11 outubro 2008

A CRISE QUE NÃO ACABA (3)

Terceira parte do meu artigo da EXAME de Setembro: (escrito antes da crise financeira se ter alastrado)
As retomas económicas em Portugal são quase sempre motivadas pelo crescimento do investimento e/ou das exportações. Ora, de todas as variáveis macroeconómicas, o investimento tem sido a mais decepcionante nos últimos anos. Entre os finais de 2001 e o primeiro semestre de 2007, o comportamento do investimento foi quase sempre negativo e só mesmo no último ano é que se registou uma recuperação significativa desta variável, motivada pela maior confiança dos investidores (entretanto dissipada). Apesar da baixa das expectativas dos investidores associada à subida dos preços dos produtos petrolíferos, o comportamento do investimento nos trimestres mais recentes poderá finalmente vaticinar melhores dias para esta importante variável macroeconómica.
As exportações têm tido um desempenho bastante mais positivo, e até surpreendente, crescendo a taxas já não vistas há quase uma década. Recorde-se que esta subida das exportações nacionais é ainda mais notável quando tomamos em linha de conta a situação internacional extremamente adversa provocada tanto pela forte valorização do euro como pela subida dos preços petrolíferos. Ainda mais significativamente, o crescimento das exportações tem ocorrido não só devido ao maior dinamismo dos sectores mais tradicionais (como é o caso dos têxteis), mas principalmente graças à exportação de produtos de média e alta tecnologia. Na última década, a percentagem das exportações das tecnologias de ponta no total das exportações portuguesas quase duplicou, o que representa um dos melhores desempenhos de um país europeu. É verdade que as exportações de alta tecnologia ainda não são tão importantes para Portugal como são para países como a Irlanda, o Luxemburgo, o Reino Unido e mesmo a Hungria. Todavia, é inegável que as exportações portuguesas destes sectores têm exibido um dinamismo assinalável.
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Este dinamismo das exportações portuguesas de tecnologias de ponta é ainda mais visível quando observamos a evolução das exportações dos produtos industriais transformados. Num trabalho recente, Manuel Cabral, docente da Universidade do Minho, argumenta que nos últimos anos se registou não só uma diversificação dos nossos mercados externos e das nossas exportações, como também se deu uma melhoria significativa do conteúdo tecnológico das exportações nacionais. Como podemos observar no quadro 3, o peso dos produtos de alta e média tecnologia no total das exportações de produtos industriais transformados já atinge os 45 por cento, um valor que certamente irá crescer nos próximos tempos. Aliás, entre 2003 e 2006, as exportações de produtos de alta tecnologia contribuíram para 64 por cento do crescimento do volume das exportações nacionais.
Assim, vivemos actualmente uma situação complexa. Por um lado, regista-se um crescente dinamismo das exportações e o investimento tem dado mostras de poder recuperar. Por outro, o choque petrolífero ameaça pôr em causa a tímida recuperação da economia portuguesa. Perante o actual estado de coisas, o que é que pode ser feito para acelerar a retoma? Poderá o governo auxiliar a economia? Se sim, como?
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QUE FAZER?
A tarefa mais urgente da política económica é, sem dúvida alguma, parar de imediato com a absurda obsessão com o défice orçamental. Como vimos anteriormente, este é o abrandamento económico mais significativo dos últimos 80 anos. Não faz assim sentido permanecer de mãos atadas enquanto continuamos obstinados em agradar Bruxelas. É, assim, preciso ter coragem para enfrentarmos Bruxelas, esquecendo o défice durante 2 ou 3 anos. Em contrapartida, o governo devia comprometer-se com os restantes parceiros europeus em introduzir legislação que obrigue os governos nacionais a atingirem o equilíbrio orçamental ao longo do ciclo económico ou político.
Feito isto, temos duas possibilidades para reanimar a economia: fomentar o investimento público ou utilizar a política fiscal (i.e., gastar mais ou cobrar menos impostos). Ora, os rendimentos decrescentes associados à sempre-na-moda política do betão significam que o investimento público não deve ser suficiente para a retoma. Uma estrada hoje não tem o mesmo rendimento nem externalidades do que quando completámos a A1. Deste modo, apesar das dezenas de projectos de investimento públicos já anunciados, não é linear que estes venham a ter uma importância decisiva para a retoma da economia.
Ora, como aumentar as despesas do Estado está fora de questão (pois não surte grande efeito, como podemos ver pelos últimos anos) só nos resta cortar os impostos, principalmente o IRC e talvez o IRS, para podermos aumentar a competitividade das nossas empresas. Se o fizermos, as descidas terão que ser substanciais (mas faseadas) e talvez diferenciadas geograficamente, oferecendo fiscalidade bonificada às regiões deprimidas.
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Mas, como é possível baixar os impostos se não há margem de manobra orçamental? Continuando a reforma do Estado, racionalizando recursos, e adiando projectos megalómanos como o TGV, que ameaça ser o nosso maior erro financeiro desde a construção da barragem de Cahora Bassa. O TGV tem um enorme custo de oportunidade tanto nas escolas e nos hospitais não construídos, como a nível da fiscalidade mais baixa que poderia ser concedida aos particulares, às empresas e às regiões menos desenvolvidas.
Ora, se queremos ser sérios no combate à insustentável estagnação económica dos últimos anos, as prioridades da política económica têm de mudar. É perfeitamente desapropriado continuar a dar primazia ao défice orçamental. A prioridade tem de ser dada à competitividade. Uma forma de o fazermos é melhorar a competitividade das nossas empresas ao oferecer-lhes um alívio fiscal nestes tempos recessivos. De facto, esse será o estímulo mais adequado para fazer ressuscitar o investimento e para auxiliar os nossos exportadores a enfrentarem a crise internacional.

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