19 abril 2011

O IMPACTO DA REESTRUTURAÇÃO GREGA

Continua a abrir-se a porta para uma reestruturação da dívida grega. Agora foi um ministro grego que, sob condição de anonimato, admitiu a inevitabilidade dessa mesma reestruturação. Não é de espantar. Já há bastante tempo se percebeu que esse cenário é realmente inevitável. Basta comparar a dívida pública grega com a dívida de outros países que foram forçados a reestruturar as suas dívidas e/ou entraram em insolvência para chegar à conclusão de que não há grande alternativa.
E se a Europa continua (oficialmente) a negar essa possibilidade não é só por uma questão de orgulho, mas também porque os líderes europeus (e os bancos) preferiam que essa reestruturação acontecesse só partir de 2013, depois do início do Mecanismo de Estabilização Europeu, onde já se prevêem reestruturações das dívidas. Só que, neste caso, não é linear que o que é melhor para a Europa (isto é, os bancos do centro da Europa), é realmente preferível para os países altamente endividados, como a Grécia (e Portugal e a Irlanda). É que a haver uma reestruturação, seria bom se esta acontecesse o mais cedo possível.
É certo que é sempre melhor evitar uma reestruturação da dívida, principalmente devido às eventuais repercussões em relação ao financiamento dos países que são obrigados a fazê-la. No entanto, se o endividamento chegar a um ponto tal que se torna verdadeiramente insustentável, é melhor efectuar a reestruturação da dívida o quanto antes, até porque os custos dos "default" são mais de curto e médio prazo do que de horizontes temporais muito longos. Por outro lado, protelar aquilo que é inevitável só agrava a situação económica e social dos países altamente endividados. 
É igualmente importante desdramatizar a possibilidade de se fazerem reestruturações das dívidas na Europa. É uma situação desagradável? Sem dúvida. Seria melhor que não tivesse acontecido? Claro que sim. No entanto, já que o endividamento aconteceu e se tornou explosivo, é preciso perceber que uma reestruturação da dívida não é o fim do mundo. Dezenas e dezenas de países já o fizeram desde o final da Segunda Guerra Mundial, e vários países europeus também já o fizeram, inclusivamente num passado relativamente recente (no século 19 e na primeira metade do século 20). É também importante perceber que os custos de uma reestruturação são substanciais, mas não irão condenar os países que façam a uma situação semelhante ao que nos aconteceu após 1892, quando declarámos bancarrota. Nessa altura, ficámos décadas fora dos mercados financeiros porque os nossos governantes lidaram muito mal com o processo de insolvência do país e não souberam negociar devidamente com os nossos credores. Não é crível que esta situação se repita no presente.
E quanto a nós? Será que uma eventual reestruturação da dívida grega nos vai impactar? Obviamente que sim. A nós e à Irlanda. No entanto, e como já aqui defendi e vários outros economistas já chamaram à atenção, se tal acontecer, seria bom que Portugal, a Irlanda e a Grécia pensassem em encetar uma estratégia concertada de negociação com os nossos credores para que entrassem nessas negociações numa posição mais forte. Vale a pena lembrar que esta não seria a primeira vez que o nosso país teria de reestruturar as suas dívidas. Bem pelo contrário. É verdade que Portugal já não entra em incumprimento (default) desde 1892, mas só no século 19 tivemos 6 situações (em 1828, em 1837, em 1841, em 1845, em 1852 e em 1892) em que nos vimos forçados a reestruturar as nossas dívidas. Foram períodos extremamente conturbados, até porque os governos de então fizeram uma série de erros graves na condução da política económica, mas sobrevivemos. Se nos acontecer o mesmo e se as coisas forem bem feitas e bem planeadas, uma reestruturação da dívida poderá ser o primeiro passo (ou o segundo, agora que o resgate foi activado) para conseguirmos mudar a trajectória insustentável dos últimos anos. Um primeiro passo que terá de incluir uma nova política de finanças públicas, uma economia muito menos endividada, e uma economia mais dinâmica e produtiva. Um primeiro passo que nos conduza uma trajectória mais responsável, mais sustentada e mais sustentável. O mais importante é que saibamos aprender as lições do presente para que, no futuro, não tenhamos de cair na mesma lamentável situação. 

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