31 março 2009

MELHORES ESCOLAS

Ora, aí está uma boa medida. Ontem, o primeiro-ministro anunciou a requalificação de 5o escolas muito degradadas, nas quais haverá um investimento público e comunitário no valor de 175 milhões de euros. Acho muito bem. Se achamos mesmo que a solução para a crise passa pelo investimento público (o que não é certamente linear), é exactamente com pequenos (mas muitos) investimentos que conseguiremos ajudar a retoma da economia, e não através de sonhos megalómanos com obras faraónicas. Apesar de soar bastante a uma medida eleitoralista (o que é normal num ano com 3 eleições), esta é uma notícia que merece o nosso aplauso.Pelo menos no papel. Veremos na prática.

A GRANDE CRISE AMERICANA

Aqui está um documentário muito interessante sobre algumas das consequências que a crise está a ter em muitas cidades americanas. Esta reportagem da televisão pública canadiana, a CBC, vai até algumas das zonas mais afectadas, como Detroit e a Flórida, e analisa o impacto da crise nessas regiões. Só para termos uma ideia, em Detroit, o coração da indústria automóvel americana, e que já se encontra numa tendência decrescente há décadas, a crise do subprime arrasou partes da cidade. Há tanta gente que não consegue pagar as suas casas e há tantas casas no mercado que os preços têm caído vertiginosamente. Por incrível que pareça, o preço médio de uma casa em Detroit que foi transaccionada no último ano ronda os ... 6 mil dólares. Sim, 6000 dólares. E a oferta de casas em "foreclosure" (devolvidas aos bancos) é de tal ordem que há casas que vendem por meia dúzia de patacas ou centenas de dólares. Deste modo, não é de surpreender que o êxodo de Detroit continue. Só nas últimas 2 ou 3 décadas, a cidade perdeu mais de um milhão de habitantes. A crise do subprime e agora a crise da indústria automóvel só irão certamente agravar a tendência.

FALÊNCIA DE DETROIT

Ontem, o presidente americano avisou a General Motors e a Chrysler que a paciência do governo federal se está a esgotar e que as duas companhias têm entre um e dois meses para apresentarem planos de viabilidade económica se quiserem evitar a insolvência e, quiçá, a falência. Alarmados com a possibilidade de estes colossos da indústria automóvel americana desaparecerem, os mercados financeiros reagiram muito negativamente. A insolvência das suas empresas não significará necessariamete o desaparecimento total das duas empresas. No entanto, parece cada vez mais certo que a indústria autómóvel norte-americana nunca mais será a mesma. Aqui está uma perspectiva americana sobre o assunto, e aqui está uma visão canadiana.

CITAÇÕES

Paul Krugman fala sobre a falta de cooperação entre os governos dos vários países do mundo:
"Like many other economists, I’ve been revisiting the Great Depression, looking for lessons that might help us avoid a repeat performance. And one thing that stands out from the history of the early 1930s is the extent to which the world’s response to crisis was crippled by the inability of the world’s major economies to cooperate. The details of our current crisis are very different, but the need for cooperation is no less."

30 março 2009

G20

Esta é a semana da reunião do G20, onde se irá discutir a crise internacional, bem como possíveis medidas e políticas para a combater. Penso que não será descabido pensar que nos próximos meses o G20 avance com uma proposta de reforma do sistema financeira internacional. Entretanto, esperemos que a reunião de Londres sirva para convencer alguns dos governos mais renitentes que é preciso actuar decisivamente face à crise económica internacional. Entre estes, esperemos que os líderes europeus acordem da letargia e comecem a introduzir medidas mais agressivas de combate à crise económica.

SEGUNDA EDIÇÃO DO "MEDO DO INSUCESSO"

Na última semana ficámos a saber que a segunda edição do "Medo do Insucesso Nacional" vai sair brevemente para as livrarias. Obrigados a todos.
Vários leitores do Desmitos têm-me contactado com comentários e perguntas sobre o livro. Vários blogues têm igualmente falado sobre o "Medo do insucesso". Nos próximos dias irei publicar as vossas opiniões no blogue, bem como as devidas referências aos blogues. Fá-lo-ei independentemente se as críticas forem boas ou más.

LIZ WRIGHT

Liz Wright é uma das novas musas dos Blues, uma voz que tem dado muito que falar no mundo musical. "The Orchard" é o seu albúm mais recente e, porventura, o melhor. Músicas como "I idolize you" e "Coming Home" têm excelentes arranjos e demonstram bem as virtudes e potencialidades de Liz Wright. Vale a pena conhecer.

