11 janeiro 2011

O CANTO DO CISNE

A estratégia de anunciar uma redução do défice orçamental acima do que era esperado é, à primeira vista, boa. Ainda por cima porque a margem de manobra orçamental (a rondar os 800 milhões de euros) é significativa. O problema é que não só este anúncio poderá vir já demasiado tarde, como também é provável que não seja suficiente para acalmar a tempestade financeira que nos tem vindo a assolar. Neste sentido, e apesar de certamente saudarem este esforço adicional, os mercados e os nossos parceiros europeus poderão ver este anúncio somente como uma tentativa desesperada de evitar a todo o custo o recurso ao Fundo de Estabilização Financeira e ao FMI. 
Mais: toda a gente sabe que esta margem de manobra orçamental acrescida foi conseguida à custa de um malabarismo contabilístico com os fundos de pensões da PT, que, por si só, permite uma folga orçamental em cerca de 1,6% do PIB. É ilegal utilizar este tipo de expedientes para combater os desequilíbrios orçamentais? Não, não é. Vários países europeus já o fizeram e nós também, inclusivamente em 2003 e 2004, quando os governos de então avançaram com este tipo de medidas temporárias. Porém, lá por não serem ilegais ou lá por já terem sido usadas anteriormente não quer dizer que estas práticas contabilísticas sejam uma boa ideia ou que sejam muito louváveis. Não são. Para além do mais, é importante não esquecer que o ambiente político e económico que se vivia em 2003 e 2004 é muito diferente do actual. Em 2003 e em 2004, toda a gente sabia que esses malabarismos contabilísticos eram pouco recomendáveis, mas ninguém se importava porque se pensava que, a curto prazo, as consequências políticas e económicas não eram consideráveis nem para os países que as utilizavam ou para a própria Zona Euro. Hoje em dia, em plena crise da dívida soberana europeia, recorrer a essas mesmas medidas temporárias não é tão aceitável ou recomendável. 
Para além do mais, decerto que os mercados e os nossos parceiros europeus não deixarão de reparar que a despesa acumulada do sector Estado continuou a aumentar em 2010. É verdade que o aumento da despesa acabou por ser menor do que foi temido em Setembro do ano passado. No entanto, também não deixa de ser verdade que as despesas públicas baixaram nos outros países europeus em dificuldades, mas subiram em Portugal. E como uma subida é uma subida é uma subida, não há muito por onde nos orgulharmos por este crescimento da despesa pública ter ficado aquém do que era esperado. (Há ainda o pormenor técnico da diferença entre a contabilidade nacional e a contabilidade pública, mas prefiro não me pronunciar sobre este assunto por enquanto, pois ainda não sabemos quanto é que será a diferença entre os dois tipos de contabilidade).
Em suma, se somarmos os prós e os contras, não é difícil concluir que a conferência de imprensa de hoje é um caso sério do síndroma "too little, too late". Não sou eu quem o diz. Quem o afirma é o editorial de hoje do Financial Times, que sumaria exemplarmente bem o que está em causa:
"Lisbon was slow to adjust. Political divisions cast doubt on its ability to control public finances. In 2010 the deficit was only shrunk by putting the telecoms pension fund on the public balance sheet. The government now seems committed to control the deficit in earnest, but possibly too late to regain market confidence. If a European rescue of Portugal is still avoidable, it is becoming less and less so.
By refusing to tap European funds until they had no choice, Athens and Dublin made the path to their rescues messier and more painful than necessary. Lisbon is repeating their mistake by seeing it as a national disgrace to ask for help. In truth, pre-emptively going to the EFSF would improve the chance of calming markets and leaving rescue funds untapped."

1 comentário:

António Parente disse...

Para mim, estas subidas das taxas de juro no mercado secundário são mais uma forma dos credores testarem e fixarem rendas altas do que propriamente uma preocupação genuína com o reembolso do capital investido.

Afirmo isto baseado no rácio entre procura e oferta nos leilões do mercado primário de dívida pública que foi superior a 2 no ano passado e no leilão deste ano atingiu 2.6. Se existissem dúvidas sobre a capacidade de reembolso da dívida seria natural que o leilão ficasse deserto ou o rácio fosse muito inferior a 1.

Esta situação sucede porque os credores sabem que os países que estão debaixo da pressão especulativa têm um credor de útimo recurso (FMI) e podem recorrer ao fundo de estabilização europeu e por isso podem "puxar" as taxas até ao máximo que os países considerem suportável. Por isso, não correm o risco de entrarem em situação de incumprimento na medida em que a partir de um certo patamar de renda, é economicamente mais vantajoso recorrer aos fundos do FMI, que lhes cede fundos para pagarem as dívidas do passado e financiarem o presente e o futuro.

Parece-me, por isso, que a actual estratégia da União Europeia está errada porque amanhã será Portugal, depois de amanhã começará a pressão sobre a Bélgica, depois vem a Itália, e quem sabe se os países da Europa Central e de Leste também não começam a ser pressionados.

Há alternativas? Claro que há, a nível europeu. Não existe é vontade política a nível europeu para as promover.

A nível nacional só existe uma saída: libertarmo-nos da dívida e/ou colocá-la em patamares aceitáveis que a livrem de movimentos especulativos. O problema é que temos uma sociedade que vive há centenas de anos dependente do Estado e que não se consegue libertar de um dia para o outro sem custos sociais insuportáveis.