09 junho 2011

O RELATÓRIO DO FMI

O relatório mais recente do FMI sobre o nosso país foi agora publicado. Mais concretamente, o relatório contém não só a habitual análise macroeconómica do nosso país, mas também apresenta com algum detalhe as medidas propostas pela troika que terão de ser implementadas nos próximos meses e nos próximos anos. Por isso, nos próximos dias irei explicar com algum detalhe o referido relatório, bem como a grande maioria das medidas que serão aplicadas no nosso país. Hoje vou debruçar-me sobre a análise do FMI da economia nacional, bem como sobre as previsões macroeconómicas para os próximos anos. Amanhã e nos dias seguintes irei analisar as diversas políticas económicas que estão planeadas para os próximos tempos.
Comecemos pela análise da nossa situação actual. Quem ler o relatório do FMI não pode deixar de ficar impressionado(a) com a apreciação extremamente crítica da situação económica portuguesa, bem como da gestão macroeconómica dos últimos anos, incluindo a aposta nas parceiras público-privadas (PPPs) e o endividamento explosivo das empresas públicas. Neste sentido, o relatório do FMI realça as seguintes características da evolução económica dos últimos anos:
1) Os desequilíbrios da economia portuguesa aumentaram "consideravelmente" após a nossa adesão ao euro, desequilíbrios que incluiram uma apreciação da nossa taxa de câmbio real (o que tornou as nossas exportações mais caras e menos competitivas), um crescimento do sector dos chamados não-transaccionáveis (os que não estão expostos à concorrência externa), desequilíbrios fiscais e extermos, bem como uma descida substancial da taxa de poupança
2) Durante esse período registaram-se uma substancial perda de competitividade e um aumento alarmante do nosso défice externo
3) O défice orçamental tornou-se insustentável, sendo potencialmente ainda mais problemático graças à pouca transparência e às elevadas despesas relacionadas com os contratos das PPPs, bem como graças ao endividamento explosivo das empresas públicas. Nas palavras do FMI: "Potential convergence benefits were not reaped as the expansion in primary current expenditure since 1994 (over 8 percent of GDP) outpaced the declining interest costs (3 percent of GDP). Social benefits and health costs were the key drivers. As a result public debt as a share of GDP rose from about 48 percent in 2000 to 93 percent in 2010. Non-transparent operation of state-owned enterprises (SOEs) and public-private partnerships (PPPs) have further increased fiscal risks."

4) Há ainda um endividamento muito elevado das famílias e das empresas. Este endividamento é dos mais altos de toda a OCDE.
5) Há inúmeros problemas estruturais na economia nacional que se vêm prolongando há mais de 10 anos
6) O nosso principal problema é o exíguo crescimento da economia nacional

Em relação às previsões macroeconómicas, é interessante (embora não surpreendente) observar que o FMI espera que os frutos do programa de ajustamento só vão começar a fazer-se sentir a partir de 2013. Até lá, a dinâmica da economia portuguesa e a dinâmica da dívida pública e da dívida externa determinam que a grande maioria das variáveis económicas vai piorar. Mais concretamente, aqui estão as previsões do FMI para os próximos anos (as previsões do FMI aparecem em linhas picotadas):

a) Crescimento económico
Como podemos  ver na tabela abaixo, o crescimento da economia só se tornará positivo a partir de 2013. Em 2011 e 2012, a economia nacional vai contrair-se. Ou seja, teremos ainda mais desemprego e mais emigração nos próximos anos e antes que a situação melhore e se inverta.


  2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Crescimento do PIB -2.5 1.3 -2.2 -1.8 1.2 2.5 2.2 2

b) Desemprego

O FMI prevê que a taxa de desemprego vai continuar a crescer até 2012 (quando deverá ser superior a que 13,4%), baixando gradualmente a partir daí. Ainda assim e como podemos ver no gráfico abaixo, o FMI prevê que daqui a 5 anos a taxa de desemprego ainda rondará os 10%.
Taxa de desemprego, 1990-2016
Fonte: INE, FMI

c) Défices orçamentais
Após os desastrosos anos de 2009 e de 2010, os défices orçamentais vão começar a baixar significativamente nos próximos anos. Daqui a 5 anos, espera-se que o défice orçamental esteja abaixo dos 2% do PIB.

Défice orçamental em % do PIB, 1990-2016
Fonte: Banco de Portugal, FMI

d) Dívida pública
A dívida do Estado também vai continuar a aumentar até 2014, em valor absoluto e em percentagem do PIB, diminuindo finalmente a partir desse ano. Obviamente, se o governo conseguir alcançar cortes de despesas adicionais (principalmente ao nível da reforma administrativa do Estado e de cortes nos institutos e entidades afins) e/ou obter mais receitas, é possível que a dívida pública (e os défices orçamentais) em percentagem do PIB diminua mais depressa.

Dívida pública em % do PIB, 1999-2011
Fonte, Banco de Portugal, FMI

e) Dívida externa
A dívida externa também vai aumentar próximos anos, começando a diminuir a partir de 2014
Dívida externa líquida em percentagem do PIB, 1990-2016

Fonte: Banco de Portugal, FMI

f) Finalmente, os nossos desequilíbrios externos registados ao nível da balança corrente (que inclui, entre outras coisas, o saldo entre as exportações e as importações) vão começar a ser corrigidos nos próximos anos. Assim, depois de andarmos uma década com défices da balança corrente entre os 9% e os 10% do PIB, os valores desses défices irão a começar a decrescer significativamente já a partir de 2012, devido não só ao esperado crescimento das exportações, mas também graças à diminuição das importações (proporcionada pela contracção económica nos próximos anos, bem como devido à substituição de algumas importações).
Defice da balança corrente, 1999-2016


Moral da história: a recuperação económica será gradual e lenta. Até 2013, espera-se mais crise e mais desemprego, com a economia a recuperar a partir dessa altura. Amanhã começarei a analisar com mais pormenor as medidas a implementar.

