhas que têm efeitos devastadores. Que qualquer merceiro vê, mas que os economistas só são capazes de vislumbrar depois dos desastres acontecerem.
A minha visa profissional está muito ligada ao mturismo Algarvio. Que passa por grandes dificuldades. Acabei de saber que o grupo detentor da Hilton planeia abrir na Turquia, um concorrente do Algarve, 22 unidades hoteleiras. É mais que evidente que não há procura que justifique estes investimentos. É uma loucura que a curtissimo prazo talvez dê dinheiro a ganhar a alguém mas que obviamente irá ter um preço elevadissimo.
E muito brevemente irá rebentar mais uma bolha com efeitos devastadores e nessa altura os responsáveis lavarão as e dirão que nada fazia prever mais uma crise.
Caro Álvaro, já não dá para tratar cancros com aspirinas.
Um abraço
Antonio
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