03 abril 2011

AVISOS DO TRIBUNAL DE CONTAS

Como já aqui tenho vindo a alertar, não são de hoje as desconfianças em relação às contas públicas portuguesas por parte de entidades independentes como o Tribunal de Contas, a UTAO, a OCDE e a Comissão Europeia. Assim, nos últimos anos, todas estas entidades alertaram para a existência de inúmeras irregularidades das nossas finanças públicas. Infelizmente, poucos se importaram ou deram a devida atenção a estes avisos e o resultado está agora tragicamente à vista. No entanto, quando daqui a alguns anos se fizer a história desta crise, certamente que os relatórios destas entidades serão escrutinados até à exaustão para tentar perceber por que razão tão poucos ouviram os alertas que vinham a ser feitos já bem antes da crise internacional ter eclodido.
Para quem acredita que as nossas contas públicas são imaculadas, vale a pena transcrever um pouco do resumo do parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 2009. Não é difícil perceber as lamentações e as preocupações do Tribunal sobre as constantes alterações contabilísticas e metodológicas, sobre as variadíssimas desorçamentações de despesas, e sobre a repetida contabilização irregular das despesas e de receitas. Por outras palavras, as nossas contas públicas são tudo menos transparentes. Uma realidade que agora tem vindo a ser lenta e penosamente encoberta e corrigida pelo Eurostat. Infelizmente, estas correcções continuarão nos próximos tempos. 

De referir ainda que os relatórios do Tribunal de Contas dos anos anteriores contêm queixas muito semelhantes. Aqui está então um excerto da página 1 do parecer do TC sobre a Conta Geral do Estado de 2009 (os sublinhados são meus):

"_ Em 2009, doze anos após a sua aprovação, o Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP) continuou a não ser aplicado pela generalidade dos serviços integrados do Estado e por uma parte dos serviços e fundos autónomos, embora tenham continuado a ser dados alguns passos nesse sentido…
_ Não é possível confirmar o valor da receita inscrito na Conta Geral do Estado de 2009 como sendo o da receita efectivamente obtida nesse ano. Esta impossibilidade é consequência de incumprimento dos princípios e regras orçamentais da anualidade, unidade e universalidade, não compensação e especificação, bem como de outras disposições legais que regulam a execução e a contabilização das receitas e ainda das deficiências que continuam a verificar-se nos respectivos procedimentos e no sistema de controlo interno.
_ A despesa fiscal continua a não ser integralmente quantificada e discriminada devido a limitações das fontes e dos sistemas de informação, pelo que o Tribunal mantém reservas quanto aos valores inscritos na Conta Geral do Estado. Estas insuficiências e a relevância das receitas cessantes por benefícios fiscais justificam a respectiva reavaliação de forma a concluir-se sobre a actualidade e validade dos pressupostos que determinaram a sua criação.
_ Continuam a ser realizadas despesas sem dotação orçamental suficiente, pelo que transitam para o ano seguinte elevados montantes de encargos assumidos e não pagos. Em 2009, o prazo médio de pagamento a fornecedores de bens e serviços praticado por serviços e entidades da administração central foi, ainda, de 44 dias (uma redução de sete dias, em relação ao verificado no ano anterior), subsistindo, no entanto, reservas quanto ao seu apuramento.
_ A comparabilidade da receita e da despesa continua a não poder fazer-se com rigor, devido, nos últimos anos, essencialmente a três razões: a constante alteração do universo dos organismos abrangidos pela Conta (em resultado, designadamente, da empresarialização dos hospitais e de outras entidades pertencentes ao sector público administrativo); a alteração de critérios contabilísticos; e a inexistência de informação final sobre a execução orçamental de algumas entidades. Em 2009, a comparabilidade foi particularmente afectada pela alteração da classificação da contribuição do Estado para a Caixa Geral de Aposentações (atento o seu especial impacto na diminuição da despesa consolidada da administração central) e pela participação variável dos municípios no IRS e pelos efeitos da criação, no ano anterior, da contribuição de serviço rodoviário, destinada à EP – Estradas de Portugal, por passarem a ser contabilizadas à margem do Orçamento do Estado.
...
Perante o exposto, e tal como em anos anteriores, o Tribunal coloca reservas aos valores globais da receita e da despesa evidenciados na Conta Geral do Estado de 2009 e, consequentemente, ao valor do défice aí apresentado, na óptica da contabilidade pública.

Mais palavras para quê?

Sem comentários: