31 março 2011

A CASA DOS HORRORES

As finanças públicas portuguesas são, actualmente, uma autêntica casa dos horrores. Como era de esperar, acabaram por confirmar-se as más notícias de que o governo não andava contabilizar todas as despesas que devia, e que os défices orçamentais e a dívida pública dos últimos anos foram substancialmente superiores aos previamente anunciados. E engana-se quem pensa que foi só a contabilização dos passivos das empresas públicas ou uma alteração das regras contabilísticas que levaram a estes novos valores. A verdade é que o Eurostat está apenas a corrigir os malabarismos contabilísticos e as sucessivas desorçamentações levadas a cabo nos últimos anos. Porém,  e infelizmente, nada disto é demasiado surpreendente. Quem se der ao trabalho de ler os relatórios da UTAO e do Tribunal de Contas (principalmente o relatório sobre a Conta Geral do Estado) facilmente perceberá que a situação já há muito era conhecida pelos especialistas, embora os buracos orçamentais relacionados como BPN e o BPP ainda não tinham sido devidamente dimensionados (porque, obviamente, tal não convinha ao governo). Porém, a deficiente contabilização do défice e da dívida do Estado era pública. A verdade é que todas as entidades independentes que têm analisado as nossas finanças públicas já há muito que se lamentam das constantes desorçamentações, dos inúmeros truques contabilísticos e das constantes reclassificações de rubricas contabilísticas. No meu novo livro, irei falar com grande detalhe de muitos destes artifícios de contabilidade e dos vários défices escondidos das contas públicas portuguesas.
Infelizmente, tenho poucas dúvidas que não vamos ficar por aqui. Como já aqui referi muitas vezes, só quando levarmos a cabo uma auditoria externa das nossas contas públicas é que vamos perceber a real dimensão do défice orçamental e da dívida pública dos últimos anos. Por isso, arrisco-me a deixar aqui uma previsão: esta não vai ser a última vez que o défice orçamental e a dívida pública vão ser revistos. Até ao final deste ano ou até ao princípio do próximo estes números vão ser certamente actualizados. E, como é óbvio, para pior.
Enquanto isso não se passa, aqui fica o gráfico actualizado da dívida pública em percentagem do PIB dos últimos 161 anos. Como é visível, afinal, a dívida mais elevada dos últimos 161 anos não irá acontecer no final deste ano: já aconteceu em 2010. Em 2011, a dívida pública nacional será quase 10 pontos percentuais mais elevada do que em 1892, quando o país foi forçado a declarar uma bancarrota. Uma vergonha. E um pesado legado que este inqualificável governo nos irá deixar.

Dívida Pública em percentagem do PIB, 1850-2011
Fonte: Santos Pereira (2011)

A BOMBA RELÓGIO (2)

Quando há uns anos vivi na Inglaterra, um dos choques culturais que senti foi em relação à questão da natalidade. Havia então uma percepção muito forte de que as famílias católicas não praticavam métodos anticoncepcionais (!) e que, por isso, os católicos tinham habitualmente muitos mais filhos do que os protestantes. Confesso que esta ideia me surpreendeu, porque, sendo natural de Portugal, eu sabia que a realidade era (e é) bastante diferente. 
Afinal, todos nós sabemos que, em média, as nossas famílias já há muito que não são numerosas. Não é à toa que, em 2010, Portugal registou o número mais baixo de nascimentos das últimas décadas, uma tendência que se tem vindo a acentuar há pelo menos 25 anos. Outros países tradicionalmente católicos, como a Espanha e a Itália, também se debatem com o mesmo problema. 
Ora, por que é que nós temos tão poucos filhos? Será por sermos demasiado egoístas? Será por não termos dinheiro? Ou haverá outros motivos? Há três grandes razões que explicam o declínio da natalidade em Portugal. Em primeiro lugar, o país desenvolveu-se e urbanizou-se, e os rendimentos médios subiram. Há 50-60 anos, o nosso país ainda era predominantemente rural, e fazia todo o sentido que os pais tivessem, em média, 4 ou 5 filhos (pelos motivos que vimos no artigo da semana passada). Em segundo lugar, nos últimos anos, tem havido um aumento muito significativo da idade em que os jovens casais contraem matrimónio, de modo que a idade média que as mães tentam conceber também subiu muito. O problema é que, como é sabido, quanto mais tarde as mães tentarem ter filhos, menos probabilidades de sucesso terão, pois a fertilidade baixa com a idade. Em terceiro lugar, há muito poucas estruturas de apoio e incentivos para os jovens casais terem filhos. Não, não estou sequer a falar de subsídios ou de abonos de família. Estou sim a falar da existência de flexibilidade laboral para que os pais possam acompanhar os seus filhos, bem como estruturas de apoio (infantários a preços razoáveis, licenças de maternidade mais prolongadas, etc.) que permitam que os pais possam conciliar as suas exigentes vidas profissionais com as suas vidas familiares.
O que é certo é que a baixa natalidade nacional terá enormes repercussões sociais e económicas, pois a baixa natalidade é uma autêntica bomba relógio para as finanças públicas nacionais e para a Segurança Social. E de uma coisa podemos estar certos: quanto mais tarde lidarmos com este problema, maiores serão os estilhaços provocados pelo rebentamento dessa bomba. 

Nota: Meu artigo no Notícias Sábado, Março 2011

AVISOS EUROPEUS

Bem antes de um resgate do FEEF e do FMI ter sido equacionado, a Comissão Europeia já defendia a necessidade de haver um ajustamento drástico das nossas finanças públicas. Assim, num relatório sobre a sustentabilidade das contas públicas da Zona Euro, a Comissão argumenta sem quaisquer ambiguidades:
«[T]o put public finances on a sustainable path, Portugal should improve its structural primary balance in a durable manner by 5.5% of GDP. In principle, this adjustment could take place via an increase in revenues or cuts in expenditure. Alternatively the social protection system would have to be reformed to decelerate the planned increase in age-related expenditure.» (Comissão Europeia 2010, p. 132)

A CULPA É DA EUROPA

A S&P justifica a descida dos ratings da Grécia e de Portugal com o argumento de que as regras do Mecanismo Europeu de Estabilização, que será implementado em 2013, aumentam a probabilidade de esses países terem de reestruturar as suas dívidas. O Wall Street Journal explica porquê.

REESTRUTURAÇÃO OU NÃO, EIS A QUESTÃO (9)

Uma excelente entrevista de Barry Eichengreen, um dos mais influentes economistas mundiais, que refere, mais uma vez, a necessidade de Portugal ter de, mais cedo ou mais tarde, reestruturar a sua dívida. A entrevista pode ser lida aqui:
http://economia.publico.pt/Noticia/barry-eichengreen-portugal-tera-de-reestruturar-a-sua-divida_1487436

30 março 2011

PRIVATIZAÇÃO DA CAIXA

O Jornal de Negócios fez-me umas perguntas sobre uma eventual privtização da Caixa Geral de Depósitos. Aqui estão as minhas respostas:
JN – A privatização da CGD é um assunto sobretudo ideológico? 
É um assunto com algumas vertentes estratégicas, mas é, de facto, sobretudo ideológico. A verdade é que na grande maioria dos países da OCDE não há bancos públicos. Nos países com sistemas financeiros mais robustos e desenvolvidos, como o Canadá, o que há é uma forte regulamentação do sistema financeiro, de forma a evitar abusos e minorar riscos.

