28 janeiro 2011

A CRISE DE 2008 E A DÍVIDA EXTERNA

É frequente ouvirmos os membros do governo afirmar que as dificuldades actuais foram causadas pela crise financeira internacional de 2008, a crise internacional mais grave dos últimos 80 anos. É óbvio que este argumento tem um fundo de verdade, como já aqui vimos variadíssimas vezes. No entanto, também é verdade que este argumento constitui só parte da história. A outra parte é que os desequilíbrios (internos e externos) da economia nacional já se vinham a fazer sentir há algum tempo. Mais concretamente, há pelo menos uma década.
O sintoma mais evidente destes crescentes desequilíbrios é-nos dado pela evolução da nossa dívida externa, que cresceu a ritmos pouco sustentáveis desde os meados dos anos 1990 e não somente a partir de 2008. Para percebermos porquê, vale a pena olharmos com um pouco de mais atenção para o rácio entre a dívida externa bruta e o PIB (recorde-se que os valores totais da dívida externa bruta já aqui foram analisados). Neste sentido, o gráfico 1 utiliza dados trimestrais para podermos observar a evolução deste rácio desde Janeiro de 1999 até o final de Setembro de 2010 (a que correspondem os dados mais recentes). É perfeitamente visível que a dívida externa bruta portuguesa em percentagem do PIB já tinha vindo a crescer desde os anos 1990, bem antes de 2008, portanto da crise internacional. 

Gráfico 1 _Rácio dívida externa bruta/PIB, 1999-Setembro 2010, por trimestre
Fonte: calculado dos dados do Banco de Portugal, Santos Pereira (2011)

No entanto, se persistirem ainda dúvidas, vale a pena calcular o aumento do rácio entre a dívida externa bruta e o PIB antes e depois da crise financeira internacional ter eclodido (isto é, entre 1999 e o terceiro trimestre de 2008, e entre o último trimestre de 2008 e 2010). É isso que é feito no gráfico 2, que mostra muito claramente que o grande crescimento do rácio dívida externa bruta-PIB antecedeu a crise de 2008 e não depois.

Gráfico 2 _ Dívida externa bruta-PIB antes e depois da crise de 2008

E mesmo se tomarmos em linha de conta a média de crescimento por trimestre da dívida externa bruta ponderada pelo PIB, chegamos também à mesma conclusão: a dívida externa bruta já estava em franca expansão bem antes de 2008. Aliás, o rácio da dívida externa bruta e o PIB até cresceu mais rapidamente antes de 2008 do que no período posterior. Mais concretamente, entre 1999 e o terceiro trimestre de 2008, o rácio entre a dívida externa bruta e o PIB cresceu à módica taxa de 2,9% por trimestre. Porém,  depois de 2008, este crescimento foi "somente" de 1,8% por trimeste. Ou seja, mais uma vez, não foi a crise internacional que deu azo aos nossos desequilíbrios externos. Estes estavam bem presentes e a crescer a um ritmo elevado bem antes de 2008. O que a crise fez foi agravar estes desequilíbrios e expor as nossas dificuldades perante os nossos parceiros europeus e os mercados internacionais.
Já agora, vale a pena olhar para um último gráfico, que nos dá uma média móvel (de 4 trimestres) do crescimento trimestral da dívida externa bruta/PIB desde 1999. Como podemos ver, o período quando a dívida externa bruta mais cresceu em relação ao PIB foi no final dos anos 1990 e nos primeiros anos do novo século, e não após 2008. Afirmar o contrário é simplesmente falso. A verdade é que os desequilíbrios externos da economia nacional não são recentes e não foram originados pela crise de 2008. Bem longe disso. E se é assim, por que é que os nossos governantes insistem em afirmar o contrário? Porque a verdade é que não houve nem vontade nem capacidade política para resolver este grave problema. Um problema que, mais  cedo ou mais tarde, terá de ser atacado, de uma maneira ou de outra.

Gráfico 3 _ Taxa de crescimento trimestral do rácio dívida externa bruta-PIB, 1999-2010



Fonte:SantosPereira(2011)

2 comentários:

Cidadão comum disse...

Duas perguntas que tenho para o sr. Doutor me responder:

Portugal teria melhor situação economica se não entra-se na zona euro?

Quais os planos melhores para o futuro a curto prazo. Sair do euro e assumir os custos acrescidos, ou não sair do euro e aceitar um um resgate ?

Anónimo disse...

Não sou doutor de economia, mas sobre a primeira pergunta, quer estivesse melhor ou pior, para a situação actual não serve de muito, o mal já está feito.