27 março 2009

BAIXAR SALÁRIOS

A jornalista Cesaltina Pinto da revista Visão escreveu esta semana um artigo sobre uma hipotética redução dos salários, onde vários economistas empresários e sindicalistas expressam as suas opiniões sobre este assunto. Aqui estão as minhas respostas às questões da Visão.
Visão_ Face aos tempos de crise que vivemos há vários economistas que defendem uma redução generalizada dos salários. Concorda com esta medida?
Penso que depende da empresa e do contexto específico que se insere. Algumas empresas poderão beneficiar com uma descida salarial, outras não, pois poderão optar por despedir trabalhadores. O que não faz sentido é centralizar uma descida salarial. Deve ser o mercado e as empresas que devem decidir o que será melhor para eles. Há empresas que beneficiarão com a crise, enquanto outras vão claramente perder. Por isso, ninguém melhor que as empresas para decidir o que fazer.
Dito isto, é verdade que a moderação salarial é absolutamente crucial para a melhoria da competitividade da economia portuguesa. Desde os meados da década de 90, Portugal tem vindo sempre a perder competitividade, pois os salários têm aumentado e a produtividade tem diminuído relativamente aos nossos parceiros europeus. Por isso, faz todo o sentido promover a moderação salarial, bem como implementar medidas que fomentem a produtividade.
Independentemente disto, acho que o Primeiro-Ministro e até o Presidente da República só tinham a ganhar em dar o exemplo. Isto é, se pedem sacrifícios aos portugueses, se consideram que a moderação salarial é necessária, por que é que não se voluntariam e reduzem os seus próprios salários durante dois ou três anos? Seria uma medida bem vista num ano eleitoral e mostraria aos portugueses que os nossos líderes são os primeiros a dar o exemplo em alturas de dificuldades.
Visão. Porquê?
A moderação salarial é necessária para fazer aumentar a competitividade da economia e para evitar um aumento desmesurado dos despedimentos. Para tal, seria bom que houvesse mais concertação social entre o governo, as entidades patronais e os sindicatos, e que nos deixássemos de quezílias bairristas e de interesses mesquinhos numa altura de grave crise.
Visão. Se não concorda, que alternativas sugere?
A moderação salarial tem de ser inserida numa estratégia global de melhoria da nossa competitividade. Temos de nos tornar mais atractivos a nível fiscal, ajudar as empresas em tempos de crise, e implementar medidas que auxiliem as empresas inovadoras. A nível salarial, precisamos de perceber de uma vez por todas que se optarmos por aumentar os salários numa altura de crise, o que estaremos a fomentar é o aumento do desemprego. A verdade é que o populismo é inimigo da competitividade e da criação do emprego.

26 março 2009

O AUTISMO DOS DIRIGENTES EUROPEUS

O autismo e o imobilismo dos dirigentes europeus face a crise internacional começa a ter consequências. Em vários países, começam a haver reacções populistas contra banqueiros e empresários. Em França, o presidente de uma multinacional foi aprisionado no seu escritório por funcionários da empresa. Na Escócia, a casa e o carro do antigo CEO do Royal Bank of Scotland foram vandalizados. Entretanto, o que é que os políticos europeus fazem? Nada. Ou quase nada. No máximo, criticam os Estados Unidos por tentarem fazer alguma coisa. Ontem, o primeiro-ministro demissionário da República Checa, o actual presidente da União Europeia, não fez por menos e disse que o plano de recuperação económica da administração Obama era uma estrada para o Inferno, pois ia conduzir-nos à inflação e ao aumento da dívida pública. Até pode ser. Sem dúvida, que a dívida pública dos EUA é uma fonte de preocupação. No entanto, ficar parado, não fazer nada perante a maior crise económica das últimas décadas é uma atitude suicida. Equivale condenar milhões de trabalhadores ao desemprego, com todas as graves consequências sociais que isso acarreta. Ora, o problema actual não é a ameaça da inflação, é a deflação, devido à queda pronunciada da procura global. Quando a economia recuperar, será então a altura de nos preocuparmos com a inflação.
Neste sentido, o que os líderes europeus ainda não perceberam é que o excessivo conservadorismo fiscal dos últimos anos é totalmente contraproducente na crise actual (tal como tem sido na crise nacional dos últimos 8 anos). É suicida. É completamente disparatado. Não será chegada a hora de os líderes europeus demonstrarem alguma liderança, alguma visão, e atacarem decisivamente a crise económica? Não será chegada a hora de perceber que a Europa continua refém de demasiadas prima domas, de demasiados interesses nacionais, e não há uma voz europeia perante a crise? Não será chegada a hora da Europa perceber que não actuar ou não fazê-lo decisivamente poderá trazer para o nosso seio conflitos sociais e, quiçá, nacionalismos exacerbados que não interessam a (quase) ninguém? Não será a hora dos políticos europeus perceberem da irrelevância que a Europa se auto-condena quando os seus líderes insistem numa estratégia errada e autista?

