A Espanha parece ter descolado definitivamente de Portugal na percepção de risco que os mercados têm dos países europeus em dificuldades. E é exactamente por isso que enquanto as nossas taxas de juros nos mercados secundários da dívida pública continuam a subir vertiginosamente, as taxas de juros das obrigações espanholas estabilizaram. Porquê? Porque como afirma um analista no Financial Times:
“Spain seemed to have grasped the seriousness of the eurozone crisis quite early on and have been doing and, just as importantly, saying the right things.”
Por outras palavras, as autoridades espanholas diagnosticaram e perceberam desde cedo (na Primavera de 2010) a gravidade da situação e actuaram em hesitação, cortando salários, extinguindo e fundindo entidades e organismos públicos, liberalizando as leis laborais e recapitalizando os seus bancos. Por isso, nos meses seguintes, a Espanha conseguiu estabilizar o seu défice orçamental e o défice da balança corrente desceu de forma significativa.
Em contrapartida, o nosso governo fez tudo para adiar a implementação das medidas de austeridade mais gravosas e, quando o fez (em Setembro de 2010) foi devido a uma execução orçamental verdadeiramente desastrosa e inexplicavelmente má. Ainda por cima, e apesar de termos reduzido os salários, fingimos levar a cabo uma reforma administrativa de 50 institutos e entidades públicas (muitas das quais já tinham sido extintas ou sujeitas a fusão), as reformas laborais foram demasiado modestas, e o objectivo do défice orçamental para 2010 só foi "alcançado" através de uma claro malabarismo contabilístico (com o fundo de pensões da PT) que não enganou ninguém (vale a pena lembrar que até o próprio Financial Times denunciou esta situação).
Ou seja, enquanto os espanhóis tentaram logo apagar o fogo da agitação financeira com reformas estruturais profundas e uma austeridade credível, nós andámos primeiro a proclamar ao mundo que o fogo não era nosso, optando então por aplicar uma espécie de austeridade a conta gotas que começa a agora a ter reflexos muito negativos na economia nacional. E foi assim que, quando demos conta (em Setembro) que afinal o fogo também era nosso, já era demasiado tarde. Porquê? Porque, ao adiar uma pilula mais amarga da austeridade, ao fingir que tudo estava bem, e ao permitir uma derrapagem indesculpável das contas públicas no primeiro semestre de 2010, o governo acabou com toda e qualquer réstia de credibilidade que nos sobrava. Ou seja, a partir desse momento os mercados e os nossos parceiros europeus não mais acreditaram em nós. Os governantes dos outros países podem afirmar o contrário em grandes declarações de solidariedade europeia, mas a verdade é que já não crêem que nós (isto é, os nossos governantes) sejamos capazes de dar a volta à situação sem ajuda externa.
Durante uns meses, ainda tivemos o apoio do BCE na compra da nossa dívida pública, mas, pelo que parece, os nossos parceiros europeus e o banco central já chegaram à conclusão de que talvez não valha a pena fazê-lo. E, por isso, nas últimas semanas o BCE tem evitado a compra da nossa dívida soberana. Porquê? Por vários motivos. Primeiro, porque a melhoria da situação orçamental e financeira espanhola significa que, se Portugal tiver de aceder ao FEEF e ao FMI, o risco de contágio à Espanha é manifestamente menor. E se é assim, o BCE já não tem de ser tão interventivo nos mercados da dívida, pois, se a Espanha estiver segura, a estabilidade do euro está garantida (pelo menos por enquanto). Segundo, se o risco de contágio for realmente baixo, não faz grande diferença à Europa que Portugal seja forçado a recorrer ao FEEF e ao FMI. Portugal é demasiado pequeno para ameaçar a Zona Euro (a Espanha não é). Terceiro, como as autoridades portuguesas perderam toda e qualquer credibilidade devido aos descalabros orçamentais em 2009 e em 2010 e ao manifesto irrealismo das suas políticas económicas, é bem possível que uma "vinda" do FMI a Portugal seja até bem vista na Europa, pois, pelo menos, os nossos parceiros europeus (principalmente os alemães) terão finalmente a garantia de que as reformas que precisamos de fazer serão realmente efectuadas.