JN – Concorda com a privatização? Parcial ou total? 
Penso que, actualmente, a questão não passa por concordar ou não. A triste verdade é que a privatização da CGD é provavelmente inevitável, face ao elevado estado de degradação das nossas contas públicas. A Caixa é a empresa estatal mais valiosa, de modo que a sua privatização se torna muito atractiva em qualquer estratégia de diminuição da dívida pública. Considero que, a médio ou longo prazo, faz sentido equacionar uma privatização total da CGD. No entanto, a curto prazo, e face ao excessivo endividamento da economia nacional, uma privatização poderá revelar-se um pouco problemática. Convém estudar bem a questão antes de avançarmos.

JN – O que pode um banco público fazer que um banco privado não pode? Um banco público pode ajudar o Estado a apoiar o si\stema financeiro em situações de emergência. Porém, ao fazê-lo, pode criar incentivos errados ou gerar comportamentos de risco excessivo por parte das instituições financeiras nacionais, o que não é bom. Um banco estatal pode (ou devia) ainda apoiar as empresas inovadores e empreendedoras, fornecendo-lhes um maior acesso ao capital de risco.

JN – E o que faz um banco público que não devia fazer? O problema de ter um banco público é que facilmente se torna num outro braço do nosso Estado tentacular. Como está vulnerável às investidas do poder executivo, a Caixa frequentemente se torna num instrumento adicional de política económica. Esta é uma situação indesejável, principalmente se as políticas do governo forem más para o país. O que é claramente o caso actual.

JN – Um banco do Estado não acaba invariavelmente por ser um banco do Governo? Claro que sim. E aqui é que está o problema.
Apesar da boa gestão que tem caracterizado a Caixa nos últimos anos, a verdade é que os governos imiscuem-se em demasia na sua gestão, obrigando a CGD a fazer negócios que não são de todo do seu interesse. O caso BPN é o mais paradigmático, mas há inúmeros outros exemplos. Também não concordo que os principais partidos disputem e reservem para si a gestão do banco estatal. A gestão devia ser feita somente por critérios de mérito e competência, e não por critérios políticos.

DESCIDA DE RANKING

Aqui está a justificação formal da S&P para a descida de ranking da nossa dívida publica. As razões são simples: não é a crise política que é o problema. É mesmo a sustentabilidade da nossa dívida que está posta em causa, e a possibilidade de em 2013 podermos vir a ser forçados a reestruturar as nossas dívidas.

"Overview
The concluding statement of the European Council meeting of March 24-25, 2011, addressing the terms under which EU sovereigns may borrow from the European Stability Mechanism (ESM) confirms our previously published expectations that (i) sovereign debt restructuring is a potential pre-condition to borrowing from the ESM, and (ii) senior unsecured government debt will be subordinated to ESM loans.
Both features are, in our view, detrimental to the commercial creditors of EU sovereign ESM borrowers, and represent a major departure from the current European Financial Stability Facility (EFSF) regime whereby sovereign EFSF loans rank pari passu with a borrowing sovereign's commercial debt.
Given Portugal's weakened capital market access and its likely considerable external financing needs in the next few years, it is our view that Portugal will likely access the EFSF and thereafter the ESM.
While we believe Portugal's public sector debt trajectory could start to decline in 2013, thereby creating the possibility that Portugal may be able to obtain ESM funding without being required to restructure its debt (based in part upon our reading of the "sustainable path" language in the EC's concluding statement), the issue of subordination remains.
We are therefore lowering our sovereign credit ratings on Portugal to 'BBB-/A-3'.
The negative outlook reflects our view that the macroeconomic environment could weaken beyond our current expectations and that a political impasse could undermine the effective implementation of Portugal's adjustment program, leading to non-negligible policy slippages.

Rationale
The downgrade reflects our view of the concluding statement of the European Council (EC) meeting of March 24-25, 2011, that confirms our previously published expectations that (i) sovereign debt restructuring is a possible pre-condition to borrowing from the European Stability Mechanism (ESM), and (ii) senior unsecured government debt will be subordinated to ESM loans. Both features are, in our view, detrimental to the commercial creditors of EU sovereign ESM borrowers. The EC's concluding statement addresses the issues of sovereign debt restructuring and government bond subordination in items 1 and 3 of the ESM's term sheet (see "European Council Conclusions" below).
According to the EC's concluding statement: "If, on the basis of a sustainability analysis, it is concluded that a macro-economic program cannot realistically restore the public debt to a sustainable path, the beneficiary Member State will be required to engage in active negotiations in good faith with its creditors to secure their direct involvement in restoring debt sustainability. The granting of the financial assistance will be contingent on the Member State having a credible plan and demonstrating sufficient commitment to ensure adequate and proportionate private sector involvement."
"Like the IMF, the ESM will provide financial assistance to a Member State when its regular access to market financing is impaired. Reflecting this, Heads of State or Government have stated that the ESM will enjoy preferred creditor status in a similar fashion to the IMF, while accepting preferred creditor status of IMF over ESM." 
It is our view that high current account deficits accumulated over the past 10 years resulted in Portugal's substantial net external indebtedness, with gross external debt exceeding 500% of current account receipts (CARs), and gross financing requirements exceeding 200% of CARs annually in the whole forecast period until 2014. In our view, these financing requirements make it likely that Portugal will access the European Financial Stability Facility (EFSF; AAA/Stable) and, in 2013, ESM funding.
The outlook for Portugal's GDP performance is highly uncertain and will depend significantly on the capacity of the relatively small and closed Portuguese economy to build exports from the currently relatively low base of 30% of GDP. Following last week's resignation of Portugal's minority government, we assume that a new government will be formed by the end of the second quarter 2011. We expect the next government will agree to further fiscal and structural reforms as part of an EU/IMF program. However, timing and implementation risks remain against the backdrop of an uncertain outlook for the economy and the financial sector.
Under current policies, Portugal's fiscal deficit is likely to exceed the targets established in the Stability and Growth Programme by around 3% of GDP in cumulative terms between 2011-2014; this would still imply that general government debt to GDP would begin to decline in 2013, based on our nominal GDP and interest rate assumptions. However, the uncertain outlook on the economy means that there are sizable downside risks to this relatively benign scenario, given the sensitivity of tax receipts to domestic demand and to imports, amid pressures on commercial banks to tighten credit.
If the government demonstrates that a macroeconomic program can realistically put the public debt trajectory onto a sustainable path, we are of the view, based on our reading of the concluding statement of the EC meeting, that Portugal may be able to obtain funding from the ESM without restructuring its existing debt in 2013, thus avoiding the timing disruption inherent in a restructuring. Nevertheless, any ESM borrowings would be senior to Portugal's government bonds. The seniority of ESM borrowings (and the consequent subordination of government bonds) in our view reduces the prospect of timely repayment to government bondholders, and likely also results in lower recovery values.

