13 dezembro 2010

REFORMAS LABORAIS E PRECARIEDADE

É mais do que evidente que uma das reformas que será levada a cabo nos próximos tempos é a reforma das leis laborais. E não, não estou a falar de somente de tornar os despedimentos mais baratos. Estou mesmo a pensar (oh heresia!) numa maior flexibilização dos despedimentos individuais. A verdade é que, para o bem ou para o mal, uma flexibilização das leis laborais é simplesmente inevitável, quer seja com este governo (se assim for forçado pelos nossos parceiros europeus), quer seja com o próximo governo (o mais provável). Porquê? Porque Portugal é o país da OCDE com o maior índice de rigidez laboral ao nível dos despedimentos individuais, um factor que impede uma mais rápida criação de emprego e prejudica a competitividade das nossas exportações.
Ainda assim, e perante a inevitabilidade desta reforma, seria bom que houvesse mais elevação no debate sobre estas matérias. É que, nesta área, a retórica política e ideológica sobrepõe-se ao bom senso que estas questões deviam acarretar. E o bom senso (e inúmeros trabalhos empíricos) demonstra inequivocamente que as nossas leis laborais não só fomentam o desemprego, como também são a principal fonte da precariedade do trabalho no nosso país. Para percebermos porquê, vale a pena olhar para o gráfico abaixo, onde se vê que Portugal é um dos países da OCDE com maior incidência de trabalho precário (eixo horizontal), um facto que está intimamente ligado às nossas leis referentes aos despedimentos individuais (eixo vertical).
É igualmente visível que, contrariamente à percepção errada que existe entre nós, muitos dos países onde as leis laborais são menos rígidas (isto é, onde é mais fácil despedir trabalhadores individuais) são exactamente países que têm Estados Sociais fortes (p. ex, a Dinamarca ou o Canadá). Ou seja, flexibilizar as leis laborais não equivale a destruir o Estado Social. Bem pelo contrário. Ao promoverem uma mais rápida criação de emprego e ao fomentarem a competitividade das exportações, leis laborais menos rígidas contribuem para uma maior criação de riqueza, que poderá ser então utilizada para proteger o Estado Social. Afirmar o contrário é demagogia ideológica.


Precariedade, precariedade, precariedade deviam ser as palavras de ordem dos partidos de oposição ao defenderem a reforma das leis laborais. A reforma laboral é imperiosa porque, entre outras coisas, é preciso combater a precariedade e criar mais emprego. E a verdade nua e crua é que os “direitos adquiridos” são a principal fonte de precariedade do mercado de trabalho português. Os economistas do trabalho já sabem disso há muito tempo. Seria bom se os políticos nacionais e os portugueses também o soubessem.
 Fonte: Santos Pereira (2011) "Como Retomar o Sucesso"
(clique no gráfico para ampliar) 

16 comentários:

Guillaume Tell disse...

Muito bem, mas isto não nos impede de desincentivar o despedimento colectivo.

PS: o seu livro já está nas livrarias?

Gi disse...

Hoje em dia as empresas não empregam ninguém, por muito valor que tenha, por mais do que o tempo limite do contrato a prazo, por isso a precariedade já existe a não ser para aqueles que entraram nos quadros nos bons velhos tempos, e são estes que têm medo da liberalização dos despedimentos.

Contra.facção disse...

Embora pareça fácil de entender para quem quer entender, que despedindo se consegue aumentar o emprego, para quem não "chega lá" é a quadratura do círculo e era bom que alguém dissesse em português (de Portugal) como se concretiza essa incongruência.
O mesmo para a precariedade, que diminuindo, aumenta o emprego.
Dr. diga lá se com a flexibilidade não lhe está colada uma baixa de salários e outras coisas mais a que uns chamam direitos e os da economia chamam regalias. É que se assim não fosse, até os trolhas tinham percebido já que era melhor serem despedidos e com menos dinheiro de indemnização, para terem o emprego que já tinham e agora duradouro...

Rolando Almeida disse...