ELEIÇÕES E TGV

Benditas eleições. Finalmente, vemos os partidos da oposição fazerem aquilo que há muito deviam estar a fazer, questionando o projecto do TGV. O presidente da Associação Empresarial de Portugal também já veio a público criticar o traçado da alta velocidade com palavras muito veementes. Finalmente, parece que começa a emergir entre nós um debate a sério sobre o TGV. Já era hora. Antes que seja demasiado tarde.

25 março 2009

OVOS DE COLOMBO

A última parte da entrevista ao DN:
DN. Em suma, o que nos aconteceu desde que demos novos mundo ao mundo para chegarmos ao cenário que temos hoje? Foram os nossos genes que mudaram, ou acabaram em meia dúzia de eleitos como Belmiro de Azevedo?
Não, foi o perdermos competitividade nos últimos 10-15 anos e termos levado a cabo um conjunto de políticas que nos endividou tremendamente e nos hipotecou margem de manobra na política económica.
Contudo, é preciso não esquecer que nos últimos 40 anos a economia portuguesa foi uma das que mais cresceu em toda a Europa. Nós somos um enorme caso de sucesso, um verdadeiro milagre económico de causar inveja à grande maioria dos países do mundo. Hoje somos um país transformado. O Portugal de hoje tem pouco a ver com o Portugal provinciano do tempo da ditadura salazarista.
A grande excepção desse enorme sucesso foram os últimos 10 anos. Porque é que tal aconteceu? Porque entrámos no euro com uma taxa de câmbio demasiado elevada (o que penalizou as nossas exportações), porque sofremos a concorrência do Leste europeu e de países como a China, e porque temos vindo a perder competitividade. Como é que podemos alterar este estado de coisas? Temos abandonar a aposta nas receitas mágicas do TGV ou das grandes obras públicas, temos de reformar o que há a reformar (principalmente a Justiça e a Educação) e, principalmente, temos de apoiar e investir no empreendedorismo nacional. Só assim é que teremos mais Belmiros de Azevedo, mais Jerónimos Martins, mais Gonçalos Quadros, mais Paulos Pereiras da Silva, e mais Carlos Oliveiras.
DN. Algumas - muitas - das ideias do seu livro, melhor educação, melhor justiça, mais produtividade e organização, são ovos de Colombo, ou seja, há muito que toda a gente sabe que o caminho é por aí. Porque é que ainda não fizemos nada, ou fizemos pouco nesse sentido?
Primeiro, porque, obviamente, estes temas são complexos e há opiniões muito diversas sobre como combater estes problemas. Segundo, porque pensamos que tudo se resolve com mais e mais dinheiro. E isso não é verdade. Se melhorarmos os nossos sistemas de incentivos poderemos alcançar resultados muito melhores do que se optarmos por apenas gastar mais. Terceiro, porque há grupos de interesse instalados que beneficiam com o status quo e são avessos a mudanças. Quarto, porque temos a tendência para pensar que estes sectores só melhoram se centralizarmos tudo no Estado, o que não é verdade. E finalmente, porque não tem havido uma orientação estratégica na condução das nossas políticas. Nos últimos anos, temos sido demasiado egoístas, temos andado preocupados em demasia com os nossos próprios botões e com os botões dos nossos próprios grupos de interesse, e temos deixado de lado o interesse nacional, o interesse do país. Ora, temos de alterar este estado de coisas. Temos de apostar mais na concertação social e numa maior orientação estratégica para o país. Acima de tudo, temos de perceber que a crise actual ameaça o bem-estar colectivo e que todos perdemos com lutas sociais, com a defesa intransigente dos nossos interesses pessoais, e com politiquices que servem os partidos, mas não servem os portugueses.