Outlook
The negative outlook reflects our view of the risks to Portugal's fiscal performance from a sustained weakening in domestic demand, as government austerity measures and weak credit stimulus weigh on incomes. Portugal still faces sizable twin deficits and their reduction will stress policymakers' resolve in the face of what we believe will become an increasingly hostile public opinion. Risks of a challenging economic and financial environment could negatively affect asset quality and profitability in the Portuguese financial system, potentially triggering the need for capital support from the
government. If, contrary to our baseline assumption, the next government deviates from the current fiscal targets or if bank recapitalization cost exceeds 3% of GDP, we could lower the ratings further.
On the other hand, if Portugal achieves better-than-anticipated fiscal performance compared to our current forecast, achieves faster debt reduction by 2013, continues to implement growth-enhancing reforms, maintains its pace of strong export growth, and thus reduces its external financing gap, we could revise the outlook to stable."

29 março 2011

DESPESAS COM TRIBUNAIS

Como já aqui mencionei várias vezes, a Justiça é uma das áreas que aumenta muito a descompetitividade da nossa economia. No entanto, e contrariamente ao que às vezes se pensa, a lentidão e a ineficiência do nosso sistema judicial não se deve à falta de meios ou a um exíguo financiamento. Bem pelo contrário. A verdade é que, actualmente, Portugal é um dos países europeus (e não só da União Europeia) que mais gasta com os seus tribunais. É isso que podemos observar no gráfico abaixo, onde se representam as despesas com tribunais por habitante nos países europeus onde temos dados. Na Europa, só a Suíça, a Eslováquia e a Suécia gastam mais com os seus tribunais do que nós.
Há ainda toda uma série de outros indicadores que também sugerem que as despesas com os nossos tribunais são muito elevadas em relação aos restantes países europeus. Mesmo assim, temos actualmente cerca de 1,6 milhões de casos pendentes, cerca de 1 milhão de casos a mais do que em meados dos anos 1990. Números que são, de longe, dos mais elevados da Europa.
Por outras palavras, não é por gastarmos pouco que os nossos tribunais são ineficientes. E não é lá por "despejarmos" milhões e milhões de euros adicionais em cima da Justiça que conseguiremos resolver o gravíssimo problema de pendências existente no nosso sistema judicial.

Gastos orçamentais anuais com tribunais, euros por habitante
 Fonte: European Judicial Systems (2008)

CENSURADOS

O governo conservador canadiano foi mesmo censurado pela oposição na última sexta-feira, de modo que os canadianos irão novamente ser chamados às urnas no dia 2 de Maio. Este é, assim, um processo eleitoral bem mais rápido do que o nosso, e que permite reduzir a incerteza para um período bem menor. Porém, há outro facto que vale a pena realçar das eleições canadianas. É que esta é a quarta vez em apenas 7 anos que os canadianos irão votar para o governo central. Ou seja, se há instabilidade política entre nós, no Canadá esta instabilidade é muito mais extremada. E, ainda por cima, pelo que tudo indica, os resultados das próximas eleições irão deixar tudo, ou quase tudo, na mesma.  É natural: O Canadá sobreviveu sem grande sobressalto à tempestade financeira de 2008, e a economia já dá mostras de estar a começar a recuperar. 
E a apesar da instabilidade política que quase toda a gente reclama, a verdade é que a democracia e a própria política económica permanecem bastante estáveis. Porquê? Porque o Estado canadiano está bastante automatizado e continua a funcionar relativamente bem, mesmo em tempos de mais incerteza política. Infelizmente, o mesmo não se passa em Portugal, onde a crise política ameaça ser o ponto central de debate durante a campanha eleitoral que se avizinha. Esperemos que, com isso, não nos esqueçamos dos assuntos que deverão determinar o futuro mais próximo do país.

LIÇÕES IRLANDESAS PARA PORTUGAL

O Wall Street Journal analisa alguma das lições do resgate à Irlanda que nos poderão vir a ser úteis dentro em breve, quando uma eventual ajuda external for activada. Aqui está um excerto do artigo do WSJ, que pode ser lido aqui:

"The problems facing Portugal seem less complex, if no less serious. Its banks may be in difficulty, but not to anything like the same extent as Ireland's, and voters appear less convinced that the problems that do exist can be laid at the feet of the outgoing government.
But Portuguese voters should be given the chance to look back over the sequence of events that has led to their nation's parlous financial position, decide on its root causes, and who they want to fix them. Only then can an agreement be reached with the EU and IMF on the terms of the likely bailout.
Of course, they don't have a limitless amount of time in which to do that. The money is running out, and if Portugal can't elect a new government quickly enough to negotiate a deal before the June repayments, it's going to have to borrow in the bond markets, whatever the price. To keep a lid on the cost of doing democracy properly, the Portuguese are going to need help. And the only European institution that can supply that right now is the European Central Bank."

28 março 2011

TOP DA DÍVIDA EXTERNA

Para quem ainda pensa que a crise nacional se deve à crise internacional, aqui está o top 20 do endividamento mundial, medido pela dívida externa líquida (posição líquida internacional), no final de 2008. Já agora, refira-se que, nos anos seguintes, o nosso lugar no top deteriorou-se ainda mais, assim como irei revelar no meu novo livro:

  Dívida Externa Líquida (% PIB)
1. Islândia 268.6
2. Nicarágua 123.2
3. Jamaica 112
4. Bulgária 103.7
5. Jordânia 100.1
6. Hungria 97.7
7. Tunísia 97.4
8. Portugal 97.2
9. Burundi 93.3
10. Togo 83.3
11. Geórgia 80.2
12. Espanha 76.2
13. Letónia 75.4
14. Nova Zelândia 73.9
15. Cabo Verde 73.1
16. Croácia 72.9
17. Estónia 72
18. Grécia 70.9
19. Moçambique 70.7
20. Panamá 68.8
 
Fonte: Santos Pereira (2011)

NOVOS BURACOS

Pelo que parece, e de acordo com o Guardian, os bancos irlandeses irão revelar mais um buraco de 25 mil milhões de euros quando os testes de stress forem publicados. Por sua vez, as cajas espanholas precisam de angariar cerca de 15 mil milhões de euros. E Portugal está cada vez mais sob pressão para "aceitar" ajuda externa.

SINAIS DOS TEMPOS (5)

Sabemos que estamos a viver tempos extraordinários (na pior asserção da palavra) quando, a propósito da crise nacional, os Homens da Luta são um dos temas principais de um artigo do jornal britânico The Telegraph.

