12 abril 2011

COM AMIGOS COMO ESTES, QUEM PRECISA DO FMI?

Olivier Blanchard, o economista-chefe do FMI, já veio a público defender que os juros do resgate português deviam ser mais baixos dos que foram oferecidos à Irlanda. Blanchard também defendeu que o prazo de financiamento concedido para o pagamento da dívida associada ao plano de resgate devia ser suficientemente alargado para que o longo ajustamento da economia portuguesa possa ser feito sem demasiadas convulsões sociais e económicas. Por outras palavras, e por incrível que isso possa parecer a muita gente, o FMI está a tentar defender-nos das condições draconianas que foram aplicadas à Grécia e à Irlanda e que, mais cedo ou mais tarde, decerto conduzirão estes países ao incumprimento. Ou seja, a história repete-se. Vale a pena lembrar que nos resgates gregos e irlandeses (principalmente o grego), o FMI teve uma posição semelhante. Quem foi contra a concessão de taxas de juros mais vantajosas e de prazos mais alargados foram os outros países europeus (por causa do chamado "moral hazard", ou seja, a ideia de que os países endividados não podem ser recompensados, sob pena de que, no futuro, outros países poderão ser tentados a seguir as mesmas políticas irresponsáveis, pois sabem que, no final, irão ser resgatados  com condições muito favoráveis). E é muito provável que os nossos parceiros europeus tentem aplicar os mesmos princípios no resgate português. É a solidariedade europeia no seu melhor. Ajudam-se os bancos alemães e franceses (e espanhóis, no nosso caso) a evitarem as consequências mais danosas de uma excessiva exposição aos activos tóxicos das dívidas públicas dos países da periferia europeia, enquanto as populações destes países europeus têm de suportar o custo total da desmesurada expansão do crédito que caracterizou a última década. Com amigos assim, quem precisa de diabolizar o FMI?

Este é exactamente um dos temas de hoje do Wall Street Journal, que em mais um artigo arrasador para o nosso país (um país de trabalhadores "under-educated" e "under-trained") nos "aconselha" virar as costas à solidariedade europeia, reestruturar as nossas dívidas e sair do euro. Embora concorde com muito do que é dito no artigo, penso que, nesta altura, uma saída do euro poderia ser verdadeiramente catastrófica. No meu novo livro explico porquê.
Entretanto, aqui fica um excerto do artigo do WSJ.

"Portugal's friends will help it to get by by insisting on what European finance ministers call an "ambitious fiscal adjustment." Translated from bureaucratese, that means what Finnish Finance Minister Jyrki Katainen calls an austerity program "stricter, harder and more comprehensive than the one the Portuguese parliament voted against." Strike two: Eurocracy trumps democracy.
In short, more debt, higher interest rates, and tighter fiscal policy—a combination not likely to produce a rapid economic recovery. But that is not the goal of the bailout exercise. Its first aim is to protect banks in Germany that hold €46.5 billion of Portuguese government bonds and €90 billion of IOUs from the banking sectors of Portugal, Ireland and Greece. A Portuguese default, setting in train similar restructurings in Greece and Ireland, would bring down undercapitalized banks: most notably those in Germany that are already considering opting out of the new stress tests lest they get a poor grade. Which explains German Chancellor Angela Merkel's willingness to shore up the stricken countries. Otherwise, she would have to pull the rug back and reveal the dirt underneath: the questionable balance sheets of her nation's banks. Strike three: voters to bear pain to shield rich bankers and investors from losses."

3 comentários:

António Parente disse...

O artigo do WSJ mostra que por detrás da crise das dívidas soberanas existe também uma guerra contra a união europeia. Os recursos são escassos, os estados unidos também precisam de quem lhes compre os títulos do tesouro e a china não chega para todos. Antigamente as guerras faziam-se com obuses, aviões e infantaria. Agora há meios mais sofisticados.

Joao Jardine disse...

Álvaro Santos Pereira
A cristalização dos últimos 150 anos em Portugal são o resultado de uma série de factores acidentais: analfabetismo e as necessidades básicas satisfeitas. Não sofremos a fome irlandesa ou as guerras "civis" europeias.
(Recordo-lhe que o nosso compatriota Eça de Queiroz e seus contemporâneos, continuam actuais, quando, por exemplo Balzac é, claramente, um autor "datado".)
A longinquidade do centro e a ausência de fome, acentuou o conservadorismo típico do camponês:a mudança/risco é demasiado elevado para ser tentado. O futuro pode, assim, ser encapsulado e contido junto das fronteiras.
Esses acidentes criaram uma comunidade hamish europeia, com internet, telefone muitos carros e, mesmo, a sua rumspringa (ou o que realmente é a emigração dos anos 60 e a actual?).
Neste momento resta-nos dois caminhos: transformar-nos (isto é, mantermo-nos no euro) ou mantermos o mesmo modo de vida (ou seja sair do euro).
Ambas têm custos associados. O problema, neste momento é que os nossos compatriotas não possuem os dados necessários para poder (?) optar. O instinto primordial pode vir ao de cima e, por isso, optarmos por não mudar. Ou seja, sair do euro mas, caso optemos por essa via, nunca será uma escolha livre e consciente.
Visto deste prisma, não creio que exista uma via intermédia e, como sucedeu em alguns momentos essenciais da nossa história, séc XIV, as vias estão, ainda, todas em aberto o que torna, qualquer previsão muito difícil.
Os próximos tempos serão muito interessantes.
Cumprimentos
JJ

Contra.facção disse...

A verdade ainda não veio toda ao de cima:

"Ajudam-se os bancos alemães e franceses (e espanhóis, no nosso caso) a evitarem as consequências mais danosas de uma excessiva exposição aos activos tóxicos das dívidas públicas dos países da periferia europeia, enquanto as populações destes países europeus têm de suportar o custo total da desmesurada expansão do crédito que caracterizou a última década."

Dr., cheira-me que ou saímos, ou nos mandam embora quando tiverem o deles.
"...virar as costas à solidariedade europeia, reestruturar as nossas dívidas e sair do euro."