Discordo. Países como a Dinamarca têm leis laborais mais flexíveis mas não é certamente por essa razão que o estado social é mais forte.Defendes que liberalizar mais o despedimento cria mais emprego? Sim, sem dúvida. Cria mais emprego porque também é mais fácil destruir mais emprego, o que dá no mesmo. Depois há ainda aqui uma questão a reter: não são economias que vivem no mundo, são pessoas. Pessoas que um ano produzem mais e melhor e outro produzem menos, pessoa que se cansam, pessoas que adoecem, etc... e sinceramente não estou a ver como um país como Portugal (que vai usar impostos para pagar dívidas) vai aguentar com estas situações. A liberalização do mercado de trabalho nem deixa as pessoas a produzir mais (despede é com facilidade para empregar sempre as que estão mais aptas a produzir), nem reforça o papel social do Estado. Os economistas só não vêem isto porque estão concentrados na "economia" :-)

Rolando Almeida disse...

O que quis dizer é que países como a Dinamarca não tem mais emprego por ter leis laborais flexíveis, mas tem leis laborais flexíveis por ter mais emprego.Depois não se percebe a relação que fizeste entre leis laborais flexíveis e maior protecção social. É uma fantasia de economistas.

Anónimo disse...

Muito bem!

Este tema e as suas conclusões são tão simples que até incomoda como certas almas que se dizem eruditas não entendem. Mas vamos tentar: A linha de produção/receitas de uma empresa é variável, a linha dos custos laborais é fixa e crescente.

Ora, sendo Portugal um pais onde é impossível de despedir, os empresários vão contratar menos, logo criando menos emprego (e claro obrigando os trabalhadores a trabalhar mais nos picos). Resultado, quem paga é o estado e quem sofre são os trabalhadores.

Prefiro uma "(não) fantasia" de economistas do que uma pura fantasia de filósofos que pouco entendem da vida real e que levaram o meu pais à bancarrota.

Antonio Henriques

Rolando Almeida disse...

Ena António Henriques,
Vamos começar no insulto barato? O seu raciocínio sábio não funciona por uma razão muito simples: se um fulano se endividar vai ter muito mais necessidade de trabalhar para cobrir as duas dívidas. Se uma empresa tem de pagar a 30 trabalhadores e tem de os aguentar vai ter de produzir mais em vez de despedir 10.
Continuo a pensar que as fantasias dos economistas só funcionam para um lado. Topas?

Anónimo disse...

Caro Rolando, não percebo a sua pose de virgem ofendida, uma vez que limitei-me a responder à sua crítica (enfiando, está claro a carapuça). Ou as regras do jogo são diferentes para as duas partes, como acontece em muitas ideologias?

Eu topo, então quer dizer que vivemos numa sociedade em que a procura responde aos desígnios de um empresário. Ora eu tenho que produzir x logo vou conseguir vender esses x mais um y para ter lucro. Mas sabe as coisas não funcionam assim…Não é por eu queres vender esses x que consigo vender esses x.

Sobre o seu exemplo da dívida, um fulano não se devia endividar e depois preocupar-se em trabalhar mais se quiser pagar as suas dívidas. Um fulano devia sim endividar-se fazendo uma analise conservadora sobre os seus cash flows futuros. Porque depois dá-se o que aconteceu na Grécia e em Portugal (ambos países socialistas)

AH

Rolando Almeida disse...

Ok, mas nesse caso vai ter de enfrentar um problema e de lhe dar resposta: como é que um país como Portugal vive sem se endividar. olhe, eu tive de me endividar, mesmo com todo o risco que tal implica, para comprar uma casa e um carro. O António provavelmente é rico e não precisa disso. Ainda bem!
O seu comentário inicial não me ofendeu! Somente achei imbecil a sua pose de armado que sabe tudo. "certas almas que se dizem eruditas não entendem. " Mas que necessidade tem de fazer estes comentários? Acaso a sua tese (que nem é sua) constituiu uma verdade que qualquer ser é capaz de ver sem dificuldade? Ou é resultado de investigação e consenso dentro de uma comunidade de pessoas que investigam o problema, mas que ainda assim está sujeita a objecções da tese ou teses contrárias? Se é como digo o seu comentário em relação ao que sei e não sei é parvo. Ou não acha?

Anónimo disse...