SUBIR O IVA OU REDUZIR INSTITUTOS? (4)

Já que o Diário de Notícias de hoje resgata a minha proposta e os meus cálculos de redução de despesa dos institutos públicos e restantes entidades e organismos do Estado, aqui está uma das passagens do meu novo livro que já aqui foi referenciada:

"Segundo a contabilidade mais recente da Administração Pública nacional, existem em Portugal nada mais nada menos do que 349 Institutos Públicos[i], 87 Direcções Regionais, 68 Direcções-Gerais, 25 Estruturas de Missões, 100 Estruturas Atípicas, 10 Entidades Administrativas Independentes, 2 Forças de Segurança, 8 entidades e sub-entidades das Forças Armadas, 3 Entidades Empresariais regionais, 6 Gabinetes, 1 Gabinete do Primeiro Ministro (bem grande, diga-se), 16 Gabinetes de Ministros, 38 Gabinetes de Secretários de Estado, 15 Gabinetes dos Secretários Regionais, 2 Gabinetes de Presidência Regionais, 2 Gabinetes da Vice-Presidência dos Governos Regionais, 18 Governos Civis, 2 Áreas Metropolitanas, 9 Inspecções Regionais, 16 Inspecções-Gerais, 31 Órgãos Consultivos, 350 Órgãos Independentes (tribunais e afins), 17 Secretarias-Gerais, 17 Serviços de Apoio, 2 Gabinetes dos Representantes da República nas regiões autónomas, e ainda 308 Câmaras Municipais, 4260 Juntas de Freguesias, e 1226 estabelecimentos de educação e ensino básico e secundário. A estas devemos juntar as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, e as Comunidades Inter-Municipais. Ou seja, se o nosso Estado não é eficiente, não é certamente por falta de entidades e organismos ao seu dispor. Bem pelo contrário."


[i] Se não contarmos as 238 Universidades, Institutos Politécnicos, Escolas superiores e Serviços de Acção Social, o número de Institutos Públicos é ainda de 111, um número extraordinário para um país das nossas dimensões."

AINDA A TSUNAMI

Um novo video impressionante da tsunami que devastou o norte do Japão:


New Shocking Video Of The Japanese Tsunami by timbarracuda

27 março 2011

VENDER DÍVIDA PORTUGUESA

Os bancos europeus vendem os seus títulos da dívida portuguesa para evitarem estar demasiado expostos a activos menos sólidos quando forem sujeitos aos testes de stress. Mais um sinal do que está para vir. Nas rádios da BBC, da Bloomberg e a National Public Radio discute-se abertamente os montantes do resgate português. A verdade é que fora de Portugal já ninguém acredita que Portugal não recorra ao FEEF e ao FMI.

26 março 2011

O semanário Sol pediu-me para fazer uma antevisão da cimeira europeia e fez-me algumas perguntas sobre o nosso nível de endividamento. Aqui estão as minhas respostas:
 
SOL_ O que seria o cenário de uma vitória e uma derrota para Portugal nos resultados da Cimeira desta semana, em Bruxelas?
Sinceramente, neste momento e face ao cenário de descalabro orçamental e de total perda de credibilidade política, julgo que não há grandes possibilidades de termos uma “vitória” na cimeira europeia. Sabendo que vamos de ter de recorrer a mais ajuda externa (é preciso não esquecer que já estamos a ser ajudados pelo BCE desde o início de 2010), penso que o mais importante é que as condições que vamos tentar negociar não sejam demasiado gravosas para o nosso país. 
SOL_ Concorda que tem existido um excessivo foco na liquidez durante os últimos meses em detrimento de outros temas como as reformas estruturais? A preocupação com a grave crise de liquidez que estamos a viver há mais de um ano é muito natural. Se não fosse o BCE, já há muito que estaríamos a viver uma crise de liquidez ainda mais profunda, que teria implicações económicas muitíssimo dramáticas. Por isso, é normal que a ênfase tenha sido dada à falta de liquidez, que está a asfixiar a economia e as empresas nacionais. Dito isto, é igualmente importante perceber que este governo já anda a fingir implementar reformas estruturais há muito tempo. É óbvio que o país precisa de muitas reformas estruturais. Porém, este governo tem-se mostrado completamente incapaz de o fazer. É por isso que o foco não tem sido dado a esta área. 
SOL_ Os mercados não acreditam em medidas de longo prazo dado o historial de incumprimento do país? Nós não temos um historial de incumprimento desde o século 19. Já tivemos crises financeiras, mas não tivemos situações de incumprimento desde 1892. Os mercados não acreditam em nós, porque este governo tem-se mostrado totalmente incapaz para fazer face às nossas dívidas e ao descontrolo orçamental. Ou seja, os mercados não acreditam em nós porque este governo não tem o mínimo de credibilidade. 
SOL_ Na eventualidade de uma ajuda externa, será muito provável a introdução de novas medidas de austeridade? Que novas medidas prevê? As medidas de austeridade não acontecem por causa de uma eventual ajuda externa, mas sim devido ao descontrolo orçamental deste governo. Penso que teremos que implementar mais medidas. No entanto, não é possível pedir muitos mais sacrifícios aos portugueses. Os cortes e os ajustamentos têm de ser feitos ao nível do Estado, e não sistematicamente contra os contribuintes, contra as empresas e, agora, contra os pensionistas. Infelizmente, até agora o só se têm pedido sacrifícios aos portugueses, mas nada tem sido feito para cortar no peso do Estado. Penso que é aí que as novas medidas terão de ser pensadas e aplicadas.  SOL_ O risco de bancarrota de Portugal é um cenário possível? Sim, o risco de incumprimento é um cenário muito possível e, quiçá, até provável. Porquê? Porque o nosso nível de endividamento é extremamente elevado, principalmente se tomarmos em linha de conta (como devíamos) as dívidas das empresas públicas (que são já mais elevadas do que 25% do PIB) e a dívida pública futura ainda não contabilizada, como é o caso das parcerias públicas-privadas (PPPs). Só nas PPPs teremos encargos futuros de mais de 48 mil milhões de euros nas próximas décadas. No meu próximo livro mostro claramente que todo este endividamento é demasiado alto e é, provavelmente, insustentável.

CONFLITO ESQUECIDO

Com tanta agitação a acontecer no mundo, uma tragédia de África permanece esquecida.

25 março 2011

UMA CRISE HISTÓRICA (II)