TO LIVE



Acabei de ler um dos livros que mais me surpreendeu recentemente. O livro chama-se "To Live" e é da autoria do consagrado escritor chinês Yu Hua. Sim, consagrado. Apesar de ser um desconhecido entre nós, Hua já vendeu milhões de livros no seu país natal e cada livro que publica torna-se num enorme êxito editorial, um feito assinalável num país onde a pirataria ainda assume proporções muito grandes. "To Live" é um retrato brutal da China do século 20, através dos olhos e das vidas de uma família que passa pelas atribulações da Segunda Guerra Mundial, a tomada do poder pelos comunistas, a reforma agrária, as várias campanhas e loucuras do regime de Mao Tse Tung, e a revolução cultural.
O livro é tão real sobre as condições de vida na China comunista que foi inicialmente proibido pelo regime chinês. Mais tarde, serviu de base para um filme com o mesmo nome do conhecido realizador chinês Zhang Yimou.
Esta é uma história fascinante que nos transporta para uma realidade que poucos de nós conhecem, num país com tradições e com uma cultura muito diferente da nossa. Simplesmente, um livro a não perder. Um livro que, espero, seja traduzido o mais brevemente possível entre nós. Yu Hua é um autor a descobrir. Por mim, vou comprar rapidamente as suas outras obras as ler com o maior interesse.

23 março 2009

CONSELHOS E TGV

DN. Que conselhos daria neste momento a José Sócrates para lidar com a crise em Portugal? Mais investimento, menos impostos...
Em primeiro lugar, deixarmo-nos de loucuras. Não podemos pensar em comprar um Jaguar (ainda por cima importado) quando só estamos em condições para manter o nosso carro ou então comprar um de baixa cilindrada. Se achamos mesmo que o investimento público é a solução para a crise (o que não é certamente linear...), então devemos concentrarmo-nos em muitos mas pequenos projectos, incluindo a melhoria das nossas escolas, dos hospitais, e até das estações de comboios.
Em segundo lugar, devemos utilizar a pouca margem de manobra que temos para apostar na competitividade da economia portuguesa. Entre a Alta Velocidade e a Alta Competitividade temos que claramente apostar na última, pois só uma maior produtividade e competitividade poderá criar emprego de forma sustentada. Actualmente, na União Europeia a 27, temos uma carga fiscal média. Porém, a nossa carga fiscal é mais elevada do que no Leste europeu e em muitos dos países do Sul da Europa. Ou seja, temos impostos mais elevados do que os nossos principais concorrentes. E se é assim, como é que ambicionamos ser competitivos? Como é que podemos atrair mais investidores, e como é que podemos tentar estimular as nossas exportações se penalizamos quem cá investe e sobrecarregamos os nossos exportadores?
Em terceiro lugar, em vez de pensarmos em gastar mais e mais, devíamos fazer tudo para melhorar os sistemas de incentivos económicos, principalmente ao nível da criação de empresas e do empreendedorismo. Finalmente, a crise não pode ser desculpa para não prosseguir com as reformas dos últimos anos, principalmente no que diz respeito à reforma do Estado. É fundamental que a modernização do Estado continue e que o processo de emagrecimento da Administração Pública persista. Em suma, o combate à crise deve utilizar uma combinação de mais investimento, de impostos mais baixos e melhores incentivos à inovação e ao empreendedorismo.
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DN. Mas não construir o TGV. Porquê?
Por dois motivos. Primeiro, por causa dos custos que tal projecto acarreta. Só a linha Lisboa-Porto vai custar 4,6 mil milhões de euros, o que é correspondente ao volume de negócios anual de todo o grupo Sonae, um dos maiores do país. Vamos gastar uma Sonae para ganharmos 20 a 30 minutos de viagem. Por isso, interessa perguntar: valerá a pena? Não poderíamos utilizar os fundos em projectos menos dispendiosos? Não poderíamos usar esse dinheiro na requalificação dos nossos recursos humanos? Na melhoria das nossas escolas e hospitais? Numa menor carga fiscal para as famílias e para as empresas? Num combate à pobreza e à exclusão social?
Segundo, porque todos os estudos custo-benefício sobre a viabilidade do TGV só registam impactos positivos líquidos quando assumimos impactos externos extremamente dúbios e dificilmente quantificáveis, tais como a diminuição do ruído. Porém, em nenhum país que introduziu o TGV registou estes impactos externos. Por que razão haveremos de pensar que nós seremos a excepção? Terceiro, e independentemente da idoneidade dos responsáveis por estes estudos (que não está em causa), a verdade é que estes estudos encomendados pela RAVE utilizam valores e estimativas de procura e de custos fornecidos pela própria RAVE. Ou seja, estimam-se benefícios para o projecto tendo em conta valores fornecidos pela entidade que tem todo o interesse que o projecto vá avante. Todavia, nem assim, os benefícios directos do projecto são mais elevados do que os custos!
Por todos estes motivos, o mais certo é que o TGV se tornará no maior fiasco económico e financeiro dos últimos 50 anos. A verdade é que dentro de 10 ou 20 anos, vamos olhar para trás e vamos perceber que a construção do TGV foi só mais uma quimera, mais uma receita mágica que não resultou e que nos irá sair extraordinariamente cara. Vamos aumentar o endividamento externo, vamos ser forçados a aumentar ainda mais os impostos e vamos continuar a não investir na competitividade da economia. Só nessa altura é que nos aperceberemos do erro tremendo que cometemos. E só então é que perceberemos que a construção do TGV foi o maior erro das últimas gerações. O que eu espero é que nessa altura sejam apuradas responsabilidades políticas e inclusive judiciais para aqueles que nos meteram na maior loucura financeira desde o tempo de D. Manuel I quando um dos nossos antepassados andou pelas ruas de Roma montado num elefante a distribuir moedas de ouro pelos espantados habitantes daquela cidade.
A alternativa é parar já com esta loucura e deixar a compra do Jaguar para o futuro, se assim o desejarmos.

