09 março 2009

PRIMEIRAS PÁGINAS

Aqui está um cheirinho das primeiras páginas do "Medo do Insucesso Nacional":
Nos últimos tempos não param de surgir obras dedicadas ao fracasso nacional. Entre outros, o filósofo José Gil escreveu Portugal, hoje: o medo de existir, um best-seller crítico da situação social portuguesa. Miguel Real, historiador e escritor, publicou um livro com o sugestivo título A morte de Portugal. O fiscalista Medina Carreira debateu o triste desígnio nacional no seu O dever da verdade e redigiu recentemente um artigo de opinião em que previa “O inequívoco declínio português”. O advogado José Miguel Júdice, um auto-proclamado optimista moderado, conjecturou sobre se a crise actual não seria a maior da nossa história. Não interessa quão verídicos estes livros são, quão densas e eruditas são as suas escritas, ou quão mais ou menos truculentas são estas análises. A verdade é que o pessimismo tem-se tornado numa das indústrias mais bem-sucedidas do nosso país. Bendita a crise, dizem-nos (ou, pelo menos, pensam). Aliás, se a nossa economia crescesse ao mesmo ritmo do pessimismo nacional, seríamos por certo a economia mais dinâmica da União Europeia e estaríamos a viver um milagre económico de dimensões irlandesas.
Talvez o nosso pessimismo seja, em parte, justificado pelo nosso carácter, pela tal alma portuguesa . É o nosso triste fado, queixam-se uns. É a nossa sina maldita, lamentam-se outros. Porém, nem mesmo o nosso inato pessimismo consegue justificar o derrotismo dos últimos anos. O pessimismo profissional grassa entre nós como uma verdadeira epidemia e chega a ter ramificações económicas não negligenciáveis, ao impactar as expectativas dos agentes económicos e a confiança económica em geral. As expectativas dos consumidores e dos investidores são verdadeiros barómetros do bem-estar de uma economia. Quando as coisas correm bem, quando a economia cresce e prospera, as expectativas dos agentes económicos (isto é, de todos nós) são positivas, e os consumidores e os investidores têm mais confiança para aumentar o consumo e o investimento. Se, por outro lado, as expectativas baixam, regista-se menos investimento, menos consumo e, consequentemente, menos produção, menos emprego, menos crescimento económico. O mesmo se tem passado nos últimos tempos. A crise actual é não só uma crise económica real, mas também uma crise de expectativas. Uma verdadeira crise de confiança. Aos níveis pessoal e nacional. Neste sentido, se queremos realmente acabar com a crise, se ambicionamos alcançar a retoma económica, temos que fazer tudo por tudo para acabar com a crise de confiança que lavra entre nós.
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Claro que melhorar a confiança dos portugueses não será fácil. A vida não está fácil. E se as coisas já iam mal, se a economia nacional estava em quase estagnação há bastante tempo (desde 2001), a crise financeira internacional e o recente choque petrolífero agravaram ainda mais a situação. Se as expectativas estavam mal, pior ficaram. Não é assim de espantar que os indicadores de confiança tenham baixado significativamente desde o início de 2008, atingindo valores que já não se verificavam desde 2003, um ano em que a economia nacional entrou em recessão. De quem é a culpa? Da crise internacional? Do euro? Da Europa? Das nossas incapacidades? Do nosso insucesso inato? Do governo? Talvez. Talvez todos estes factores tenham contribuído para o mal-estar actual. Porém, se quisermos realmente acabar com a crise, se desejarmos retomar o caminho do progresso, de nada nos serve ficar sentados de braços cruzados ou acreditar nas previsões catastróficas dos habituais pessimistas profissionais que só criticam por criticar. É igualmente um erro colossal pensar que está tudo mal, que somos o mesmo país pobre e provinciano do século 19 (quando éramos o país mais pobre da Europa), que não temos remédio ou que não há cura para a nossa miséria intrínseca. E também de nada nos vale insistir na ideia (predominante nos últimos anos) de que todos os nossos males económicos advêm do défice orçamental do Estado e que, consequentemente, a solução para a crise passa por seguirmos à letra o fundamentalismo orçamental que nos vem de Bruxelas.
Não acredito nem na sensatez da inacção advogada pelos pessimistas profissionais, nem no dogmatismo fundamentalista do rigor orçamental a todo o custo. Neste sentido, os próximos capítulos tentam explicar por que é que, apesar da crise dos últimos anos, devemos manter um optimismo realista, um optimismo com pés assentes no chão, um optimismo informado e crítico. Sinceramente, não acredito que Portugal se venha a tornar numa Califórnia da Europa. Era bom que sim, mas acho difícil. No entanto, acredito que Portugal tem futuro. Acredito que o Portugal dos meus filhos será mais próspero e (ainda) melhor do que o Portugal de hoje, e muito mais rico e muito mais agradável do que o Portugal dos nossos pais e avós. Acredito que temos em nós as raízes do sucesso, que temos em nós a origem da nossa própria felicidade. Acredito que a melhor maneira de combater os nossos problemas e o mal-estar actual é ter uma atitude proactiva e informada. Acredito que não fazer nada perante a crise actual não é uma estratégia razoável. Acredito que resignarmo-nos ou ficarmos de braços cruzados no meio da maior estagnação económica das últimas décadas, por causa de um fundamentalismo orçamental irracional, não é solução para nada. Não agir é ser irresponsável.
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Porém, também não acredito em pedir ao Estado para resolver todos os nossos problemas. Não acredito que a crise se resolve se continuarmos a aumentar desmesuradamente as despesas públicas. Aliás, já o tentámos nos últimos anos e não resultou. Também não acredito que a melhor forma de alcançarmos a retoma económica seja levar a cabo projectos faraónicos de utilidade duvidosa e de rentabilidade questionável. Nem acredito que a lentidão da Justiça ou falta de qualidade da nossa Educação se resolvam milagrosamente com uma mera injecção de fundos públicos. Ou que a crise se resolve somente com o emagrecimento do Estado ou com a instauração de uma maior meritocracia na Administração Pública. De facto, a crise terá de ser combatida com uma estratégia mais abrangente.

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá Álvaro

Bom blogue

Uma abraço

JNM

Anónimo disse...

Comprei o seu livro hoje e já vou a metade. É um excelente livro que nos faz pensar no nosso Portugal Parabéns. Ganhou um , embora jovem, grande apreciador!

Anónimo disse...

Tal como você, sinto-me mal no país onde nasci.

Estou a ler o seu livro: "OS MITOS DA ECONOMIA PORTUGUESA". Devo confessar que partilho quase integralmente a sua visão do actual estado de coisas. principalmente no que diz respeito à Universidade do Algarve (pág. 116.

Infelizmente estamos num condado de abutres e raposas que estão sempre à espreita da oportunidade pessoal.

Sou aluno da Universidade do Algarve, no entanto, sinto-me impotente perante tantos interesses instalados que em nada ajudam à qualidade do ensino. Bem pelo o contrário.