Quando daqui a 30 ou 40 anos os historiadores e os economistas se debruçarem sobre a crise actual, a variável que, por ventura, irão dar mais atenção será o endividamento da economia nacional. Nos últimos 15 anos, a espiral do endividamento foi posta em marcha a um ritmo de tal modo elevado que se criaram as condições para que todos ficássemos extremamente vulneráveis a choques externos. E foi assim que, quando a crise internacional deflagrou, o endividamento nacional tornou-se num autêntico pesadelo, cujas consequências mais nefastas já estamos a viver há cerca de um ano, mas que só agora atinge contornos mais dramáticos com o iminente recurso ao FEEF e ao FMI.
Vale a pena relembrar que este explosivo crescimento do endividamento nacional é culpa de todos: dos governos, das famílias, dos bancos e das empresas. Ninguém está isento de culpas pela subida do endividamento. Os governos  gastaram acima das suas possibilidades e acima do que era razoável, embora tenham ainda beneficiado de generosas transferências externas para a construção de infra-estruturas e, principalmente, tenham tido à sua disposição mais de 25 mil milhões de euros em receitas de privatizações (que nos permitiram baixar temporariamente a dívida pública). Os governos são igualmente culpados pela situação actual, pois falharam em reconhecer a gravidade colocado pelo excessivo endividamento nacional. Por outro lado, as famílias endividaram-se mais do que era aconselhável não só devido ao crescimento dos seus consumos, mas essencialmente para a compra de casa própria. Setenta e cinco por cento do endividamento familiar deveu-se precisamente à aquisição de habitação própria.
Por sua vez, as empresas endividaram-se não só para realizarem os seus investimentos, mas também para estarem presentes nos vários processos de privatização de empresas públicas, bem como para poderem participar nos lucrativos contratos relacionados com as parcerias-público privadas. E os bancos financiaram isto tudo, pois o acesso ao crédito externo ficou bem mais simplificado após a nossa adesão ao euro e as oportunidades de negócios eram realmente boas.
Para além das razões que conduziram ao aumento das dívidas, interessa perguntar: Quão grande é este endividamento? Será realmente alto ou será que só o Estado é que está demasiado endividado? Segundo os dados mais recentes do Banco de Portugal, as dívidas das famílias em percentagem do PIB já rondam os 100% do PIB. E se tomarmos em linha de conta o rendimento disponível, é muito preocupante constatar que as dívidas das famílias são cerca de 135% do rendimento disponível familiar. Como podemos ver no gráfico abaixo, o crescimento do endividamento das famílias foi praticamente contínuo nos últimos 15 anos, apesar de que o ritmo de ter abrandado a partir de 2008. Ou seja, foi a crise internacional que limitou o acesso ao crédito das famílias portuguesas, e que conduziu a uma redução do ritmo de endividamento familiar.

Gráfico _ Dívida das famílias em % do PIB e do rendimento disponível, 1997-2009
Fonte: Banco de Portugal

As dívidas das empresas também aumentaram muito nos últimos 15 anos. Mais concretamente, as dívidas empresariais cresceram de cerca de 90% do PIB em 1997 para mais de 150% do PIB em 2009. Um aumento não tão elevado como o das famílias, mas, mesmo assim, muito significativo.

Gráfico _ Dívida das empresas em % do PIB
Fonte: Banco de Portugal

Como já aqui vimos várias vezes, o endividamento do Estado também aumentou a olhos vistos, atingindo actualmente o nível mais elevado desde os meados do século 19. 
E como é que conseguimos financiar todo este endividamento? Em parte com a poupança nacional. Porém, como esta baixou muito nos últimos anos, a grande quota do financiamento veio do exterior. E foi assim que nos últimos 15 anos vimos a nossa dívida externa subir sucessivamente, até que chegámos a um ponto em que os nossos credores já começam a desconfiar que não seremos capazes de cumprir as nossas obrigações financeiras. Porquê? Porque a nossa economia não cresce (e, assim, os nossos rendimentos não aumentam) e porque a dívida externa nacional já ultrapassou níveis muito perigosos, rondando mais de 240% do nosso PIB.
Infelizmente, os nossos governos optaram por não actuar perante o preocupante crescimento do endividamento nacional, visto que, durante anos, acreditaram que a nossa participação na Zona Euro significava que não mais teríamos problemas com a nossa balança de pagamentos. Isto é, poderíamos aumentar a nossa dívida quase ilimitadamente, visto que a Zona Euro nos isolaria dos efeitos nefastos com o nosso endividamento. Obviamente, estávamos completamente errados. A prova disso é que estamos hoje a pagar um preço muito elevado por um endividamento que ficou fora de controlo e que começa a ter consequências muitíssimo nefastas para a nossa economia. 
Se há coisa a fazer nos próximos anos é exactamente esta: baixar o endividamento nacional para níveis menos punitivos e, principalmente, mais sustentáveis. O combate ao endividamento devia, assim, estar no centro da política económica e da política fiscal nos próximos anos. Só assim conseguiremos ter novamente um país com futuro.

MEDO DE PORTUGAL

Os bancos e demais instituições financeiras espanholas tentam diminuir a exposição à dívida portuguesa. É que um terço dos activos portugueses detidos pelos bancos esrangeiros estão em mãos espanholas. Ou seja, se Portugal chegar a uma situação extrema (por exemplo, se houver reestruturação da nossa dívida dentro de 1 ou 2 horas) a banca espanhola está bastante exposta à dívida portuguesa.

SEMPRE A SUBIR

A dívida pública portuguesa continua a crescer a bom ritmo. Segundo os dados mais recentes do IGCP, a dívida pública directa do Estado já é de 153,86 mil milhões de euros. Entre o final de Janeiro de 2011 e o final de Fevereiro de 2011, a nossa dívida pública aumentou algo como 2300 milhões de euros. Um TGV Poceirão-Madrid se não houvesse derrapagem de custos.
Já agora, e para compararmos, em 2010, e no mesmo período (isto é, entre o final de Janeiro e Fevereiro) a dívida pública directa "só" tinha crescido 1387 milhões de euros.

BOLHA BRASILEIRA?

Estará o Brasil a braços com uma bolha imobiliária? Os preços das casas no Rio subiram quase 100% desde 2008, enquanto os preços de São Paulo subiram 81%. Há já quem especule sobre as consequências desta rápida subida dos preços das casas no mercado financeiro brasileiro.

RISCO BANCÁRIO

Os riscos associados aos bancos portugueses continuam a manifestar-se.

