Ainda não se conhecem todos os contornos do "pacto de competitividade" que os governos alemães e franceses querem tentar impor aos países europeus em dificuldades para que estes vejam garantidas as suas necessidades de financiamento para os próximos anos. Ainda assim, vão-se conhecendo alguns pormenores que não nos podem deixar de ficar inquietos sobre o que está a ser planeado em contrapartida a uma eventual ajuda financeira.
Como era de esperar, o nosso governo já reagiu, defendendo o pacto e uma maior harmonização de políticas económicas dos vários estados membros. É natural que assim seja, pois esta é porventura a última réstia de esperança que o governo tem para evitar a "chegada" do FMI e o recurso ao Fundo de Estabilização. Ora, sabendo que o Presidente da República afirmou na campanha eleitoral que um hipotético recurso ao FMI e ao FEEF seria um sinal de que o governo tinha falhado, o pacto alemão e francês (se for aprovado) é uma autêntica lufada de ar fresco nas esperanças do governo de permanecer no poder por mais uns tempos.
No meio de isto tudo, e como é óbvio, o que importa para o governo não é o interesse nacional, mas sim a sua mera sobrevivência a todo o custo. Por mais que isso prejudique o país ou por mais que tenhamos de hipotecar a soberania económica que nos resta. Tudo, como é evidente, em nome do projecto europeu e da estabilidade do euro. Enfim...
Sinceramente, acho que antes de tomarmos uma decisão final, é importante ponderar muito bem o que está em causa e quais são as condições que nos vão ser impostas. A verdade é que, assim como refere Wolfgang Münchau num importante artigo de opinião no Financial Times de hoje, não há nada do que foi agora proposto pelos governos alemães que resolva de forma definitiva a necessidade de haver uma recapitalização dos bancos europeus e uma eventual reestruturação da dívida da Grécia, da Irlanda, e, sim, de Portugal (digo eu).
Como Münchau afirma, e bem: "The idea that Greece and Ireland can pay back their debt in full, and on time, is a triumph of hope over everything we know from the history of financial crises." Mais: os custos deste pacto da "competitividade" poderão ser totalmente irrazoáveis em termos do que poderemos de ter de dar em troca para podermos desfrutar desta generosa solidariedade europeia. Ainda nas palavras de Münchau "A rise in southern European competitiveness is not something you can agree on over dinner. It will require a massive loss of national sovereignty and deep incisions in national wage bargaining systems."
Nem mais. Por isso, interessa perguntar: estaremos mesmo dispostos a fazê-lo só para garantir que o governo se mantenha em funções por mais uns meses? Temos mesmo a certeza de que vale a pena hipotecar a pouca soberania que nos resta para que possamos evitar a "chegada do FMI" e o recurso ao FEEF? Que solidariedade europeia é esta em que os governos dos países periféricos se vêem (por culpa própria, admito) obrigados a ceder soberania nas políticas fiscais e económicas para o eixo franco-alemão? E, ainda mais significativamente, quem é que nos garante que esta transferência de soberania não será em vão? Quem é que nos garante que, mesmo se cedermos às pretensões dos governo alemães e franceses, dentro de um ou de dois anos não nos veremos obrigados a reestruturar as nossas dívidas e a recapitalizar os nossos bancos? Ninguém, como é evidente.
O problema é que, nessa altura, a soberania económica que nos restava já poderá estar irremediavelmente perdida, mas poderemos, mesmo assim, vermo-nos forçados a fazer os ajustamentos que devíamos fazer agora.
Mas, isso não interessa. Isso são problemas para outros resolverem. Nessa altura o inenarrável governo actual já não estará cá para ter de lidar com os problemas que criou. Entretanto, o que importa é que a perda da pouca soberania económica nacional que nos resta é um mal menor quando o que está em causa é a solidariedade europeia, a estabilidade do euro, e, claro, a manutenção do nosso benemérito governo.