AINDA O DÉFICE

Ainda a entrevista ao DN:
DN. Andaram anos a atirar-nos com o papão do défice e no seu livro diz, literalmente que lhe devíamos dar com os pés. Como e porquê?
Antes de mais, é importante sublinhar que sou totalmente a favor da aprovação de legislação que obrigue os governos a alcançarem o equilíbrio orçamental ao longo do ciclo político. Como a grande maioria dos economistas, não gosto de défices e acho inaceitável que, nos últimos 35 anos, nenhum governo tenha tentado verdadeiramente alcançar o equilíbrio orçamental. Porém, obcecarmo-nos com o défice orçamental numa altura que temos o maior abrandamento económico das últimas 8 décadas é perfeitamente descabido e de um fundamentalismo totalmente contraproducente.
Ora, se já não temos política cambial (e, assim, não podemos desvalorizar a moeda para estimular as exportações), nem uma política monetária independente, por que não utilizar a pouca margem de manobra que temos numa política fiscal que tente melhorar a competitividade das nossas empresas? Por que não ajudar mais as empresas que inovam e tentam singrar nos mercados internacionais? Por que não auxiliar os nossos empreendedores?
Não faz sentido nenhum andarmos a discutir as centésimas do défice e fazer tudo para agradar a Bruxelas, quando Bruxelas não parece preocupada com a nossa economia real, nem com o bem-estar dos portugueses. Sou um europeísta convicto, mas um tal fundamentalismo do défice é completamente contraproducente e ridículo.
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DN. O défice provavelmente não seria tão importante se tudo o resto funcionasse, nomeadamente a nossa produtividade, as poupanças dos portugueses... Mas como não funciona...
Repare, se tudo funcionasse bem, se a produtividade fosse elevada e crescesse a um ritmo saudável, se a economia fosse competitiva, então o crescimento económico seria elevado e, provavelmente, não teríamos que nos preocupar com o défice. Um maior crescimento económico faria aumentar automaticamente os impostos colectados, pois os rendimentos subiriam e o consumo cresceria. Desse modo, as receitas com o IRS, o IRC e o IVA também aumentariam. Ou seja, o défice orçamental é também função do bom funcionamento e da competitividade da economia.

21 março 2009

ENTREVISTA AO DN (2)

