21 janeiro 2010

THE OUTLOOK: BLEAK

Estive hoje a ler três documentos particularmente deprimentes sobre a economia nacional. Primeiro, estive a ler o relatório do FMI sobre a economia portuguesa que acabou de ser publicado. O relatório diz aquilo que toda a gente (menos os nossos governantes) sabem: que Portugal é um país demasiadamente endividado, que é pouco competitivo, pouco produtivo e que o estado das finanças públicas é bastante preocupante. Em relação ao futuro, a sentença do FMI é clara: "The outlook: bleak". Pois é, "bleak". Mau, sombrio, ou como quiserem traduzir. O futuro é sombrio não só por causa dos desequilíbrios da economia nacional, mas também devido à irresponsabilidade que grassa entre nós em termos de política económica. Soluções: a receita do costume. Redução do défice orçamental, cortes na despesa do Estado (oh, heresia!), e aumento das receitas fiscais (quiçá mesmo um novo aumento do IVA). Para aumentar a competitividade da economia, o FMI preconiza (tal como a OCDE) uma menor rigidez no nosso mercado de trabalho e um menor protecção sectorial. Mesmo assim, lendo o relatório do FMI com atenção, parece que os técnicos dessa organização orçamental não acreditam verdadeiramente que o nosso governo (ou que Portugal) esteja interessado nessas medidas. Em suma, o FMI confirma aquilo que tantos têm vindo a dizer nos últimos tempos, mas que o nosso governo teima em não ouvir e a nossa oposição não parece verdadeiramente interessada. A única coisa que me surpreendeu no relatório do FMI foi a utilização da palavra "bleak", um prognóstico muitíssimo reservado que habitualmente não se utiliza neste tipo de relatórios para os países mais avançados.
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A outra leitura deprimente que fiz foi o relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República e de outro relatório sobre as parcerias público-privadas. O relatório da UTAO é acutilante e brutalmente honesto: nos últimos anos tem havido uma manipulação clara das contas públicas, realocando e maquiando parcelas importantes das contas públicas para outras rúbricas, bem como para sectores para-estatais, por forma a disfarçar o défice orçamental e manipular as contas públicas. Isto é, o défice orçamental e a dívida pública directa só não é maior porque os governos mais recentes têm levado a cabo ínumeros malabarismos financeiros para poderem iludir Bruxelas que tudo está sobre controlo. Os técnicos da UTAO não dizem isto desta forma, mas é isso o que a linguagem mais rebuscada quer dizer.
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Por sua vez, o relatório das parcerias público-privadas (PPPs) demonstra inequivocamente aquilo que alguns já começaram a denunciar: nos últimos anos, tem havido um autêntico assalto às gerações futuras (e governos futuros). Os governos têm feito e irão fazer "obra" (hospitais, estradas, TGVs) sem esperar pagar os encargos. Como é que eles conseguem fazer isso? Pedindo aos privados para fazerem as obras dando como contrapartida a garantia de pagamentos e demais benesses nos anos seguintes (as tais PPPs). Ou seja, quem ganha popularidade é o governo actual e quem tem que pagar a factura são os governos e os contribuintes futuros. Nada mau, portanto. Principalmente para o governo actual, pois só iremos começar a pagar os montantes mais elevados das PPPs a partir de 2013 (uma data que provavelmente nem mesmo o primeiro-ministro espera estar já a governar).
Com efeito, esta opção tem sido tão popular que nos últimos anos os encargos com as PPPs que iremos ter entre 2013 e 2029 já totalizam mais de 12% do PIB em 2008. E isto sem contar com os troços do TGV entre o Porto e Lisboa, bem como todos os outros que este governo quer implementar (Porto-Vigo, Aveiro-Salamanca, e Faro-Huelva). Isto é, se a situação das finanças públicas portuguesas já está muito debilitada, muito pior poderá ficar quando os encargos associados às PPPs terão que ser pagos. Um facto que nunca, ou quase nunca, é referenciado nem pelo governo nem pela oposição.
Mas não há problema. Para quê stressarmo-nos em demasia? Podemos não ter dinheiro e correr o risco de cairmos numa grave crise financeira, mas, pelo menos, teremos como consolação ser a praia de Madrid.