24 março 2011

UMA CRISE HISTÓRICA

Quando, dentro de 30 ou 40 anos, os historiadores olharem para a época actual e a confrontarem com o nosso passado colectivo, não lhes será muito difícil estabelecer vários paralelos com a grave crise assolou o país em 1891 e 1892, e que nos forçou a declarar uma bancarrota parcial. As consequências dessa insolvência nacional foram terríveis, pois, para além dos inevitáveis custos reputacionais, Portugal viu-se arredado dos mercados financeiros internacionais durante várias décadas, um facto que teve enormes consequências para a condução da política económica do país e que contribuiu enormemente para a instabilidade política que se viveu nos anos que se seguiram.
Nós ainda não chegámos a esse ponto, mas estamos a caminhar a passos largos para uma situação em  que o incumprimento da dívida do país se possa revelar inevitável. É certo que, mesmo se tal acontecer (esperemos que não), Portugal está hoje muitíssimo mais preparado e muito mais integrado com a Europa para evitar ser ostracizado por muito tempo pelos mercados financeiros. Portugal é igualmente um país muitíssimo mais avançado do que há 120 anos atrás. No entanto, também é certo que hoje em dia temos algumas vulnerabilidades que não tínhamos há 120 atrás (p. ex., não temos colónias, nem temos uma moeda nacional), o que torna o ajustamento a fazer potencialmente mais penoso.
Mesmo assim, não há dúvidas que toda a situação que se vive hoje em dia é muito lamentável. Muito lamentável mesmo. É lamentável que todos nós nos tenhamos deixado endividar acima das nossas possibilidades. É lamentável que os nossos governantes tenham tentado escamotear a grave situação nacional, fingindo que a nossa participação no euro nos isentava da obrigação de termos de ter uma política económica responsável. E é ainda mais lamentável que a propaganda política tenha substituído toda e qualquer noção de prudência e de bom senso, contribuindo assim para que a grande maioria dos portugueses não se apercebesse do quão sério era o estado do país até ter sido tarde demais.
E é assim que, no dealbar da segunda década do novo século, nos vemos confrontados com a maior dívida pública dos últimos 160 anos (ficando acima de 90% do PIB este ano) e com uma dívida externa que é certamente a mais elevada desde os meados do século XIX. E nestes cálculos não estão sequer incluídas as dívidas das PPPs (mais 48 mil milhões de euros), nem as dívidas das empresas públicas (que já ultrapassam os 40 mil milhões de euros). Se estivessem, facilmente perceberíamos que a nossa dívida pública actualizada já ronda os 125%-130% do PIB. Ou seja, não somos a Grécia, mas não estamos longe.
Por isso, e neste momento de crise, vale a pena perguntar: como é que foi possível? Como é que nos deixámos chegar a este ponto? Como é que as coisas correram tão mal? A resposta a estas perguntas não é fácil, mas, ainda assim, podemos resumir as explicações a quatro grandes factores. Primeiro, o endividamento foi estimulado pela descida dos juros e pelas maiores facilidades de crédito proporcionadas pela nossa entrada no euro. Segundo, a prolongada crise económica da última década limitou o crescimento da riqueza e tornou-nos mais vulneráveis à subida do endividamento. Terceiro, uma situação já delicada foi exponenciada pela irresponsabilidade dos nossos governantes, que não só não deram a importância devida ao explosivo crescimento das dívidas do país, como, e principalmente, demonstraram uma terrível e dispendiosa obsessão de deixar obra feita a todo o custo. E é assim que, como os cálculos do meu próximo livro demonstram, quase metade do endividamento nacional se deve directa ou indirectamente ao nosso Estado e às políticas dos nossos governos. A crise internacional foi assim o choque exógeno que fez descarrilar um comboio já em avançado estado de descontrolo.
 _
Neste sentido, gostaria de reiterar o que já disse em várias ocasiões, mas que nunca é por demais mencionar. Em relação à política económica, a culpa não é só deste governo. A culpa de grande parte do mal-estar nacional é do modelo económico que tem sido seguido, de uma forma ou de outra, por todos os governos dos últimos 15 anos, com especial preponderância para os governos Guterres e, como é óbvio, o governo actual.
É igualmente importante referir mais uma vez que, se chegámos a esta situação, foi porque os nossos governantes demonstraram uma irresponsabilidade indesculpável e uma atroz incúria fiscal. Por favor, não me venham com o argumento que este Ministro das Finanças e este governo tiveram azar, pois tinham feito um trabalho excepcional até terem esbarrado com a crise internacional. Por favor, não me digam que a consolidação orçamental tinha sido muito boa até 2008. É certo que os números são razoáveis. Porém, não podemos esquecer que os défices na ordem dos 2,7% do PIB só foram alcançados porque não só a dívida pública baixou bastante com as receitas das privatizações e com descidas dos juros, mas também porque, e principalmente, praticamente todo o grande investimento público foi feito através de PPPs ou à custa do endividamento de empresas públicas como a Parque Escolar. Ou seja, as obras foram pagas a crédito, sem que este governo tivesse que se preocupar com qualquer encargo. Só este governo foi responsável por PPPs que totalizaram mais de 20 mil milhões de euros. 20 mil milhões de euros que não entraram nos défices dos anos em que as obras foram feitas e que, infelizmente, entrarão nos défices dos governos futuros e nas dívidas das gerações vindouras. 
Para além do mais, e como já aqui defendi várias vezes, é por demais evidente que só agora é que estamos a começar a descobrir os buracos orçamentais que este governo vai legar. O Eurostat já encontrou alguns, mas mais virão. Podemos ter a certeza. E só vamos descobrir o verdadeiro estado das contas públicas e os danos que foram causados quando fizermos uma auditoria às finanças do Estado. Uma auditoria que certamente será feita pelo próximo governo e que devia realizada por uma entidade independente como o Tribunal de Contas ou a UTAO (a unidade tecnica de apoio orçamental do parlamento). Só então é que poderemos perceber o esforço que teremos de fazer para conseguimos tornar com que as nossas dívidas sejam sustentáveis. Esperemos que este esforço não se venha a mostrar impossível de concretizar.
Enfim, vivemos, sem dúvida, momentos negros do nosso país. Muito negros mesmo. E, infelizmente, o pior ainda está para vir. O pesadelo não acaba com a queda do governo ou com a sua substituição por um governo responsável após a realização de eleições. Bem pelo contrário. A queda do governo é somente o despertar do pesadelo. A queda do governo é só um primeiro passo. Um pequeno primeiro passo para que consiguemos finalmente começar a combater os danos que foram cometidos ao país nos últimos anos. Resta saber se ainda vamos a tempo para evitar um desastre ainda maior.

CRISE POLÍTICA VISTO DE FORA

A Rádio Renascença entrevistou-me, bem como ao Luís Cabral, sobre a actual crise política e sobre as eventuais implicações económicas que esta poderá ter. A entrevista feita por Skype pode ser vista aqui:
http://www.rr.pt/multimedia_video.aspx?fid=167&fileID=278429

Um bom artigo da Economist sobre a crise política nacional. Como a revista nota, e bem, um dos principais problemas da crise actual tem a ver com as eventuais (mas mais que certas) negociações com os nossos parceiros europeus e com o FMI sobre as contrapartidas necessárias para que seja activado um plano de resgate. A grande questão é assim: quem é que nos irá representar nessas importantes negociações? O governo? Ou mais alguém? Seria bom que os principais partidos estivessem representados e não só o governo actual, pois o governo não tem nem a necessária credibilidade nem (e principalmente) a confiança política das outras forças partidárias, algumas das quais certamente formarão governo daqui alguns meses e terão que arcar com as consequências do acordo negociado. Os próximos dias devem esclarecer esta questão.
A Economist resume bem este dilema. Segundo a revista, a crise: "also created a political vacuum in which nobody may have enough authority to negotiate a bail-out. Few doubt that Portugal is close to the moment when it has no alternative but to seek assistance from the European Financial Stability Facility (EFSF), the euro-zone’s bail-out fund. But economists say that the crisis increases the chances that Portugal will need EU funds soon."

23 março 2011

VERDADEIRO DÉFICE

Se esta notícia do Diário Económico se confirmar, isto quer dizer que o verdadeiro défice orçamental em 2010 (isto é, sem as medidas extraordinárias com o fundo de pensões da PT) rondou os 10% do PIB. Dez por cento. Pior que em 2009. enfim, palavras para quê? É difícil classificar tanta incompetência. Só esperemos que este pesadelo esteja realmente a acabar.

O FUTURO DAS POLÍTICAS MACROECONÓMICAS

Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, fala do futuro das políticas macroeconómicos. Segundo Blanchard, qual é o melhor conselho para governos e analistas? "Pragmatism is of the essence."

