14 junho 2011

O TGV DOS JUROS

O relatório do FMI sobre o nosso país apresenta uma série de cálculos sobre a sustentabilidade da nossa dívida pública e da nossa dívida externa (que inclui da dívida pública ao exterior, bem como a dívida dos  privados). Assim, é interessante constatar, e como era de esperar, que a factura dos juros associados à nossa dívida pública explosiva não vai parar de aumentar nos próximos anos. Como podemos ver no quadro abaixo, entre 2009 e 2016, os juros da nossa dívida pública vão subir de 4903,8 milhões de euros para quase 10000 milhões de euros. Uma subida de quase 5000 milhões de euros. Algo como 2,8% do PIB actual. Para podermos perceber o que este aumento dos juros representa, vale a pena relembrar que o TGV Lisboa-Porto estava projectado em cerca de 3,6 mil milhões de euros (sem derrapagens de custos). Por isso, a partir de 2012, vamos pagar um TGV de juros todos os anos só para servir a dívida pública que acumulámos nos últimos anos. Em termos relativos, vale a pena ainda mencionar que a factura dos juros em percentagem do PIB vai ser superior a 5% do PIB. Isto se as taxas de juros não subirem mais do que o esperado nos próximos anos.

Juros da dívida pública (milhões de euros)



2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Juros da dívida pública (milhões de euros) 4903.8 5241.1 7127.4 8137.3 8807 9302 9541 9841
Juros adicionais relativamente a 2009 (mihões de euros)
337.3 2223.6 3233.5 3903.2 4398.2 4637.2 4937.2

Fonte: FMI

É igualmente importante referir que a factura de juros estimada para este ano pelo FMI é significativamente superior à projectada pelo governo ainda em funções. Assim, o Orçamento do Estado de 2011 previa que os encargos com a dívida pública seriam de 6326 milhões de euros. Porém, segundo o FMI, a factura de juros final será de 7127,4 milhões de euros. Isto é, um erro de previsões de 801,4 milhões de euros. É natural que assim seja, pois nos últimos meses temos andado a pagar juros muito mais elevados do que tinham sido projectados aquando da elaboração do Orçamento para conseguirmos financiar as necessidades do Estado.
Obviamente, o que tudo isto quer dizer é que a partir do próximo ano, a pronunciada subida dos encargos com os juros da dívida pública terá de ser financiada de alguma forma, quer através de cortes de despesas adicionais, quer através de novas subidas de impostos. Se, por outro lado, a economia começar a crescer a taxas mais elevadas, os encargos da dívida em percentagem do PIB serão menos onerosos. Nesse caso, as receitas fiscais também crescerão mais rapidamente. 
É ainda importante recordar que esta subida das despesas com juros coincide exactamente com os anos em que os principais encargos com as parcerias público-privadas vão acontecer. Relembre-se que, a partir de 2013, as despesas com as PPPs (se não houver renegociação das mesmas) irão totalizar entre 2 mil milhões e 2,5 mil milhões de euros. Feitas as contas, a partir de 2013, o novo governo terá de cortar despesas e/ou aumentar impostos entre 6000 milhões de euros e 7000 milhões de euros todos os anos só para poder financiar os encargos com as PPPs e as despesas adicionais com os juros da nossa dívida pública. Ou seja, os próximos anos serão, de facto, muito difíceis. O legado do governo que agora cessa funções é, de facto, muito, mas mesmo muito pesado.
Já agora, para quem esteja interessado(a) na comparação com o passado, aqui fica o gráfico dos juros da dívida pública nacional desde os meados dos anos 1980.

Juros da dívida pública (milhões de euros), 1986-2016
Fonte: AMECO

8 comentários:

Anónimo disse...

Este gráfico têm em conta a inflação e os ajustes cambiais? É que 6000M€ em 1991 não são a mesma coisa que 6000M€ hoje em dia!

António Maria disse...