7 comentários:
Ex. mo Senhor Prof. A. S. Pereira:
(Declaração de interesses: Não sou apoiante do governo, acho Sócrates incompetente, há muito que o meu voto é ecológico, isto é, não gasto tinta nele, e provavelmente assim continuará até haver competência e decência na política, o que a próxima alternância do seu PSD está longe de nos garantir, como se pode verificar no seu texto).
Até agora eu tinha os seus textos por sérios, informados, isentos, eminentemente técnicos, fora da lógica mais torpe das lutas partidárias que têm presidido aos nossos tempos. Este seu texto decepciona-me completamente, por ir contra a linha dos anteriores. A febre de poder é tão grande (apesar de já nem sequer haver migalhas para distribuir) que nem os melhores resistem.
Deixo-lhe 3 interrogações:
1.ª - Pode haver euro sem harmonização económica e, sobretudo, fiscal?
P. Krugman, p. ex., diz que não.
2.ª - As condições desta hipotética harmonização franco-alemã serão mais gravosas do que as do FMI/FEEF? A Grécia e a Irlanda, que recorreram ao FMI/FEEF, estão a pagar juros de 9% no mercado, enquanto que nós pagamos cerca de 7%. É praticamente certo que terão de reescalonar as dívidas, tal como o senhor preconiza que nos acontecerá com estas novas regras do eixo franco-alemão. Ficamos, portanto, na mesma, excepto a oposição sedenta de poder que quer o recurso ao FMI/FEEF para confirmar a profecia do P. R., que disse que nesse caso o governo teria falhado. Falhou, infelizmente, em muito mais do que isso, sob o olhar sereno e silencioso do P. R. que queria ser eleito sem fazer ondas. Decepcionante!
3.ª - Quem nos garante que recorrendo ao FMI/FEEF daqui a 5 anos não estaremos como agora? Não recorremos em 1977? Não voltámos a recorrer em 1983? Não precisamos de recorrer agora, a ele ou a outra ajuda?
Com consideração
Manuel Henrique Figueira
Caro Manuel Henrique Figueira,
Muito obrigado pelo seu comentário e pelas suas pertinentes observações.
Aqui estão as minhas respostas:
1) É evidente que a actual arquitectura do euro deixa muito a desejar, e é muito natural que, nos próximos tempos, haja um esforço adicional para aproximar as políticas económicas dos Estados membros. No entanto, há harmonizações e harmonizações. O que eu quis sublinhar com os meus últimos 2 posts é que uma harmonização económica não é uma receita mágica para o crescimento economico, nem muito menos uma solução para as irresponsabilidades fiscais dos governos. A harmonização económica também não resolverá o grave problema de endividamento que existe nalguns países da Europa.
2) Penso que a questão do custo do financiamento é exactamente a mais importante no meio de isto tudo. O que eu sou contra é uma imposição de uma política económica por parte dos governos alemães e franceses aos países em dificuldades. Eu acho que devíamos ser nós a implentar as reformas que precisamos e não esperar que os outros nos forcem a fazê-lo (nem o FMI, nem a Europa). Não sou só eu penso assim, aliás como é visível pelo artigo do FT. Gostaria de ser mais específico em relação às reformas que preconizo, mas prefiro esperar pelo lançamento do meu livro em Abril.
3) Na minha opiniao, para não termos de recorrer ao FMI/FEEF daqui a 5 anos precisamos de implementar as reformas que acima mencionei.
Mais uma vez, obrigado pelas suas críticas e sugestões. É exactamente assim com o diálogo construtivo e com a troca de ideias que devemos proceder.
Melhores cumprimentos
Alvaro
Boa discussão. No entanto, falta uma resposta de ASP, relevante em termos de "declaração de interesses", a um aspeto levantado por MHF: até que ponto "o seu PSD" (seu de ASP, não sei se sim ou se não) a "febre do poder", influencia este texto de ASP.