DN. Passando a assuntos mais sérios: uma grande fatia do seu livro é dedicada ao estudo da Justiça portuguesa. Porque é que fez esta escolha, num livro de economia?
Porque a Justiça é um grande factor de descompetitividade da economia portuguesa. Quando olhamos para os índices internacionais, facilmente damos conta que Portugal é dos países onde a burocracia ainda impera (apesar das melhorias dos últimos anos) e onde a Justiça é mais ineficiente. Por exemplo, Portugal tem um número de casos pendentes nos tribunais quase tão grande como a França e a Alemanha, países muito maiores do que o nosso, e o dobro da Espanha. É inadmissível e uma autêntica vergonha que tal aconteça.
Por isso, alguns economistas portugueses, como Nuno Garoupa, e várias organizações internacionais têm sistematicamente chamado a atenção para este problema. O que eu fiz foi simplesmente olhar com atenção para os números da Justiça e tentar perceber o que está por detrás de um sector tão ineficiente. E o que está por detrás é uma grande falta de organização e uma máquina judicial que penaliza a eficiência económica.
DN. Os juízes e procuradores portugueses são, em relação ao resto da população, os mais bem pagos da Europa e nós temos a pior justiça da Europa (pelo menos com mais processos atrasados per capita, só atrás de Itália). E não querem formação, nem, por falar nisso, avaliação. No entanto não é possível fazer uma reforma da Justiça sem eles, como questionou a Dra. Manuela Ferreira Leite na célebre gafe irónica da pausa democrática... Ou é?
Claro que não. Nenhuma reforma pode ser feita sem os actores dos sectores em causa. Para além do mais, nós tivemos uma pausa democrática de quase 50 anos e não me parece que a Justiça se tenha reformado e se tenha tornado muito eficiente... Bem pelo contrário.
No entanto, é preciso é dar a entender aos vários magistrados judiciais que a ausência de uma reforma estrutural é contraproducente para o sector e para a própria economia nacional. Que uma Justiça tão ineficiente e clientelista prejudica todos e só beneficia uma pequena minoria. Que a própria Justiça se encontra crescentemente paralisada e que são os magistrados que sofrem as consequências deste mal-estar.
Repare, a reforma da Justiça, assim como foi preconizada pelo célebre Pacto da Justiça ainda por implementar e pelo projecto de reorganização judicial, interessa grandemente aos próprios magistrados. A organização do sistema judicial data do século 19, quando Portugal era ainda um país rural e Lisboa e Porto não eram tão dominantes como são actualmente. É um contra-senso. Uma reorganização da Justiça faz sentido porque irá beneficiar os próprios magistrados, facilitando-lhes da vida e tornando o sector mais eficiente. E se tal acontecer, quem tem a ganhar somos todos nós, pois não só a Justiça será mais célere, mas também porque iremos melhorar a competitividade e a eficiência da economia nacional.

ENTREVISTA AO DN (1)

Aqui estão alguns excertos da minha entrevista a Catarina Carvalho do Diário de Notícias:

DN. Porque é que devíamos ser todos do Sporting e o que é que isso tem a ver com economia?

Cada um de nós tem o seu clube de eleição. Porém, há uma característica comum a todos nós: mesmo quando o nosso clube perde ou quando fica anos e anos sem ganhar o campeonato (como aconteceu com o Sporting durante 18 anos), nós não perdemos a fé e não alteramos as nossas preferências clubísticas. E se é assim com os nossos clubes, por que é que procedemos de forma distinta com o nosso país? Por que é que deixamos de acreditar na nossa economia e em Portugal quando temos 7 ou 8 anos de menor sucesso? Por que é que teimamos em esquecer o extraordinário sucesso que alcançámos nas últimas 4 décadas?

Isto tem tudo a ver com a Economia, porque o nosso estado de descrença actual tem um impacto muito significativo nas expectativas dos agentes económicos. E é sabido que as expectativas são uma das variáveis fundamentais na Macroeconomia. Quando as expectativas são baixas, quando a confiança anda pelas ruas da amargura, como acontece actualmente, o consumo retrai-se, o investimento diminui, e o desempenho económico é afectado. Ora, se queremos inverter a estagnação dos últimos anos, uma das coisas que temos de fazer é alterar as expectativas dos portugueses, tornando-os mais confiantes sobre o futuro do país e da economia.

DN. O seu livro chama-se O Medo do Insucesso Nacional. É um título pela negativa. Mas depois de lê-lo não podemos se não ficar mesmo com medo – somos pequenos, desorganizados, não empreendedores, pouco corajosos e cultos e ainda por cima chegamos sempre atrasados... Não é deprimente?

Acho que não. A minha intenção era exactamente a oposta. A principal mensagem do livro é que apesar de todos estes nossos problemas, apesar de todas as nossas insuficiências, as últimas décadas demonstram inequivocamente que Portugal é um país de sucesso e que certamente teremos um futuro promissor à nossa frente. Porém, para que tal aconteça, para que retomemos a senda do progresso, teremos que efectuar uma série de reformas que atenuem as nossas insuficiências organizativas, educacionais, entre outras.

