19 janeiro 2010

A CRISE MAIS GRAVE (2)

A citação do post anterior é, de facto, do António de Spínola no seu livro "Portugal e o Futuro". Aliás, estas são exactamente as primeiras palavras do livro que fez despoletar a Revolução do 25 de Abril. A citação é interessante não porque estamos com uma revolução à porta ou algo que se pareça. A citação é relevante e interessante porque nos mostra que há apenas 3 décadas atrás um livro muito influente nos veio dizer que Portugal estava a atravessar a maior crise da sua história. (Independentemente do papel que António de Spínola veio a desempenhar nos primeiros tempos democráticos, é inegável que o livro veio a ter um cunho decisivo para a revolução portuguesa). Não é isso que ouvimos agora todos os dias?
Aliás, como alguns comentários sugeriram, certamente não será difícil encontrar uma citação de teor semelhante de Salazar do final dos anos 1920 ou início dos anos 1930. E se recuarmos ao turbulento século 19, o mesmo se passará com os escritos de variadíssimos autores. Assim como não será muito difícil desencantar uma citação do Pombal no século 18 com a mesma mensagem. Ou seja, a questão do atraso económico português (estudada recentemente no excelente livro de Pedro Lains "Os progressos do atraso"), bem como a ideia que o país está à beira do abismo são temas recurrentes na historiografia e na política portuguesas. O tremendo progresso que o país assistiu desde os anos 60 até aos meados dos anos 90 é que nos deixou mal habituados e nos tinha feito esquecer estes temas.
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Quer isto dizer que a crise actual não é grave? Não, bem longe disso. Como já mencionei várias vezes, esta é a maior crise nacional do último século, pelo menos ao nível do desempenho económico. Esta crise aconteceu devido a um conjunto de circunstâncias, incluindo: 1) as dificuldades de competitividade do nosso sector produtivo no contexto de um mundo crescentemente globalizado e de uma Europa alargada, 2) a nossa entrada no euro, que impediu a ocorrência de "desvalorizações competitivas", e 3) a incompetência e da irresponsabilidade da nossa política económica nos últimos anos. E, como é óbvio, não estou a falar somente no governo.
Aliás, se deixarmos de lado por agora as questões da competitividade, a grande (e penosa) lição a retirar do actual estado de coisas é que más políticas têm realmente consequências dramáticas. É exactamente isso que o próximo post (sobre a Argentina e o Canadá) irá focar.

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