Por isso, esta descolagem da Espanha parece ser o factor que nos irá levar conduzir ao cada vez mais inevitável recurso ao FEEF e ao FMI. A não ser que a Europa resolva mesmo reforçar e flexibilizar o FEEF e que uma "vinda" do FMI seja disfarçada de ajuda europeia, sem que o FMI esteja envolvido. O que não parece ser possível neste momento. No entanto, e, pelas declarações dos das autoridades portuguesas, este parece ser o cenário que o governo espera fervosamente que aconteça para que possa garantir a sua sobrevivência por mais uns meses. Ou seja, para o governo não interessa se a ajuda europeia seja feita com condições altamente exigentes ou até em contrapartida de uma maior perda de soberania económica do nosso país. Para o governo, o que interessa é que essa ajuda não se esteja associada ao FMI. É tão simples como isso. Não falta muito para sabermos quem é terá razão.
5 comentários:
Por acaso tinha acabado de ler isto, que não da indicios de um optimismo tão grande em relação a Espanha (e Italia). Ou seja, quando os peixes pequenos estiverem fora da equação (Portugal incluido), passa-se ao prato de resistência:
http://online.wsj.com/article/BT-CO-20110216-710305.html
(Espero que se consiga ler, porque à minha segunda entrada pediram-me assinatura. Penso também desculpa pela falta de acentos portugueses deste teclado francês))
IsabelPS
Qual a principal razão para a continuação deste limbo de indefinição em que vivemos? Vem o FEEF/FMI, não vem, para uns (governo) não é necessário, para outros (oposição) já devia ter vindo.
Estou cada vez mais convencido de que a principal razão é, afinal, três: a 1.ª, prende-se com a matriz da personalidade de Sócrates, personalidade de um sujeito mal preparado para tal cargo, inconsciente, irresponsável, propagandista. É um verdadeiro «sempre em pé», que salta de «solução definitiva» em «solução definitiva» até à queda final; a 2.ª, prende-se com a matriz politiqueira da oposição, igualmente irresponsável, que, em vez de ser capaz de propor soluções, negociar e assumir compromissos com vista à solução dos problemas, finge que o faz mas se perde em jogadas tácticas para chegar ao poder, como se ainda houvesse muito para distribuir; a 3.ª, prende-se com a nossa cultura política de verdadeira falta de diálogo e de compromisso (herança do radicalismo do PREC, do tudo para JÁ), de que a proposta de coligação de Sócrates há ano e meio, quando formou governo, «convidando» indiscriminadamente todos os partidos, é um (indigno) exemplo.
Uma visão abrangente e desapaixonada de uma eventual tactica do Governo:
http://www.moneycontrol.com/news/world-news/portugal-likely-to-hold-out-for-better-rescue-deal_524658.html
IsabelPS
A situação espanhola, faça a Espanha o que fizer é potencialmente mais grave que a portuguesa.
Primeiro têm um deficit comercial monstruoso, depois as suas exportações pesam no seu PIB menos de metade das portuguesas, os seus bancos estão muito piores do que os portugueses e, last but not least, Portugal é o seu terceiro mercado, depois da França e da Alemanha e é um mercado superior ao de toda a América latina! Isto é, qualquer problema em Portugal tem fortes repercussões em Espanha.
Além de que têm um Primeiro Ministro nitidamente incapaz. E se chegou lá foi com o contributo (involuntário, creio) da Al-Qaeda.
É chocante ver esta sanha de dizer mal do Sócrates, mesmo que isso seja à custa de se endeusar todo e qualquer incapaz, mesmo que seja estrangeiro.
Discordo da sua análise. Espanha tem um problema grande com as cajas de ahorro e nos próximos meses vamos ver o que acontece. Em relação às leis laborais as alterações foram mínimas: para além da limitação das indemnizações apenas foi facilitado o despedimento colectivo. Neste caso, parece-me que Portugal até estará mais avançado do que Espanha.
Estou convencido que nas próximas semanas vai começar o ataque a Espanha com o mesmo padrão que Portugal tem seguido.
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