5 comentários:

JAM disse...

Caro Álvaro, o seu raciocínio é correcto.

Há que reduzir o endividamento, diminuir a despesa, reformar o funcionamento de Estado e alterar o modelo de desenvolvimento português.

Apostar em força no desenvolvimento e na exportação de produtos de valor acrescentado, sejam tradicionais ou sejam tecnológicos, reforçar o investimento produtivo multissectorial e adiar sine die as obras faraónicas que não promovam a estratégia exportadora.

Mas teremos nós consciência de que é impreterível a mudança?
Temos nós gente preparada para alterar o actual paradigma de desenvolvimento?
Teremos nós pessoas com capacidade para liderar e fazer o que é necessário?
Não creio que isso seja possível com as elites que nos governam. Posso estar errado, mas é o que penso.

Cumprimentos do Algarve.

Jorge Andrez Malveiro

lmleitao disse...

Boas Álvaro,

Deixe-me confessar-lhe que quase me deixou com uma imensa inveja com esse belo e fantástico serão que teve! Diria mesmo que, a essa lista de "maravilhas da nossa economia" só falta mesmo o tão pouco amado relatório da Moody's que, a bem dizer, e segundo as mentes mais brilhantes do nosso poder político (leia-se: Alberto Soares, presidente do IGCP), é um documento que "só diz baboseiras". Calculo que o mesmo princípio se deva aplicar aos documentos que o Álvaro leu. O problema, a meu ver, é que isso pouco importa! O que interessa é que, ao contrário do que acontece na nossa política interna em que estas farpas até são capazes de abafar os problemas de fundo, lá fora, as coisas são diferentes. Bem diferentes. E ainda bem que assim é. Para os investidores internacionais a verdade crua e dura são os números e não as politiquices de algibeira. E os números dizem que isto está a ficar negro. Preto. Altamente nebuloso. Diria mesmo, e pegando nas suas palavras, "a situação financeira do Estado português é crescentemente preocupante". Basta espreitar ao que se tem vindo a passar com as yields das nossas OT. Só na última semana dispararam 6% (OT a 10 anos) e 11% (OT a 5 anos). É uma maravilha!!!!! Agora é só esperar para ver quanto é que o Estado vai pagar pelos cerca de 17 mil milhões de euros que, segundo o Citigroup, terá de emitir em OT este ano. É só boas notícias.
Viva a República que o amor é f**** ;)

Abraço,
LL

Gi disse...

Nada de que já não se tivessem apercebido os profetas da desgraça, mas agora escrito preto no branco por quem tem algum peso no mundo.
Não serve de nada, infelizmente.

antonio disse...

Caro Àlvaro,

Não é preciso ser do FMI para dizer aquilo que este organismo disse. Basta andar no terreno. Conhecer a mentalidade dos trabalhadores portugueses que têm sido enganados pelos sindicatos e partidos de esquerda que os querem convencer que os seus direitos são sagrados em vez de lhes dizerem que dependem do seu mérito.


Conhecer a mentalidade da grande maioria dos empresários portugueses que investem hoje para sacar amanhã deixando sempre as empresas descapitalizadas.

E conhecer a mentalidade dos nossos politicos, dos seus privilégios e dos seus arranjinhos.

E conhecer a função publica portuguesa e a sua mentalidade.

Eu ando no terreno todos os dias e digo-lhe que tudo isto me mete nojo.

