15 janeiro 2008

COMENTÁRIOS DOS LEITORES (5)

O Antonio tem o seguinte comentário:
"Licenciado em G.E. em 1980 pelo ISE, confesso que por razões de deformação profissional, nunca mais tinha lido um livro sobre economia e que foi com enorme prazer que li o seu. Simples e de fácil entendimento e que toca em muitas das fragilidades da nossa economia. Diverti-me a lê-lo e a tirar notas, sobretudo das questões em que estou em profundo desacordo consigo. Não lhe direi nada de novo mas acredito que não deixará de me dar alguma razão.Talvez porque Portugal nunca foi sujeito a grandes crises é hoje um dos Estados mais antigos do mundo.Quando muito teremos sido sempre um país em crise. Pobre, atrasado e melancólico e voltado de costas para a Europa. Mesmos na época aurea dos descobrimentos não foi visivel um salto qualitativo no país. E para o bem e para o mal, a meseta ibérica poupou-nos às grandes crises europeias. A guerra dos trinta anos, a guerra dos cem anos e até as duas guerras mundiais passaram-nos ao lado. E as nossas pequenas crises foram sempre bem delimitadas e tiveram sempre um rosto. Foi fácil pois identificar o inimigo e conjugar esforços para o combater. A actual crise não tem rosto. A actual crise somos nós próprios. São os nossos vicios, os nossos maus hábitos. É a nossa incapacidade de ter uma estratégia e de traçarmos um caminho. E como você disse já não temos aspirinas para disfarçar a crise. É a primeira vez que não temos aspirinas. Sem aspirinas e sem estratégia esta crise pode-se tornar facilmente numa doença crónica muito grave. Que o seu optimismo esfusiante não o impeça de ser um bom estratega. Nunca substime o inimigo.Parta do principio que estamos de facto metidos numa grande alhada. E que infelizmente, pelo clima de pessimismo criado e pelos números que indicam que continuamos claramente a divergir da média europeia e mais ainda daqueles que fazem parte do nosso pelotão não é aconselhavel estarmos particularmente optimistas. Os recentes péssimos resultados ao nivel do emprego, do investimento e crescimento económico não acontecem por acaso. São fruto de uma politica concertada de péssimas opções,de falta de coragem em fazer e falar claro. E claro, de péssimos exemplos que descredibizam qualquer tentativa de criar uma estratégia concertada de desenvolvimento."
Caro António,
Muito obrigado pelo seu comentário. Fico contente que tenha gostado do livro e que, principalmente, tenha discordado comigo nalguns pontos. Mal seria se assim não fosse. O Mitos serve também como uma reflexão, como um ponto de partida para levarmos a cabo um debate sério sobre a economia nacional. Um debate sem preconceitos, sem ideias feitas, sem agendas políticas. Apesar de concordar consigo que estivemos isolados de muitas das grandes crises europeias e mundiais, a verdade é que houve momentos na nossa História em que tivemos grandes dificuldades para seguir em frente. Por exemplo, em 1755 sofremos o maior desastre natural alguma vez registado no continente europeu, que destruiu grande parte da nossa capital e levou a uma perda de cerca de 50 por cento do produto nacional. Ao contrário do que seria de esperar, a crise do grande terramoto foi aproveitada pelos portugueses (e pelo governo de Pombal) para reformar a economia e a sociedade portuguesas. E a crise tornou-se numa oportunidade.
Mesmo assim, concordo inteiramente consigo quando afirma que a crise não tem rosto, que somos nós mesmos. Aliás, este é um dos nossos dilemas. Os economistas chamam isto "expectativas" ou "confiança". Uma retoma económica nunca poderá ser sustentada enquanto a confiança de todos nós na nossa economia não aumentar, enquanto as expectativas sobre as nossas capacidades não melhorarem. E este é um dos maiores desafios que enfrentamos actualmente. Os resultados do investimento, do crescimento económico e do emprego não se irão inverter enquanto as expectativas não se alterarem também.

2 comentários:

antonio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
antonio disse...

Caro Álvaro

Como há uns dias lhe disse, gostei imenso do seu livro. Embora, como dificilmente poderia deixar de ser, tenha opiniões algo diferentes das suas.