Já estamos a discutir dois temas. Um económico e outro mais, vá lá, comportamental.
O meu comentário inicial nem era dirigido a si em particular, porque não me lembro ter lido que se considera erudito. Mas existem muitos “políticos” portugueses (e não só) que não têm o mínimo pejo em afirmá-lo. Mas se se sente ofendido, as minhas desculpas.
Voltando ao tema económico que se desdobrava em dois. Penso estarmos finalmente os dois de acordo com o primeiro tema, ou seja, a procura e a oferta são dinâmicas.
Sobre o tema da divida. Bem, ultrapassando o seu comentário sobre a minha riqueza (também típico de alguma intelligentsia que por ai anda – se defende o trabalho e o sacrifício, logo é rico. Mas não sou, longe disso) e voltando ao realmente importante, deixe-me fazer uma pergunta, o sr quando comprou a sua casa, optou por uma de € 1 mio ou por uma de um preço que se adaptasse aos seus recursos? Calculando que escolheu a segunda hipótese, a minha pergunta é, porque o fez? Fê-lo, com certeza, porque não quis ficar refém do seu crédito e porque tem a convicção que poderia satisfazer a sua divida porque fez uma análise à rentabilidade dos seus projectos (trabalho, rendimentos prediais ou mobiliários, etc). Ora Portugal não fez isso. Portugal perdeu tempo e dinheiro a comprar votos com projectos messiânicos que nada introduziram na economia, com políticas que só desresponsabilizaram os portugueses, entre muitas outras coisas. Ora, reflicta lá com este facto, Portugal em 10 anos não cresceu. Esteve estagnado. Não acha então que estas politicas merecem no mínimo uma crítica?
E sim, qualquer tese está sujeita a teses contrárias. Pena que neste caso não tenha visto ainda nenhuma tese.

Rolando Almeida disse...

Exacto, estou de acordo. Portugal endividou-se mais do que devia. É certo. E endividou-se para nada pois podia bem viver num modesto apartamento e quis logo uma casa com 10 assoalhadas. Mas então o problema de Portugal não pode ser o de flexibilizar as leis de trabalho, mas o de poder ter evitado a dívida excessiva, mas não o fez. Ou seja, se Portugal tivesse investido seriamente em produzir mais e melhor em vez de dívidas faraónicas, se tivesse estimulado a economia em vez de dar dinheiro a quem não trabalha e ter engordado a função pública, então, nesse caso não precisava agora de flexibilizar leis de trabalho. Poder-me-á dizer que neste momento é uma boa solução. Não é. A ideia da flexibilização das leis laborais em Portugal só pode ter que ver com a única forma que se vai arranjar para reduzir empregados principalmente na função pública. Claro que a flexibilização do mercado de trabalho é bom para a economia. Mas se o critério for sempre o da economia, então matar idosos que só dão despesa também é bom para a economia. O país sairia a ganhar. Matem-se os velhos.
A comparação com os países nórdicos é absurda, pois a flexibilização por lá é um ponto de chegada, não um ponto de partida. e aqui o Álvaro falha.
Há aqui duas teses. uma tese é uma conclusão que se quer chegar, uma proposição que se defende. Não é preciso ter 200 pp para ser uma tese :-)Temos a tese X que defende que a flexibilização do mercado de trabalho é bom para as pessoas arranjarem mais emprego e a tese Y que defende que não. ambas as teses não negam que a flexibilização dinamiza a economia.
O resto - o comportamento - nem comento. Vamos aproveitar a discussão enquanto tivermos tempo.

Alvaro Santos Pereira disse...

Caro Guillaume,
Obrigado pelo seu interesse. Não, o livro ainda não está nas livrarias, porque ainda está a ser acabado. No entanto, este é um dos (muitos) temas do livro, que achei por bem falar, porque se está a discutir esta questão.

Gi,
Tem razão. A precariedade do emprego em Portugal é enorme e tende a crescer. É por isso que é absolutamente fundamental combatê-la.

Alvaro Santos Pereira disse...

Caro Miguel Loureiro,

Concordo que não estou a explicar tão bem como posso ou devo. Vou tentar falar um pouco mais sobre o assunto nos próximos dias. No entanto, os argumentos principais vão ser feitos no livro, onde tento utilizar uma linguagem simples e que todos possam entender sobre estes assuntos.
Ainda assim, devo dizer que é muito importante os leitores do blogue expressem as suas dúvidas e discordâncias, por forma a que eu as possas esclarecer aqui ou no livro

Abraço

Alvaro

Alvaro Santos Pereira disse...