8 comentários:

Goncalo Boavida disse...

Tudo me parece "certo", no entanto falta aqui incluir o tão português: factor "C" (vulgo, e perdõe-me os mais sensíveis, factor "cagaço").

Se o factor C tivesse sido aplicado tenho ideia que algumas dessas linhas teriam inclinações um tudo ou nada mais correctas, mais reais. Este, para o bem ou para o mal, parece-me o best case scneario... e esse, com todos os entraves que se nos vão colocar, nem sempre será possível de alcançar.

Terá faltado ao FMI uma análise de cenários possíveis... caso de um cenário "Previsão FMI + 10% ou 20% de factor C".

Se é para que os objectivos sejam ambiciosos, então, de acordo com ASP, alcançar um défice zero em 2016 seria um bom início de conversa.

Pedro Teixeira disse...

Para além da conclusão de que a recuperação, para ser sustentada, será lenta, existe outra conclusão: os problemas de endividamento criados nos últimos 10-15 anos, irão demorar décadas a ser corrigidos.

Em todo o caso, mesmo depois do final do plano de ajustamento, o crescimento potencial da economia mantém-se reduzido (2% no máximo). A tarefa deste governo será a de criar as condições necessárias para que o crescimento possa voltar a ser acima dos 3% de forma sustentada. Já tenho saudades desses tempos!

Anónimo disse...

Acerca das PPP's por favor veja este link:

Barragens são a 3ª Parceria Público-Privada mais gravosa

http://naturlink.sapo.pt/article.aspx?menuid=21&cid=36206&bl=1

Atentamente

Gonçalo Alexandre

Manuel disse...

Caro Anónimo:

Alguma demagogia e muito «ilusionismo» é o que há de mais nos posts deste blogue.
Quando não tínhamos vias de comunicação, todos reclamavam que o país não se podia desenvolver.
Veio o «mago das finanças» com as lecas da UE e começou o programa do despesismo, tendo mesmo sido inaugurada a 1.ª PPP (ponte Vasco da Gama, em que o negociador, Ferreira do Amaral, é agora o presidente da Lusoponte); o frouxo Guterres prosseguiu a obra despesista, que podia o homem fazer? Interromper o «desenvolvimento fontista»?
Há auto-estradas imprescindíveis que não temos, entre o porto de Sines e o nó da A2 de Grândola, e entre este nó e Espanha, p. ex. Mas agora há estradas a mais, inúteis, assim como estádios de futebol. Mas as barragens não o são. Se não as tiver não terá regadio nem electricidade, continuará a importar produtos agrícolas espanhóis e petróleo e gás árabes. E pagará a emissão da quota de gases poluentes de Quioto. Essa conta também conta.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Infelizmente, nem com a desculpa das "exigências" do FMI alguém foi capaz de defender publicamente que o ajustamento a curto prazo da competitividade da economia portuguesa para inverter da recessão só se poderia fazer através de uma redução substancial dos custos de produção que a redução da TSU não é suficiente para atingir.
Agora, vemos as empresas exportadoras a reivindicar favores, que lhes poderão ser concedidos se se esquecer que, na balança corrente, a substituição de importações por produção nacional pesa tanto como as exportações.
A coisa não promete, não...

Manuel disse...

Caro Anónimo:

Alguma demagogia e muito «ilusionismo» é o que há de mais nos posts deste blogue.
Quando não tínhamos vias de comunicação, todos reclamavam que o país não se podia desenvolver sem elas.
Veio o «mago das finanças» com as lecas da UE e começou o programa do despesismo, tendo mesmo sido inaugurada a 1.ª PPP (ponte Vasco da Gama, em que o negociador, Ferreira do Amaral, é agora o presidente da Lusoponte); o frouxo Guterres prosseguiu a obra despesista, que podia o homem fazer? Interromper o «desenvolvimento fontista»? Para isso era preciso ter ideias sobre o rumo certo para o país.
Se uma auto-estrada não reproduz riqueza, ainda assim há auto-estradas imprescindíveis, e algumas dessas não temos, como, p. ex., entre o porto de Sines e o nó da A2 de Grândola, e entre este nó e Espanha. Mas há outras a mais, inúteis, assim como estádios de futebol. Mas as barragens não o são nem inúteis nem factor de despesismo. Se não as tivermos não haverá regadio nem electricidade, continuaremos a importar produtos agrícolas espanhóis e petróleo e gás árabes. E pagaremos a emissão da quota de gases poluentes de Quioto. Essa conta também conta.
É preciso saber distinguir as coisas.

Anónimo disse...

Confiar nas contas da "Liga da Protecção da Natureza" sobre este problema, é tão falível como confiar na minha mulher quando me diz que só vai ao Super para fazer duas compras (acabamos de saír de lá com o carrinho cheio ...).
Os operadores eléctricos não se meteriam neste negócio se não lhes garantisse retorno. Para além dos benefícios ambientais que as albufeiras trarão, que só não convencem aquela Liga, financiada provavelmente pelos interesses do petróleo.

Carlos Melo disse...

Ao Sr Prof Alvaro Santos Pereira

Aguardo anciosamente pela análise mais detalhada das medidas do FMI.