Disse-lhe anteriormente que considero esta crise um dos maiores desafios, senão o maior da nossa história. Depois de um terramoto torna-se óbvio a necessidade da reconstrução. É mais fácil unir esforços e ideais.Transformarmo-nos a nós próprios e superarmo-nos não é assim tão evidente. E há sempre quem não esteja de acordo. E no nosso país há quem por inépcia não esteja interessado em mudanças. Mas há quem também não esteja interessado porque essas reformas irão pôr em causa os sagrados direitos conquistados a seguir ao 25 de Abril. Existe muita gente a remar em sentido contrário. Não sei se chegaremos a bom porto. Para já o tal bom porto não está no horizonte. Continuamos a divergir.

Passemos à frente. Estou a escrever-lhe no avião de regresso a Portugal depois de um fim de semana alargado passado entre Viena e Budapeste. Fiquei impressionado com Budapeste que não conhecia. Minha mulher diz-me que há 30 anos tudo estava esburacado e sujo. Mas hoje vejo Buda recuperada e Peste em franca recuperação com as sua enormes avenidas de imponentes edificios fim de imperio, arte nova e art deco e os sintomáticos Louis Vuitton e Cartier já instalados. Lembro-me da nossa Lisboa que deixa deitar a baixo alguns dos seus mais belos edificios e que por falta de coragem política e pura demagogia de alguns nunca até hoje resolveu o problema da legislação do arrendamento o que origina uma cada vez maior degradação urbana e que muitos edificios estejam tijolados e destinados cruelmente à demolição. Com a perca de uma enorme mais valia para a cidade. Não é assim que se dá a volta a um país.Invejo o seu optimismo.

Deixe-me agora bater-lhe mais um pouco em relação a alguns dos temas que você abordou no seu livro.

Imigração. Está em voga dizer que é uma mais valia. É politicamente incorrecto dizer o contrário.Não me considero nem conservador nem tenho nada contra os imigrantes.Mas tenho muitas duvidas sobre os benificios da imigração e penso que o assunto foi tratado com muita ligeireza.

De que imigração se está a falar? De cérebros, tipo indianos barras em informática? Ou de ucranianos médicos e engenheiros que andam a trabalhar nas obras? Há que entender que o modelo de desenvolvimento europeu que vigorou ate aos anos setenta assentou na emigração, mas que o boom da economia europeia que o justificou, foi-se. E o que temos agora? Larguissimos milhões de europeus a viver de subsidios sociais, pondo em causa a sobrevivência do estado social enquanto se importam os novos escravos assalariados que executam as tarefas que os tais subsidiodependentes rejeitam.Não acha você, que claramente defende uma politica de incentivos correctos, que esta imigração só existe porque os europeus andam a receber incentivos errados para ficarem em casa e deixarem para os imigrantes as tarefas mais "aviltantes"? Mas isso não vai resolver o problema porque os filhos desses imigrantes não vão querer desempenhar essas tarefas originando assim um circulo vicioso. Por isso eu chamo a esses imigrantes algo politicamente incorrecto: escravos assalariados.

Mas sejamos claros, nenhuma sociedade equlibrada pode viver sem o Sr.Isidro que nos serve de manhã a bica e o croissant, sem a Dona Quitéria que nos vende o jornal no quiosque, sem a loira que nos corta o cabelo mensalmente,sem o taxista, o camionista, o carteiro, o empregado de mesa, a caixa do supermercado, o padeiro, o pasteleiro, o sr. José do talho e a D.Maria da peixaria. E que dizer da imprescindivel da D.Bia que vai lá a casa às 3as feiras e me deixa tudo a brilhar e as camisas impecáveis? Será que de futuro queremos que estas profissões "vergonhosas" sejam só desempenhadas por imigrantes enquanto andamos a descontar para que muitos dos nossos compatriotas andem confortávelmente encostados ao subsidio de desemprego? Será isto uma politica sustentável? Será que os incentivos que o Estado Social Europeu criou com tantos subsidios não estrá profundamente errado? E isto prende-se com a política de educação. Quer-se à viva força que toda a rapaziada chegue pelo menos ao 12º ano. Mesmo aqueles que manifestamnete não o querem e que não se esforçam. Isso custa muito a um país. Faz-se um esforço enorme para que todos cheguem ao 12º ano. E o que irá acontecer de futuro? Teremos falta de pedreiros, de empregados de mesa, de taxistas e de padeiros e teremos de contrinuar a imporatar imigrantes para essas tarefas "menos dignas". Mas o que ´será ainda mais grave é que para que todos completem o 12º ano torna-se necessário baixar os patamares de exigência nas escolas. Isto é, abre-se aqs portas à mediocridade. E isso obviamente não é um factor de estimulo para os mais aptos e interessados. Por isso as nossas faculdades estão a abarrotar de alunos que deviam ter ficado pelo caminho e que irão ser futuros desempregados. Mas que talvez pudessem ser excelentes empregados de mesa. Ou pintores, carpinteiros etc. Por isso salvo raras excepções a excelência está ausente do nosso ensino. E consequentemente da nossa investigação. Talvez por isso a própria Alemanha esteja a importar em tão grande quantidade cerebros da India. Porque está tão preocupada em criar futuros desempregados no seu próprio país que acaba também por ter necessidade de importar elites. E também turcos para varrerem as ruas. Eu não tenho certezas de nada excepto que não tem havido coragem para olhar para estes assuntos de frente. Da mesma forma que durante décadas, quando´era já visivel que as seguranças sociais dos países europeus estavam insustentáveis se continuaram a conceder benesses perfeitamente impossiveis de cobrir num futuro próximo. E só há muito pouco tempo esse assunto deixou de ser tabu.