E acredite que eu não sou um péssimista ou um revoltado. É perfeitamente claro para mim que nos estamos a afundar a passos largos e que D.Sebadstião não vem aí. A nossa divida publica e a nossa divida externa são perfeitamente estruturais. E portanto impossiveis de debelar. Porque era necessário fazer sangue. Muito sangue.Era necessário fazer cortes brutais. Era necessário mudar legislação. Nomeadamente o código de trabalho. Mas mais importante que isso, era necessário mudar uma mentalidade perfeitamente arreigada de um povo muito pequenino e muito periférico que quer ter créditos mas não quer ter os débitos. E se outras coisas são estruturais, a nossa mentalidade é ainda mais estrutural. É aquilo que nos define.É a nossa alma. Já o era no século passado, há dois séculos e há três séculos. Leia-se a nossa história económica dos ultimos 250 anos para concluirmos que foi apenas nas décadas de governação de Salazar e Marcelo que tivemos crescimentos económicos decentes e sustentados.Nós somos assim.

E não tenha duvida que as coisas ainda estão muito piores do que diz o FMI. Sócrates é um mestre da prestidigitação. Investigue-se um pouco da sua vida. Desde as suas negociatas e falências em negócios privados, ao seu curso e à sua casa, ao Freeport e muito mais.Para entendermos que Sócrates é simultaneamente um sobrevivente e um mestre da fraude. Cada vez é mais dificil tapar o Sol com a peneira mas o homem bem tenta.

Caro Álvaro, nós estamos mesmos lixados. E acredite que os numeros da nossa economia real são bem piores do que aqueles que o nosso governo deita cá para fora.

A procissão ainda vai no adro, Acabei de vir de Bruxelas onde jantei com alguns funcionários europeus de diversas nacionalidades e finalmente começam a perceber que Portugal é uma fraude.

Para o ano você ir-me-á dar razão.

Abraço

António

Anónimo disse...

O que é pena, é nunca ninguém se referir ao fardo que o FMI nos deixou quando nos veio "ajudar"... Já agora dou também o exemplo do Haiti, que todos os meses paga juros brutais ao FMI e que agora anda a receber ajudas de todo o mundo que até podem ir para compras de empresas (como já aconteceu no passado noutros países em situações idênticas). É pena também que o FMI aquando das suas ajudas a Portugal, não tenha aconselhado a dinamização do sector produtivo português (têxtil e agrícola), o que aliado às condições de entrada na UE arrasou-nos completamente, mas sim o seu estermínio.
Sim, de facto não produzimos...
Vivemos hoje numa DITADURA DE MERCADO, em que quem manda são os bancos. Esses dinheiros do FMI toda a gente sabe para quem vão. O FMI tem uma larga história de "sucesso" na América Latina em que empréstimos serviam até para a compra de armas...aos americanos e outros.

Agora também querem aumentar o número de horas de trabalho. Uma luta com mais de 100 anos... Um retrocesso social devido à importação desta ditadura de mercado importada dos EUA.

Queria ainda referir os milhões de euros ( e escudos) roubados ao país quando são feitas as tais concessões por 99 anos, em condições péssimas que agravam ainda mais o nosso défice, e dos demais negócios feitos pelos governantes em nome do Estado, o qual sai sempre a perder (submarinos,...).

Por último, é revoltante ver os responsáveis por esta situação a darem conselhos à nação: Cavaco Silva, Vítor Constâncio e outros, passam todos os dias na TV com a soberba que lhes é reconhecida (nunca me engano e raramente tenho dúvidas...) quando estes são um belo exemplo de como não se deve governar um país. É inacreditável que, há muitos anos atrás e estando já em estudo a criação de uma moeda única europeia, estes governantes não tivessem tido visão (ou preferirem manter as coisas tal qual como estavam para não levantar ondas...). Para senhores já nessa altura com muita experiência, era óbvio que a perda de soberania em aumentos e contracções de massa monetária para aumentar ou reduzir o valor do escudo iria desaparecer. mas nada, mesmo nada, foi dito aos portugueses. Simples ignorância?

É interessante é vê-los agora a na TV e Jornais a tecer afirmações acerca do futuro do País. Repugnante. mais repugnante ainda é ninguém chamar a atenção para esta situação.

Ainda que tenhamos de seguir todos os conselhos dados pelo FMI, será que ninguém tem a noção para onde esta brincadeira nos leva? É que não é um problema português, mas sim um problema à escala global



Para onde vamos?