É sabido que a nossa classe política está bastante desacreditada aos olhos dos portugueses. Não é para menos. Não há ano (mês?) que passe sem que surjam escândalos, suspeitas e acusações que envolvem a nossa classe política, ou ex-dirigentes e ex-responsáveis de partidos políticos. Com efeito, para bem ou para mal, existe a percepção de que uma passagem por um cargo politico é muitas vezes meio caminho andado para exercer um alto cargo numa empresa pública ou com participação do Estado, num instituto público ou numa direcção-geral, ou mesmo numa empresa privada com fortes ligações ao nosso Estado. Há igualmente a ideia de que, muitas vezes, os nossos partidos políticos servem mais as suas clientelas partidárias do que zelam pelo interesse nacional.
Esta desconfiança extremada e este clima de suspeição mais ou menos generalizado são extremamente nefastos para todos nós e para a própria economia nacional, pois têm um impacto significativo na confiança das populações e no próprio investimento. Por todos estes motivos, nos próximos anos, e quando a situação política o permitir, é absolutamente crucial acabar este estado de coisas. Assim, se desejarmos dar a volta à crise e implementar uma agenda reformista que ajude a economia a recuperar, não há melhor lugar por onde começar que não seja aqui mesmo. Mais concretamente, os políticos portugueses têm de melhorar os exemplos que dão, e têm de aumentar a transparência da vida pública e das ligações entre o Estado e os privados. Se os nossos políticos querem, de facto, diminuir o número de funcionários públicos, que melhor exemplo do que fazer governos com menos ministros, menos secretários de Estado e menos assessores? Se os nossos políticos pretendem racionalizar o nosso Estado, que melhor exemplo do que reduzir os números de institutos, de observatórios, e demais entidades e organismos públicos? Se os nossos políticos ambicionam moralizar o serviço público, por que não reduzir drasticamente os lugares de nomeação política disponíveis nos diversos ramos da Administração Pública e do sector empresarial do Estado? E por que não vedar por algum tempo o emprego em empresas públicas a ministros e secretários de Estado? Por que não fazer o mesmo para o sector empresarial local e para os autarcas de um determinado município?
Estas e outras medidas poderiam melhorar, e muito, a confiança que os portugueses têm nos seus dirigentes. É que os bons exemplos são fundamentais. Tanto para a moralização da vida pública, como para dar um pouco mais de credibilidade à nossa descredibilizada classe política.
Nota: Meu artigo no Notícias Sábado de 19 Fevereiro
3 comentários:
Que tal começar por denunciar a interferência do governo na justiça para tentar neutralizar o juiz que tem tratado os poucos processos que afectam os políticos portugueses?
http://www.tvi24.iol.pt/sociedade/carlos-alexandre-juiz-freeport-corrupcao-governo-tvi24/1235462-4071.html
Para quê inventar novas medidas legislativas quando o problema está na ausência de separação de poderes?
Isto não deveria ser motivo de uma moção de censura de toda a oposição?
Arrisco duas previsões: não poderemos mudar a percepção sem mudar a realidade que lhe subjaz; e não poderemos mudar a realidade com discursos moralistas, por mais bem intencionados que seja.
Porque não fazer isto e aquilo, pergunta o Álvaro Santos Pereira. Porque não? Porque fazê-lo implicaria uma transformação radical do nosso regime politico-económico. Se a passagem directa dum figurão qualquer do governos para uma grande empresa fosse a excepção, poderíamos dizer que se estávamos perante uma questão de ética individual, susceptível de ser resolvida através de leis melhores, como as que o Álvaro propõe.
Mas não se trata de nenhuma excepção, trata-se da regra. O problema é sistémico e resulta duma opção política da oligarquia que não é meramente táctica, mas sim estratégica.
A oligarquia sabe que está condenada à decadência se se apoiar apenas na sucessão hereditária para se manter no poder. Precisa dum fornecimento contínuo e assegurado de sangue novo, e isto não pode depender apenas da cooptação ocasional e incerta de um ou outro self-made man.
A classe política tem servido à oligarquia de incubadora e de viveiro. A manutenção de um status quo que se vem enraizando (com uma única breve interrupção no período que se seguiu imediatamente ao 25 de Abril) desde a guerra civil do século XIX é de importância vital para a oligarquia. É uma questão de regime, não de conjuntura. Não pode ser combatido por leis cuja aprovação é impensável num Parlamento dominado pelo PSD/PS.
Caro José Luiz Sarmento:
Não poderia ter sido mais certeiro e acutilante no seu comentário. O problema é da natureza do nosso modo de ser e de viver.
Senão, vejamos o exemplo da criatividade do nosso poder fáctico (e «de jure») militar.Com o fim do Império passou-se de umas F. A. imperiais a «paroquiais»; e a cúpula perdeu postos de comando? Não, criou outros novos, em que os almirantes e os generais comandam secretárias vazias sem militares escriturários a tratar da papelada. Já só falta ver um almirante ou um general a comandar os W. C. dos quartéis. O artigo do «Expresso» desta semana é muito interessante e esclarecedor a esse respeito. Os americanos estão bem informados. Temos um almirante ou um general por cada 240 soldados ou marinheiros. Elucidativo. E que faz o poder político? Acocora-se! O mesmo se passa com o poder económico, o judicial, etc. etc.
Eu acrescento uma informação sistematizada para reflexão: Pense-se que, para um pequeno território e 10 milhões de habitantes, temos um P. R. (16 milhões de euros gastos com a Presidência), um P. M. e um governo de 53 membros e 17 ministérios (cada um com várias direcções-gerais desdobradas em direcções-regionais), uma A. R. com 230 deputados, dois governos regionais com mais de uma dezena de membros, duas Assembleias Regionais com cerca de 30 deputados cada (isto para 2 populações de 245 000 hab. cada), 5 CCR, 18 governos civis, 308 câmaras municipais, 4260 freguesias, Exército (com muitos tanques e generais), Força Aérea (com muitos aviões e generais) e Marinha (com muitos navios, 2 submarinos e almirantes), duas forças de segurança GNR e PSP (e os seus conflitos de competências e a duplicação de comandos), e provavelmente algo mais que me escapa. É muita administração para tão pequena população e, especialmente, para tão débil produção (Indústria, Agricultura – importamos 85% do que comemos – Pescas, Minas, etc., apenas o Turismo tem algum papel, em parte ilusório, pois o que entra por uma porta sai por outra. Isto é, se não produzimos os alimentos nem outros diversos produtos de consumo, compramo-los para os fornecer aos turistas, saindo assim boa parte das divisas que cá nos deixam).
É a partir destas realidades que, ou geracionalmente se «dá a volta ao texto», ou continuaremos «no mais do mesmo» em que temos vivido desde há séculos. É difícil a tarefa, senão já tinha sido resolvida. Ou o seu tamanho é tão grande que não se deixa ver? Os nossos globos oculares nem conseguem vislumbrar os contornos da «imagem»?
Manuel Henrique Figueira
P. S. Permita-me que lhe chame a atenção para o facto de «statu quo», por ser uma expressão latina, não ter S final, a não ser no Brasil, onde a criatividade linguística bárbara não tem limites.
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