Caros Rolando e António Henriques,

Antes de mais, muito obrigado pela vossa interessante troca de mensagens. Penso que o vosso desentendimento inicial provavelmente aconteceu por um acaso. O António referiu que o estado actual do país se devia "pura fantasia de filósofos" dos políticos actuais, o que entendi como uma crítica aos nossos políticos e não directamente a pessoas como o Rolando, que é professor de filosofia. Penso que foi daí que surgiu a confusão. Uma confusão que vocês, pelo que parece, já sanaram.

Quanto à questão da flexibilização, o que eu quiz e quero dizer é que a flexibilização laboral não é sinónimo de menor Estado Social. Nós podemos ter um Estado Social forte e ter uma legislação laboral mais flexível (como a Dinamarca), podemos ter um Estado Social menos forte e legislação laboral flexível (como os EUA), e podemos até ter um EStado Social fraco e legislações laborais mais rígidas (como a Turquia). Tudo depende das circunstãncias. O que eu queria dizer é que as duas coisas são independentes. Equacionar maior flexibilização laboral a menos Estado Social não me parece correcto.

Em relação ao facto de os economistas "só" verem "economia" e não as "pessoas", esse é uma crítica que nos costumam fazer (em Portugal) quando se debatem estes assuntos. Sinceramente não acho. Aliás, se há algo que eu defendo no livro é exactamente que as reformas não podem ser feitas contra os trabalhadores ou contra os funcionários públicos. E por isso é preciso introduzir mecanismos que garantam que as empresas e o Estado não abusam das legislações que serão certamente criadas num futuro próximo e que, parece-me inevitável, incluirão uma nova lei laboral.

Eu debruço-me bastante sobre estas questões no próximo livro, mas, por enquanto, e para não revelar tudo antes da sua publicação, prefiro ficar por aqui.

Abraço aos dois e mais uma vez obrigado pelo vosso debate

Alvaro

Rolando Almeida disse...

Olá Álvaro,
Sim, claro que a tua ideia pretende mostrar que flexibilidade e estado social não são incompatíveis. Eu penso é que não é esse o pressuposto da discussão da flexibilização das leis laborais para Portugal, já que não estão asseguradas quaisquer condições para compatibilizar flexibilidade e segurança.
Eu não sei realmente se essa visão macaca dos economistas é muito popular em Portugal, mas parece uma ideia até plausível, não por culpa da economia, mas provavelmente por culpa da política que deposita toda a confiança somente na economia. De facto eu não espero mais do economista do que boas soluções para a economia e que a pense com bons argumentos. O que eu estranho é que o único critério considerado nestas discussões é o critério económico. Então que pensarão os milhares de Brasileiros, chineses, indianos que todos os dias ouvem dizer que os seus países crescem a ritmos galopantes e com efeito continuam na pobreza? O que se passa no mundo é que só interessa reabilitar economias, custe o que custar. E se isto não passa ao lado de um interesse genuíno pelas pessoas, então cria uma grande ilusão que assim é.
Agora a parte menos agradável: por acaso não acho que as achegas do Henrique resultassem somente de um mal entendido, mas posso estar a ver mal a coisa:-)
Espero com ansiedade o teu livro que lerei com gosto.
Um abraço

Anónimo disse...

Ao longo dos últimos 30 anos temos assistido a diversos debates sobre este tema do mercado de trabalho no nosso país. Na minha opinião nada se tem feito para promover a produtividade e desenvolvimento das empresas ao nível da melhoria dos modelos de gestão, da optimização dos processos de negócio e do aperfeiçoamento das qualificações dos colaboradores. O sistema educativo continua pouco adaptado às necessidades do país, o investimento em formação nas empresas é reduzido e o reflexo está visível na inexistente nação portuguesa, sem rumo, sem estratégia e com um futuro incerto.
Não é fazendo leis que se mudam mentalidades e culturas. A educação e a formação são os principais catalizadores do desenvolvimento das pessoas e sem uma aposta muito eficaz nesse domínio dentro de 30 anos estaremos certamente no grupo dos países mais pobres do mundo.

Obrigado