QUEDA DO GOVERNO

O governo minoritário do Canadá viu rejeitada a sua proposta de Orçamento pelos partidos da oposição. Por isso, é muito provável que se realizem eleições antecipadas no Canadá esta Primavera. Depois de feitas as contas, é bem possível que tudo continue na mesma: mais um governo minoritário e os conservadores a governar. De uma coisa podemos estar certos: a campanha não será certamente tão crispada e tão agitada com a campanha que se adivinha em Portugal.

DEFAULT, DIZEM ELES

A possibilidade de um país europeu entrar em incumprimento é cada vez mais debatida nos círculos europeus. Em 2013 ou até antes, é provável que algo aconteça.
Já agora, uma das frases mais interessantes do artigo do FT
revela bem a diferença entre nós e a Espanha: 
"Fears of a Spanish default have receded sharply in recent weeks because of the determination of its government to introduce reforms."

22 março 2011

CONSUMOS INTERMÉDIOS

Ouvimos frequentemente dizer que as aquisições de bens e serviços do nosso Estado quase não têm parado de aumentar nos últimos anos. Uma tendência que se passa não só na Administração Central, mas também nos chamados Fundos e Serviços Autónomos. Mas, afinal, quão grande tem sido este aumento? Será que as aquisições de bens e serviços do Estado têm vindo a crescer relativamente à economia nacional?
Para podermos responder a estas questões, nada melhor do que observarmos a tendência desta variável nos últimos anos. Assim, e como podemos ver no gráfico 1, é, de facto, verdade que as aquisições de bens e serviços aumentaram significativamente na última década. Assim, no ano 2000, os consumos intermédios do nosso Estado totalizam algo como 5,6 mil milhões de euros, enquanto em 2010 já tinham ultrapassado os 9 mil milhões de euros. E como o governo gosta de atribuir a subida dos consumos intermédios aos submarinos, vale a pena salientar que no ano anterior, em 2009, as aquisições de bens e serviços atingiriam os 7,8 mil milhões de euros. Este ano, o governo projecta que os consumos intermédios irão novamente subir em mais de 800 milhões de euros. Palavras para quê?

Gráfico 1_ Consumos intermédios do Estado (milhares de milhões de euros), 2000-2010
Fonte: AMECO

No entanto, como poderá haver dúvidas quanto ao peso das aquisições de bens e serviços do Estado na economia nacional, uma medida ainda mais pertinente são os consumos intermédios em percentagem do PIB,  pois, desse modo, podemos verificar a evolução das aquisições de bens e serviços do Estado em relação à nossa economia. Assim, os valores destes consumos em percentagem do PIB desde 1977 estão representados no próximo gráfico. Como podemos ver, mais uma vez, o peso dos consumos intermédios no PIB tem  crescido substancialmente nos últimos anos. Por outras palavras, as aquisições de bens e serviços do nosso Estado têm vindo a aumentar em relação ao peso da economia, uma tendência pouco salutar e que é preciso combater o quanto antes, pois grande parte do despesismo estatal tem origem exactamente nesta área. 
Por todos estes motivos, seria bom se o próximo governo se comprometesse de antemão a reduzir significativamente os consumos intermédios do nosso Estado, preferencialmente para os níveis registados em 2004, quando as aquisições de bens e serviços rondavam os 6 mil milhões de euros. Ao fazê-lo, estaríamos não só a combater o excessivo despesismo do Estado, como estariamos a abrir as portas para alcançarmos uma consolidação orçamental mais saudável e equilibrada. Ou seja, tudo o que não tem sido feito nos últimos anos.

Gráfico 2 _ Consumos intermédios em percentagem do PIB
Fonte: Calculado dos dados da AMECO

RADIAÇÃO

A radiação a 20 km de Fukushima já é 1600 vezes mais elevada do que o normal.

A CHAVE FINLANDESA

O governo finlandês pode ter a chave para o sucesso da importante cimeira europeia desta semana.

ACTUALIZAÇÃO DO PEC

Já comecei a ler o documento da actualização do PEC, mas ainda não tive possibilidade de o analisar detalhadamente. Tentarei fazê-lo até amanhã. Entretanto, aqui está a primeira apreciação feita no Massa Monetária, onde também já se tinha se encontra uma análise muito interessante às novas medidas de austeridade.

21 março 2011

AS IDADES DO DESEMPREGO

Aqui está a distribuição do desemprego por grupos etários. Como podemos ver, e como já aqui referi várias vezes, o desemprego começou a sua trajectória ascendente no início do novo século, apesar de ter acelerado nos últimos anos. É igualmente visível que todas as faixas etários têm sido afectadas pela subida do desemprego, embora o grupo que registou a maior subida do número de desempregados foi o dos trabalhadores com idades entre os 25 e os 34 anos. Este grupo viu o número de desempregados aumentar de 80 mil em 2001 para cerca de 160 mil desempregados em 2010. O grupo com idades entre 35 e 44 anos também tem sido muito afectado pelo crescimento do desemprego, tendo igualmente visto duplicar o número de desempregados (de 60 mil em 2002 para 120 mil em 2010) nos últimos anos. O desemprego também não poupou os trabalhadores mais velhos. A única faixa etária que viu estabilizar os números do desemprego foi a dos jovens entre os 15 e os 24 anos. 

Milhares de desempregados por faixa etária, 1998-Janeiro 2010
Fonte: INE

REESTRUTURAÇÃO OU NÃO, EIS A QUESTÃO (8)

Uma nova sondagem de 1000 investidores internacionais mostra que mais de 70% desses investidores acredita que países como a Grécia, a Irlanda, e Portugal serão forçados a reestruturar as suas dívidas nos próximos 2-3 anos. Por outras palavras, um eventual recurso ao FEEF e ao FMI é só o primeiro passo numa longa caminhada de resolução dos nossos graves problemas de endividamento. Este é um dos temas do meu novo livro, onde apresentarei novos indicadores e novos dados sobre o nosso elevadíssimo nível de endividamento.

DÍVIDA EXTERNA BRUTA

Alguns leitores perguntaram-me se podia disponibilizar os dados da dívida externa bruta. Por isso, aqui estão os dados trimestrais do Banco de Portugal. Já agora, o gráfico referente a estes dados já foi aqui apresentado:

Dívida Externa Bruta de Portugal, 1999-Setembro de 2010 (em milhões de euros)


Dívida Externa Bruta
31-03-1999 106282
30-06-1999 111423
30-09-1999 118680
31-12-1999 119255
31-03-2000 133076
30-06-2000 140137
30-09-2000 143952
31-12-2000 155987
31-03-2001 168316
30-06-2001 180728
30-09-2001 182739
31-12-2001 195853
31-03-2002 202685
30-06-2002 210950
30-09-2002 219494
31-12-2002 215849
31-03-2003 222977
30-06-2003 230640
30-09-2003 236315
31-12-2003 231293
31-03-2004 248690
30-06-2004 251846
30-09-2004 250614
31-12-2004 244963
31-03-2005 251948
30-06-2005 262619
30-09-2005 270656
31-12-2005 273649
31-03-2006 288909
30-06-2006 294165
30-09-2006 291468
31-12-2006 300298
31-03-2007 304628
30-06-2007 320608
30-09-2007 327846
31-12-2007 332894
31-03-2008 338388
30-06-2008 349791
30-09-2008 354148
31-12-2008 349968
31-03-2009 355465
30-06-2009 361309
30-09-2009 369554
31-12-2009 380490
31-03-2010 398832
30-06-2010 405641
30-09-2010 399910

20 março 2011

NICOLE KRAUSS

Nicole Krauss tornou-se numa das revelações literárias americanas da última década, principalmente após a publicação de "The History of Love", publicado em Portugal pela Dom Quixote. "The History of Love"  foi um dos livros mais bem escritos e mais belos que li nos últimos anos. É, sem dúvida alguma, uma obra altamente recomendável. Agora, Krauss publicou o seu último romance "The Great House". Não é tão bom como o anterior, mas também vale a pena descobrir.


