24 novembro 2008

A RECEITA MÁGICA DO INVESTIMENTO PÚBLICO

O meu artigo do PUBLICO da última sexta-feira:
Numa altura em que muitas das economias da OCDE já entraram em recessão, parece quase inevitável que, mais cedo ou mais tarde, o mesmo irá acontecer à economia portuguesa. É só uma questão de tempo. Ora, como o investimento público costuma ser a receita mais utilizada para combater recessões, à primeira vista poderia parecer que a melhor maneira de estimular a economia passaria pela aposta nos grandes projectos de investimento já projectados. Nada poderia estar mais errado. Por mais que os nossos políticos nos queiram convencer do contrário, o investimento público não é uma receita mágica para a retoma económica. Muito menos no Portugal actual. Desde a nossa adesão à Comunidade Europeia todos os governos têm apostado na modernização das infra-estruturas nacionais. Ainda bem, pois Portugal registava atrasos consideráveis em relação a outros países europeus. Hoje isso já não se passa. Bem pelo contrário.
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No entanto, a política de betão tem sido tão utilizada (e abusada) que já começam a haver indícios de um efeito de saturação do investimento público. Afinal, construir uma segunda auto-estrada entre Lisboa e o Porto não tem o mesmo impacto do que a construção da A1. Por outras palavras, há claros rendimentos decrescentes associados ao aumento do investimento público. É exactamente isto que nos indicam vários estudos académicos recentes. Claro que nem todos os projectos de investimento têm o mesmo impacto. No entanto, antes de continuar a teimar na miragem da Alta Velocidade, convém lembrar que só a ligação do TGV entre Lisboa e Porto irá custar tanto como o volume de negócios anual do grupo Sonae, um dos maiores do país. Isto na melhor das hipóteses. Será que não conseguíamos arranjar melhores soluções para montantes dessa envergadura? Parece-me que sim. E assim urge perguntar: qual é a alternativa ao investimento público? Ajudar as famílias e as empresas portuguesas, quer apoiando-as directamente na renegociação das suas elevadas dívidas junto dos bancos, quer através da introdução de maiores benefícios e reduções fiscais. Igualmente, em vez de embarcar na loucura financeira do TGV, apoiemos os nossos inovadores e empreendedores, e melhoremos os sistemas de incentivos à dinâmica empresarial. Apoiemos os nossos exportadores, não só através da concessão de incentivos e prémios de desempenho, como também através de generosos incentivos fiscais.
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Não tenhamos receio de quebrar imposições comunitárias limitadoras da ajuda estatal às empresas inovadoras, pois, nestes tempos recessivos outros estados-membros também o farão. E mesmo se continuarmos a pensar que a recessão tem que ser combatida com o aumento do investimento estatal, então concentremo-nos em projectos de rentabilidade menos duvidosa. Construamos mais hospitais, melhores escolas, melhores acessibilidades para o interior esquecido pelo poder central. Utilizemos parte dos 4,5 mil milhões de euros destinados à ligação Lisboa-Porto para atrair mais empresas de alto e médio valor acrescentado, para melhorar a competitividade fiscal das empresas, para reciclar os conhecimentos dos trabalhadores desempregados, e para conceder vantagens financeiras às empresas que se localizem nas nossas regiões deprimidas. Mais do que o Sebastianismo do TGV, mais do que o faraonismo da Alta Velocidade, mais do que a varinha mágica ilusória do investimento público, a crise terá que ser vencida com o condão do empreendedorismo e da inovação nacionais. Cabe ao Estado proporcionar as condições para que tal aconteça.

3 comentários:

JAM disse...

Caro Álvaro Santos Pereira:

O seu raciocínio faz sentido mesmo não sendo original. Essa mesma ideia, com a qual concordo, foi também avançada - na Conferência do Fórum para a Competitividade dedicada ao Orçamento do Estado em Outubro de 2007 - pelo Chairman da Sonae, o Eng. Belmiro de Azevedo. Nessa altura o Eng. Azevedo afirmou que preferia "300 investimentos mais pequenos de 100 ou 200 milhões de euros do que dois ou três que levem muitos mil milhões e que obriguem à importação de mão-de-obra”, referindo-se ao programa de obras públicas do actual Governo.

O TGV, em minha opinião, deve tão-somente ligar Lisboa à fronteira Espanhola em Badajoz; e isso servirá para cumprir formalmente o plano europeu de ligação em alta velocidade. Esse enorme esforço financeiro, que vai ser pago ao longo de muitas gerações, chega e sobra para cumprir os compromisso políticos (de rentabilidade muitíssimo duvidosa) assumidos por Portugal nessa matéria.

Como muito bem diz, esse “sebastianismo” das obras públicas "faraónicas" já não se justifica na actualidade. O investimento público de grandes dimensões deverá ser criteriosamente aplicado sempre que o interesse nacional assim o exija e não usado como padrão repetitivo de “receita milagrosa” de estímulo à economia.

Também concordo consigo quando refere que há muitas áreas onde podemos (e devemos) investir com boa rentabilidade futura ao invés de apostarmos massivamente em uma ou duas com retornos duvidosos.

No entanto, a continuidade de tais estratégias de investimento só depende dos decisores políticos (e dos lobbies que os apoiam) e, em última instância, de quem os elegeu.

Se cada população merece os políticos que tem, o nosso povo (ocupado em sobreviver dia-a-dia, distraído pelo pão e circo que lhe alivia as angústias e confundido pelo debate ilusório dos temas que são a espuma dos dias) faz por merecer a política (e a governação)que temos tido.

Um abraço do Algarve.

Gi disse...

Apoio e subscrevo. Conquanto ache que as ligações ferroviárias portuguesas podem ser melhoradas, o TGV cá dentro não compensa o que vai custar.

Precisamos, isso sim, de incentivos ao pequeno e médio investimento privado.

Anónimo disse...

Concordo plenamente.

Aliás, diria mesmo que se calhar antes do TGV, seria talvez benéfico dotar o interior de uma linha férrea mais abrangente (mais outro factor para atrair pessoas).

Como se costuma dizer: melhor que dar um peixe é ensinar (ajudar) a pescar.