Levantei estas questões porque foi você a levantá-las no seu livro. E porque acho que pessoas como você têm obrigação de levantar questões incómodas.

Lembro-me também da questão de Espanha. É claro que Espanha não é um papão. Por mim nuestros hermanos são muito benvindos. Mas não sejamos ingénuos. Quando a Ford Volkswagen investe em Portugal, tem por base critérios puramente económicos. Previsões de rentabilidade, dado o custo da mão de obra, custo de infraestruturas, benesses concedidas pelo governo português etc. Já o investimento espanhol tem um caracter diferente.Muito mais estratégico.A Espanha, muito naturalmente, tende ser a potência hegemónica da Peninsula.E com toda a justeza e mérito. A Espanha tem tido uma evolução invejável. Já passou a Itália. E quer passar a França. E nós somos o páteo das traseiras. Uma especie de saguão. Basta ler o El País e verificar que se passam semanas sem que haja uma referência a Portugal. Basta lembrar-nos que Espanha só terminou as suas ligações para Portugal por autoestrada muitos anos depois de ter ficado ligada à Europa. Mas que não se culpe a Espanha. Quando muito deve-se ao nosso demérito.Por isso a Prisa, a EDP, a Banca, as herdades no Alentejo e os prédios na Avenida da Liberdade.

Para finalizar este namoro e já que ainda estamos longe de aterrar na Portela onde muito provavelmente nos espera um passeio de autocarro à boa maneira portuguesa,(mesmo com as mangas do aeroporto vazias), lembro-me de você ter falado na questão da produtividade. Parece-me que na generalidade em Portugal muito poucos ainda assimilaram as três vertentes do aumento de produtividade. Produzir mais quantidade e melhor qualidade a melhor preço e sobretudo com melhor imagem. Lembremo-nos apenas que para aumentar o valor acrescentado dos nossos sapatos basta carimbá-los com "made in Italy". E parece-me que Portugal não tem associada a si qualquer imagem de qualidade. Nem sequer no sector que tem tido enorme dinamismo nos ultimos anos entre nós. Os vinhos portugueses escasseiam nos escaparates das lojas por esse mundo fora e muitas vezes encontram-se nas zonas sombrias dessas lojas. E vale a pena comprar bons vinhos portugueses em Toronto ou no Luxemburgo, pois dada a falta de imagem de qualidade são vendidos bem mais baratos nesses países do que em Portugal.E digaq-se de passagem que fiquei um pouco assustado pois acabeu de beber excelentes tintos austriacos.Até na austria se estão a produzir excelentes tintos.

Estamos a começar a descer e os meus ouvidos já começam na zumbir. Mas acho que ainda vou ter tempo de lhe falar no Algarve. Por errada opção da minha vida encontro-me a viver no Algarve e vejo com enorme desgosto que insistimos numa polílica de contrução desmesurada destinada a trazer o inglês de tatuagens e Tshirt sem alças que põe as patas na cadeira da frente quado se senta. Será impossivel nesse sector tão importante aumentar a produtividade porque cada vez mais as unidades irão vender-se a preços de saldo para ocupar as camas vazias. Claro que há excepções. Honrosas excepções. Mas a regra é investir nos carroceiros. Ignora-se ainda um aspecto. É que o bom não se gosta de misturar com os carroceiros. Enfim.

Por isso meu caro Álvaro, invejo o seu optimismo. E invejo ainda a sua condição de emigrante previligiado. Mas como você me inspira franca simpatia, deixe-me dar-lhe um conselho. Deixe-se ficar lá por fora e venha cá de vez em quando.