QUEM TEM A CULPA?

Agora que estamos prestes a pedir ajuda financeira ao FMI e aos nossos parceiros europeus, uma das perguntas que nos inquieta é: quem são os culpados por toda esta situação? A crise financeira internacional? A crise da dívida europeia? A fraca competitividade da economia nacional? Os nossos governos? Ou será que nós também somos culpados?
Se formos isentos, facilmente concluiremos que todos estes factores contribuíram para chegarmos à situação actual. Por um lado, a crise financeira internacional expôs as debilidades e as fragilidades da nossa economia (principalmente o nosso elevado endividamento). Foi igualmente a crise financeira internacional que fez com que muitos governos europeus se endividassem excessivamente ao introduzirem planos de resgate dos seus bancos, bem como toda uma série de estímulos às economias.
Por outro lado, a situação actual tem igualmente uma importante componente nacional. Porquê? Porque, primeiro, a economia nacional atravessa uma grave crise estrutural há já uma década, e os nossos governos têm sido totalmente incapazes em lidar com este problema. Segundo, porque os nossos governos têm sido de uma incompetência atroz e de uma irresponsabilidade indesculpável ao terem deixado que as nossas finanças públicas chegassem ao estado que chegaram. E todos nós (famílias, empresas e Estado) somos culpados, porque deixámo-nos endividar bem acima do que era aconselhável.  
Ou seja, a culpa da situação actual é de todos. Por isso, temos todos de trabalhar em conjunto para conseguirmos novamente tornar Portugal num país com futuro. 
 
Nota: Meu artigo no Notícias Sábado, Janeiro 2011

19 março 2011

O RELÓGIO DA DÍVIDA PORTUGUESA (2)


A Canadian Federation of Taxpayers arranjou um atrelado e colocou um relógio da dívida do país mesmo à frente do Parlamento. Seria bom que alguém em Portugal tivesse a mesma iniciativa para que as dívidas do nosso país fossem bem publicitadas e conhecidas por todos(as). Mais concretamente, seria bom se o relógio da dívida portuguesa tivesse a seguinte informação: dívida pública total, a dívida pública por português, a dívida externa bruta e a dívida externa por habitante. Aqui estão os números mais recentes (apesar de, certamente, já estarem desactualizados):

DÍVIDA PÚBLICA 
151.562 milhões de euros
(dados de 31 de Janeiro de 2011)

DÍVIDA PÚBLICA POR HABITANTE
14.298 euros
(dados de 31 de Janeiro de 2011 e assumindo uma população de 10,6 milhões de pessoas)

DÍVIDA EXTERNA BRUTA
399.910 milhões de euros
(dados de 30 de Setembro de 2010)

DÍVIDA EXTERNA BRUTA POR HABITANTE
37.727 de euros 
(dados de 30 de Setembro de 2010 e assumindo uma população de 10,6 milhões de pessoas)

INSOLVÊNCIA OU NÃO, EIS A QUESTÃO

Aqui está um artigo do Jornal de Negócios sobre a sustentabilidade da nossa dívida.
 
"João Duque e Álvaro Santos Pereira concordam que a situação é grave e insustentável a prazo, mas recusam o cenário de insolvência.
Portugal ainda não está insolvente. Apesar de o primeiro-ministro, José Sócrates, ter insistido durante os últimos dias na eminência de um corte de financiamento externo caso não haja acordo em torno do PEC IV, os economistas contactados pelo Negócios dizem que tal cenário ainda está distante. Por agora, o problema ainda é, sobretudo, de liquidez.
A situação, contudo, pode alterar-se caso as actuais condições de financiamento persistam durante muito tempo. "Portugal está com um gravíssimo problema de liquidez, que pode conduzir a uma crise de solvência", diz Álvaro Santos Pereira, economista e professor na Simon Fraser University, do Canadá. Isto porque, apesar de os dois conceitos serem tecnicamente distintos, na prática a fronteira entre ambos acaba por ser porosa. Se as condições de acesso ao financiamento forem restritivas ao ponto de atirem os juros para um nível insustentável, será de facto impossível assegurar o pagamento das responsabilidades financeiras, o que desemboca, de facto, numa situação de insolvência.
"Por enquanto, esta ainda é uma crise de liquidez", diz João Duque, do ISEG. "Mas para honrarmos os nossos compromissos precisamos sempre de liquidez. A partir do momento em que ela secar, passamos a ter um problema de solvência", explica.
O ponto preciso em que uma situação conduz à outra é difícil de identificar. Neste momento, os títulos de dívida a 10 anos do Estado português são transaccionados a um preço que tem implícita uma taxa de juro em torno dos 7,6%. O secretário de Estado do Tesouro, Carlos Costa Pina, já disse que estas condições são "insustentáveis" a longo prazo mas salientou que a taxa de juro média do total da dívida ainda está nos 3,9%, o que permite, mesmo que só temporariamente, alguma margem de manobra.
Ainda assim, os economistas não acreditam que a situação seja sustentável a longo prazo. Não só porque os números já conhecidos são pouco animadoras mas porque acreditam que estes acabarão por revelar-se ainda piores do que se pensa.
"O Governo diz que a execução orçamental está a correr bem ao mesmo tempo que apresenta novas medidas. Isto não faz sentido", diz João Duque. "Se houver mudança de Governo e for feita uma auditoria, ainda será descoberta muita dívida que agora não está reconhecida", acrescenta Santos Pereira.
Neste momento, o défice público ronda os 7% do PIB. A dívida está perto dos 90%, à qual deve ainda ser acrescentada a dívida de empresas públicas - pode ir até 25% do PIB - e a dívida "implícita" em Parcerias Público Privadas (PPP), tudo factores que as agências de "rating" têm feito questão de apontar.
Levando tudo isto em conta, Santos Pereira acredita que uma reestruturação da dívida poderá, a prazo, ser inevitável. "Agora não, seguramente. Mas dentro de um ou dois anos, a dívida pública, que é insustentável, poderá ter de ser reestruturada", afirma."
Jornal de Negócios, 19 de Março de 2011