13 junho 2010

AINDA A EMIGRAÇÃO

A Visão fez-me algumas perguntas sobre o meu trabalho da emigração portuguesa. Aqui estão algumas das minhas respostas:
Visão - Os números da emigração são escassos e de difícil apuramento, tendo em conta a abolição de fronteiras na União Europeia. Como chegou a estes dados?
Eu segui um método semelhante ao anteriormente utilizado por outros investigadores da emigração portuguesa, como a Maria Ionnis Baganha e o João Peixoto. Recolhi as estatísticas dos países de destino para os países extracomunitários e para os europeus que ainda mantêm registos de estrangeiros, e depois complementei-as com as estatísticas da força de trabalho, dos registos da Segurança Social e até o número de vistos de trabalho concedidos para países como Angola. Utilizei ainda a base de dados da OCDE sobre os fluxos migratórios, que tem números sobre os fluxos e os stocks das migrações para os países da OCDE.
Visão - Em 2007 e 2008, a emigração anual praticamente duplicou em relação ao início do século. Como justifica este aumento?
Penso que este aumento da emigração se justifica pelo prolongar da crise económica do país. Como a estagnação económica já dura há uma década, é natural que, cada vez mais, as pessoas procurem alternativas para as suas vidas. E como o desemprego tem aumentado e as perspectivas de uma retoma económica não são muito risonhas, as pessoas começam a olhar para a emigração como uma alternativa credível e atractiva ao mal-estar do país. É natural que assim seja, até porque nós temos uma história e uma tradição emigratória muito mais elevada do que outros países, como a nossa vizinha Espanha.
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Visão - Ainda que não disponha de dados, considera que a tendência de crescimento se mantém, tendo em conta a situação actual do País?
É muito provável. É muito possível que a emigração para a Europa (com a excepção da Suíça) diminua nos próximos 2 ou 3 anos por causa da crise económica em países como a Espanha e o Reino Unido, dois dos principais destinos da emigração nacional nos últimos anos. Porém, os portugueses não deixarão de emigrar, apenas optarão por países de destino alternativos, tais como Angola, assim como a Visão já noticiou há alguns meses. Só em 2009, mais de 46 mil pessoas procuram vistos para Angola, enquanto a média de 2007 e 2008 rondou “apenas” os 20 mil.
Sinceramente não acredito que consigamos estancar a emigração enquanto não houver uma retoma sustentada da economia e uma consequente descida do desemprego, ou se a emigração mundial for restringida por medidas proteccionistas (algo que não se vislumbra por enquanto).
Visão - Que tipo de emigração é esta? Mais temporária do que permanente? Mais qualificada do que a dos anos 70 ou mantém-se a imagem da «mala de cartão»? Continua a ser a emigração da construção civil e das limpezas ou a «fuga de cérebros» já tem algum peso?
Não sabemos bem. Estudos do INE do início desta década sugerem que a emigração se tem tornado mais temporária. Porém, não temos dados sobre esta matéria para o resto da década. Para além do mais, esses mesmos estudos têm uma série de problemas metodológicos que limita a sua aplicação e interpretação. No entanto, a emigração da construção civil e das limpezas aumentou inquestionavelmente nos últimos anos, para destinos como Andorra, Espanha, Suíça, Reino Unido e, como é óbvio, Angola.
Por outro lado, a fuga de cérebros é uma realidade inquestionável. Há vários estudos empíricos que demonstram que, no ano 2000, Portugal era o segundo país da OECD com maior fuga de cérebros, isto é, trabalhadores com uma educação universitária. Não me parece muito crível que a situação se tenha invertido desde então.
De notar que uma fuga de cérebros não é necessariamente negativa. Se muitos destes trabalhadores qualificados emigrarem mas depois regressarem, a economia nacional poderá beneficiar das suas aprendizagens e experiências no exterior. No entanto, se as condições económicas do país não melhorarem e se não se criarem oportunidades de emprego e de investimento em Portugal, então é muito possível que a grande maioria destes trabalhadores qualificados optem por permanecer fora do país.

1 comentário:

Rita R. Carreira disse...

Acho engraçado este termo "fuga de cérebros" dado que fazes parte deste movimento, se bem que ainda mantenhas alguma actividade em Portugal. Recordo-me perfeitamente quando apareceste na Brotero com os teus livros de Platão e Aristóteles debaixo do braço. Sempre foste um cérebro!

Rita