O Expresso fez-me uma série de perguntas sobre os riscos associados à emissão de dívida pública e privada. Aqui estão as minhas respostas:
Expresso_ Que motivos vê por detrás da escolha do mercado em emprestar dinheiro a uma taxa inferior à P&C e à Berkshire Hathaway em comparação com o governo norte-americano?
Esta é, de facto, uma situação muito rara. Em geral, o Estado consegue financiar-se a taxas mais favoráveis do que as alcançadas pelo sector privado. Ora, o que os mercados nos parecem estar a dizer é que vêem a dívida destas empresas como sendo de certa forma menos arriscada do que a dívida do governo americano. Como a dívida pública americana tem aumentado muito nos últimos anos, e como essa mesma dívida já começa a ter dimensões muito razoáveis (em termos absolutos e em percentagem do PIB), começa a haver alguma desconfiança sobre a sustentabilidade das contas públicas. Quer isto dizer que há algum risco de os EUA não cumprirem as suas obrigações financeiras? Não necessariamente. No entanto, o crescimento explosivo da dívida pública e o acumular de elevados défices orçamentais começam a gerar algumas dúvidas no seio dos mercados sobre as finanças públicas americanas. De assinalar que esta situação deve-se igualmente à enorme oferta de dívida americana que tem ocorrido nos últimos tempos. No fundo, como há muita oferta da dívida pública, o governo americano tem sido forçado a melhorar a atractividade dessa mesma dívida oferecendo maiores retornos (na forma de juros) aos investidores.
Esta situação no seu ponto de vista resulta mais da gestão competente das empresas ou da gestão menos cuidado dos sucessivos governos?
Penso que os dois factores explicam esta situação. Por um lado, estas empresas têm uma reputação e credibilidade muito fortes nos mercados, o que lhes permite financiarem-se a taxas de juros muito favoráveis. Por outro lado, o crescimento explosivo da dívida pública americana tem gerado algum desconforto em relação à saúde das contas públicas. E a verdade é que, com o preocupante acumular da dívida, mais cedo ou mais tarde, alguma coisa terá que ser feita para inverter esta situação.
É possível, principalmente se os governos portugueses continuarem a comportar-se como se a consolidação das contas públicas nacionais não seja uma verdadeira prioridade. Isto é, quase sempre, quando temos de melhorar a situação das contas públicas, optamos por subir impostos ou criar receitas extraordinárias. Como já não há muita margem de manobra para o fazermos, e como ainda ninguém teve a coragem nem a vontade politica de cortar a despesa pública, é natural que possamos chegar a uma situação semelhante, principalmente se a dívida pública nacional continuar a subir, como tem acontecido nos últimos anos. Esperemos que não. Porém, para o evitar, só há uma solução: atacar verdadeiramente a principal razão do desequilíbrio das contas públicas nacionais, que é o crescimento desmesurado das despesas públicas.
Esta situação poderá resultar da acção de especuladores, bem como dos outros investidores. A especulação acontece tanto com a dívida pública como com a dívida de empresas. Desde que existam boas oportunidades de negócios, a “especulação” existirá sempre, quer seja com a dívida pública, quer com a privada, quer até com outros títulos. Porém, se formos vítimas de uma maior acção especulativa, poderemos estar certos que tal acontecerá tanto devido a um efeito de contágio (por causa da Grécia), como graças a nós próprios (isto é, por não termos conseguido pôr as nossas contas públicas em ordem). É que, frequentemente, a especulação resulta mais da nossa incúria e incompetência do que devido aos “animal spirits” dos mercados (assim como o Ministro das Finanças nos tentou fazer crer há umas semanas atrás).
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