DN. O que é que chegar atrasado tem a ver com a economia?

Os nossos atrasos são um sintoma da nossa falta de organização. Chegar atrasado é uma prática que penaliza a eficiência económica e afecta a produtividade. Por isso, tem tudo a ver com a Economia. Para além do mais, para quem lida com clientes ou fornecedores estrangeiros ou até com turistas, chegar atrasado é um péssimo cartão-de-visita. Por isso, se ambicionamos reformar a economia nacional e tornarmo-nos mais produtivos temos de acabar ou, pelo menos, de atenuar este nosso terrível hábito, bem como outros tais como fazer tudo em cima do joelho e não planear adequadamente.

20 março 2009

A NOSSA SÍNDROME ALEMÃ

Nos últimos anos, analisámos e dissecámos até à exaustão os milagres irlandeses e finlandeses, por forma a contrapor o recente insucesso da economia portuguesa com a alegada superioridade destes modelos económicos. Porém, e independentemente da justeza e da relevância destas comparações, mais do que a Irlanda ou a Finlândia, é cada vez mais evidente que o exemplo mais pertinente para a estagnação que a economia nacional se encontra na última década é-nos dado pelo Leste alemão. O meu artigo de hoje no Público debruça-se exactamente sobre isso:
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"Há 20 anos atrás, inebriado pela histórica reunificação política, o governo alemão decidiu converter as moedas das duas Alemanhas numa relação paritária (muito favorável aos alemães de Leste), concedendo níveis salariais ao Leste alemão muito superiores à produtividade média dos seus trabalhadores. No início, as coisas ainda correram bem, pois, embalados por um grande incremento do investimento público, o Leste alemão cresceu consideravelmente. Porém, a partir dos meados dos anos 90, a economia estagnou e a receita mágica do investimento público perdeu lustre e eficácia. Deste modo, e apesar de se registarem transferências anuais na ordem dos 100 mil milhões de euros, a economia da antiga Alemanha de Leste permaneceu pouco dinâmica e o desemprego subiu para patamares acima dos 15%.
Por que é que a experiência do Leste alemão tem sido tão má? Porque a sobrevalorização da moeda e os salários demasiados elevados para o nível de produtividade da Alemanha de Leste asfixiaram a competitividade das empresas e hipotecaram toda e qualquer possibilidade de alcançar um crescimento baseado em indústrias competitivas nos mercados internacionais. É exactamente neste contexto que vale a pena comparar a crise nacional dos últimos anos com o Leste alemão. Tal como a Alemanha de Leste, também nós adoptámos uma moeda forte sem que as empresas estivessem preparadas para um tal choque. Tal como o Leste alemão, também nós preferimos construir infra-estruturas em vez de apostar na melhoria do capital humano ou numa maior competitividade fiscal (como os irlandeses). Tal como a Alemanha oriental, também nós nos iludimos ao pensar que todos os nossos males seriam resolvidos com abundantes subsídios externos. Tal como o Leste alemão, a falta de competitividade é o nosso principal desafio e deveria ser a nossa maior preocupação.

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Porém, há outra lição alemã que interessa reter. Após quase duas décadas de declínio relativo, o Leste alemão começou finalmente a dar mostras de uma maior competitividade. Como é que tal foi alcançado? Através do crescimento da produtividade e da moderação salarial. Como os alemães não podem desvalorizar a moeda para estimular as suas exportações e como perceberam que o investimento público, por si só, não origina ganhos de competitividade, as empresas e os trabalhadores do Leste alemão chegaram à conclusão que a única maneira de resolver a crise é apostar na concertação social, na inovação e na melhoria da produtividade. Assim, nos últimos 5 anos, a produtividade relativa do Leste alemão aumentou e os salários relativos decresceram em comparação aos restantes parceiros europeus.