É o ASP economista que gosto muito de ler (embora nem sempre concorde, mas problema meu de leigo em economia) ou o ASP político, com todo o direito de o ser mas com o dever de clarificar as águas por respeito para com os leitores'
Peço desculpa pela "dislexia de teclar". Faltam pontos de interrogação no fim de ambos os parágrafos.
Caro JVC,
Obrigado pelo comentário.
Antes de mais, gostaria de dizer que ainda bem que não concorda sempre comigo. O debate de ideias é assim mesmo e é salutar discordar e trocar impressões.
Em relação à "declaração de interesses" não tenho qualquer problema em fazê-lo. Não sou filiado em qualquer partido e não tenho qualquer intervenção partidária. No entanto, é verdade que já afirmei publicamente a minha afinidade ideológica com o PSD. É igualmente público que tenho colaborado com o partido em relação às questões de política económica. Por que é que o faço? Porque acho que o próximo governo vai ser crucial para o país e porque acho que o PSD tem de estar muito bem preparado para as difíceis tarefas que um próximo governo terá pela frente. E, finalmente, porque a minha investigação dos últimos anos retirou-me qualquer dúvida que os últimos 15 anos de governação foram desastrosos, com especial incidência para os últimos 6.
Dito isto, pode crer que não tenho qualquer "febre do poder". Bem pelo contrário. A minha vida profissional é em Vancouver e a minha participação no debate nacional é tão somente para tentar dar a minha pequena contribuição para acabarmos com o mal-estar do nosso país. Eu gostaria de um dia poder regressar a Portugal para uma universidade, e levar comigo os meus filhos e a minha família. Porém, para que tal aconteça é fundamental que as más políticas dos últimos anos sejam invertidas o quanto antes, para que o nosso país tenha futuro.
É por isso que tenho o blogue e é por isso que tenho escrito os livros sobre a economia nacional. Acima de tudo, foi exactamente por essa razão que tenho passado os últimos meses em intenso trabalho no meu novo livro, onde se diagnosticam as causas da crise e as soluções para a mesma. O livro é um livro de política económica, onde se apresentam políticas concretas para o país.
Abraço e mais uma vez obrigado,
Alvaro
Ex. mo Senhor Prof. A. S. Pereira:
O seu último texto em resposta a JVC reconcilia-me um pouco mais com o ASP de que gosto, o economista sério, isento, conhecedor da «arte», que se dispõe a «aturar» (e a esclarecer) meia dúzia de «maduros» provavelmente pessoas comuns) que teimam em discutir questões substanciais que interessam à «res pública».
Por uma certa aspereza que o meu primeiro comentário possa encerrar me penitencio.
Quanto à verdadeira desgraça dos últimos 15 anos, talvez a devêssemos alargar por
mais uns anitos, pois se é inegável que ela resulta da falta de estratégias de desenvolvimento, é também filha de ilusões de prosperidade resultantes do sucesso da entrada da UE (juros baixos, moeda forte, fundos estruturais) recursos esses às vezes malbaratados, assim como da hipoteca de sectores produtivos (agricultura, mar, minas) a troco de outros fundos para a modernização de infra-estruturas vitais na altura. Esse período anterior a 1995 foi acompanhado de energia barata, cenário que se alterou drasticamente. Há uma genealogia com várias gradações de paternidade para a tragédia (tragicomédia na versão socrática) que vivemos.
É a memória que guardo dessa genealogia que alimenta o meu cepticismo quanto a entrarmos no caminho certo com o próximo governo do PSD.
Se nada tenho contra a aposta das pessoas na nova alternativa, nunca perco de vista a genealogia nem a realidade interna volátil das nossas formações partidárias, insensíveis à trucidação dos melhores na primeira passagem de nível.
Com consideração
Manuel Henrique Figueira
Com 6% de diferença nas sondagens e com tanta incerteza sobre o futuro próximo, não estou tão certo como ASP e MHF de que o próximo governo seja PSD. isto é apenas uma consideração objetiva, sem "wishful thinking" para um lado ou para o outro vale a pena ler um artigo recente em El País, sobre a incerteza do voto nestas situações.
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