Caro ASP:

É fundamental renegociar as PPP antes de renegociar a dívida! Eu creio que uma parte destas PPP configuram um claro crime de expropriação da poupança potencial do país, e como tal deve ser encarado pelo próximo governo — que tem a estrita obrigação de parar tudo o que puder ser parado em matéria de obras públicas nacionais, regionais e municipais. Os investimentos públicos deverão ser todos avaliados, suspensos, adiados, renegociados e anulados (quando a sua inutilidade ou não prioridade for detectada).

Alvaro Santos Pereira disse...

Caro António Maria
Concordo que a renegociação das PPPs é fundamental. E tenho poucas dúvidas que vai ser feita, embora haverá bastante resistência por parte de alguns sectores.
No entanto, é importante perceber que, para todos os efeitos, a renegociação das PPPs é equivalente a uma reestruturação da dívida nacional. Só que é a dívida interna e não a dívida externa.
Também concordo plenamente consigo sobre a necessidade de reavaliar os investimentos

Abraço
Alvaro

Anónimo disse...

O problema que se nos coloca já não é só o elevado montante dos juros a pagar. Com austeridade até poderemos consegui-los pagar. Porém, há, todos os anos, valores bem superiores a esse, de empréstimos que atingem o seu prazo de maturidade e que têm que ser pagos. O resgate do FEEF e FMI só garantem, segundo ouvi dizer as nossas necessidades a dois anos. Depois teremos que regressar aos mercados. Será que então estes terão perdido a desconfiança em relação a Portugal?
As necessidades de financiamentos dos Estados do planeta tenderão a crescer e o dinheiro disponível nos mercados ocidentais será cada vez mais exíguo, sugado entretanto pelas grandes economias emergentes (principalmente China) e pelos países produtores de matérias-primas essenciais, sem grande apetência para apostarem as suas reservas financeiras na dívida pública dos países do sul da Europa. E quando a procura é muita e a oferta é pouca, tramam-se as economias mais fracas que terão que pagar mais pelo dinheiro. Ou seja ano após ano vamos ter que substituir os cerca de 240 mil milhões de euros (Estado + SEE ) obtidos a juro médio de 3/4 % por dinheiro obtido a juros de 5 a 6%, ou mais.
Um futuro cinzento para as contas do Estado e por arrastamento para a economia do país.
Já nada será como dantes.
Espero estar enganado, até porque tendo entretanto passado ao grande grupo dos reformados, receio que seja este grupo o primeiro a ser afetado pelas dificuldades do Estado (não tem poder reivindicativo).

Rui Rodrigues disse...

O Novo Governo deveria invocar o interesse nacional para renogociar as PPP já adjudicadas. Foi este argumento que o anterior Governo utilizou para descer os salários da função Pública.

Abraço
Rui Rodrigues

Nuno Gonçalves disse...

Agora parece que é por mãos à obra!

Bom trabalho e boa sorte nas novas funções!

Abraço,
Nuno Gonçalves

Carlos Mota disse...

Agora que o Sr. Alvaro Santos Pereira vai ser co-piloto neste TGV dos juros, vamos a ver se conseguirá diminuir-lhe a velocidade (da subida dos juros) e evitar que eventualmente descarrile (banca rota ou nova renegociação da dívida ao FMI e UE daqui a um ou dois anos, tal como está a acontecer com a Grécia).
Mais do que desejar-lhe (e a nós) boa-sorte, o que importa é que mostre competência.
E espero que agora, como co-piloto deste TGV, não cometa os erros que apontou aos anteriores pilotos, enquanto era apenas passageiro.
Para já tem o meu voto de confiança!

Pedro Capela Carvalho disse...

Antes de mais sucesso para as novas funções, pois esse será o sucesso de Portugal...gostava somente de deixar uma observação sobre este post, que me pareceu bastante elucidativo sobre as dificuldades que vamos enfrentar nos próximos anos...com o crescimento actual e que se prevê para, pelo menos, os próximos dois anos - leia-se recessão - como vamos ter capacidade para pagar os juros que representam 2,8% do PIB; saliento, que as previsões de crescimento económico de todas as entidades internacionais - FMI, OCD, CE - ficam muito aquém desse número. Como vamos conseguir conciliar/compatibilizar crescimento económico com equilibrio orçamental sem recorrer a desvalorizção interna dos factores que potencilamente gera mais recessão?