E em Portugal? Após 8 anos de estagnação e de crise, estaremos nós a seguir os passos dos alemães? Não. Muito pelo contrário. Nos últimos anos, a produtividade relativa decresceu e os salários médios aumentaram em relação à média europeia. Exactamente o contrário do que devia estar a acontecer numa altura de crise. E o problema é que a crise internacional e, principalmente, as eleições que se avizinham vieram agravar ainda mais esta situação. Infelizmente, em Portugal, os aumentos de produtividade continuam a iludir-nos, e a moderação social é consistentemente hipotecada por interesses políticos, sindicais e patronais. Ou seja, continuamos a ser demasiado bairristas na nossa política de competitividade e pouco inovadores na aposta por uma maior produtividade. E esta é uma das coisas que temos de alterar urgentemente se não queremos que a crise nacional dos últimos anos se prolongue por muitos e longos anos, tal como aconteceu durante tanto tempo na Alemanha de Leste.
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19 março 2009

TECNOLOGIA ANIMAL

Muitas vezes pensamos que aquilo que nos distingue dos animais é a utilização da tecnologia. Afinal, não foi através da tecnologia que nos tornámos tão poderosos? Não foi através da invenção de novas tecnologias que ambicionámos conquistar a Natureza? À primeira vista, estas afirmações parecem inquestionáveis. Mas, não. Nos últimos anos, os cientistas têm vindo a descobrir mais e mais animais que utilizam instrumentos e tecnologias para alcançarem os seus objectivos. Por exemplo, os corvos lançam nozes sobre rochedos ou até sobre as estradas para que estas quebrem e se tornem mais fáceis de comer, os chimpanzés utilizam palhas e paus para tirar térmitas das suas tocas, etc, etc, etc. Agora, uma equipa de cientistas no Congo filmaram pela primeira vez primatas a partirem ramos das árvores e a utilizarem-nos para chegar a colmeias de abelhas, por forma a conseguirem deliciar-se com o nutritivo e doce mel. As imagens (que podem ser vistas aqui) são impressionantes e dão que pensar.

SANTA IGNORÂNCIA (2)

Ora, aí está uma óptima iniciativa. O Jorge Andrez Malveiro, da Universidade do Algarve, comenta o post sobre os Pápa e os preservativos e informa-nos do seguinte:
"O actual Santo Padre tem razão num aspecto: o uso do preservativo não resolve o problema do VIH e neste ponto termina a infalibilidade do Papa sobre este assunto. O uso do preservativo é uma medida de Prevenção e de redução de riscos absolutamente necessária para evitar a propagação espiral da pandemia. Aqui na Universidade do Algarve, orgulho-me de ter desenvolvido desde 2002 um Programa de Prevenção de Comportamentos de Risco que envolve a distribuição semanal (e gratuita) de preservativos com informação anexa a todos os alunos das residências universitárias e aos que frequentam os bares, cantinas e serviços médicos da universidade; um rastreio de VIH efectuado todas as semanas, alternadamente em cada pólo da UAlg; sessões de formação ao longo do ano e uma intervenção anual - chamada de TU DECIDES - durante toda a semana das festividades da Queima das Fitas (que aqui se chama "Semana académica"). Distribuímos ao longo destes anos que decorre o Programa de Prevenção mais de 500 mil preservativos e efectuámos mais de 200 rastreios. Resultado? Agora, ao contrário de quando iniciámos, fala-se abertamente sobre a prevenção das DST, os homens aderem cada vez mais ao programa (no início eram mais as mulheres), o feedback é positivo em 96% dos casos (dados do último inquérito interno) e somos solicitados regularmente pelos alunos para intervir em sessões de esclarecimento sobre o tema.O Santo padre não sabe ou não quer saber, mas a a verdade - Divina - é que a Ignorância Mata!".
Nem mais.

18 março 2009

A PASSIVIDADE DA EUROPA

Paul Krugman escreveu ontem um artigo muito crítico sobre a passividade da Europa no combate à crise económica. No fundo, o que ele critica é o fundamentalismo do défice que já aqui falámos tantas vezes. Aqui vai um cheirinho de um artigo que vale a pena ler na íntegra:

"The clear and present danger to Europe right now comes from a different direction — the continent’s failure to respond effectively to the financial crisis. Europe has fallen short in terms of both fiscal and monetary policy: it’s facing at least as severe a slump as the United States, yet it’s doing far less to combat the downturn. On the fiscal side, the comparison with the United States is striking. Many economists, myself included, have argued that the Obama administration’s stimulus plan is too small, given the depth of the crisis. But America’s actions dwarf anything the Europeans are doing.

The difference in monetary policy is equally striking. The European Central Bank has been far less proactive than the Federal Reserve; it has been slow to cut interest rates (it actually raised rates last July), and it has shied away from any strong measures to unfreeze credit markets. The only thing working in Europe’s favor is the very thing for which it takes the most criticism — the size and generosity of its welfare states, which are cushioning the impact of the economic slump"