Nos últimos tempos tem-se falado muito de exportações e da necessidade de apostar em bens e serviços transaccionáveis (isto é, bens e serviços que concorram nos mercados internacionais). A razão é simples: como Portugal tem um défice comercial crónico (ou seja, todos os anos exportamos menos do que aquilo que importamos), e como as transferências do exterior estão a diminuir (i.e., há menos remessas dos emigrantes do que nos anos 1980, as transferências da UE estão a decrescer, e há menos entrada de capitais estrangeiros no nosso país), o nosso défice externo acumulado agravou-se muito nos últimos 15 anos. Qual é o problema? O problema é que um défice externo elevado contribui decisivamente para o endividamento da economia nacional (isto é, para a nossa dívida ao exterior), um endividamento que é cada vez mais excessivo e cada vez menos sustentável.
Por isso, se conseguíssemos inverter ou, pelo menos, atenuar o défice comercial, poderíamos baixar o défice externo, bem como o endividamento externo. E é aqui que entra a nossa recente (e bem aconselhada) obsessão com as exportações ou os "transaccionáveis".
Mas, será que esta obsessão se justifica? Sim, pelo menos em parte. Porquê? Porque Portugal ainda exporta uma percentagem bastante modesta do seu PIB. Actualmente, o rácio das exportações no PIB nacional ronda os 30%, uma percentagem relativamente baixa para um país de dimensões reduzidas como o nosso (os países pequenos tendem a exportar e a importar mais). Uma percentagem que, ainda por cima, tem-se mantido relativamente estável nos últimos 30 anos, assim como podemos ver no gráfico abaixo.
Entre 2005 e 2008, ainda se registou uma melhoria deste indicador (visto que as exportações revelaram um bom dinamismo, enquanto o PIB estagnou), mas, em 2009, as exportações em percentagem do PIB voltaram a baixar, recuperando um pouco no ano seguinte.
Exportações portuguesas em percentagem do PIB, 1960-2010
Fonte: Banco Mundial, Santos Pereira (2011) "Como Retomar o Sucesso"
O comportamento menos bom das exportações (com a excepção dos últimos anos) é ainda mais aparente se compararmos a evolução das exportações nacionais com as da Zona Euro. Como podemos observar no próximo gráfico, até ao início da década de 1990, as exportações portuguesas em percentagem do PIB tinham valores muito semelhantes aos da Zona Euro. Porém, a partir dessa altura, as exportações em percentagem do PIB europeias aumentaram, enquanto as nossas praticamente estagnaram. Coincidência ou não (não é), foi mais ou menos nessa altura que nos apaixonámos com a construção de estradas e auto-esttradas, e com a chamada política do betão.
E mesmo quando as exportações nacionais registaram um crescimento acima do crescimento do PIB a partir de 2005, as exportações europeias em percentagem do PIB subiram ainda mais. Por outras palavras, apesar das recentes melhorias, é perfeitamente legítimo esperar e argumentar que as exportações nacionais deviam ter uma importância maior na economia nacional. Isto é, o rácio entre as exportações e o PIB devia ser bem maior do que o actual. Há, por isso, bastante margem de manobra para melhorar nesta área.
E mesmo quando as exportações nacionais registaram um crescimento acima do crescimento do PIB a partir de 2005, as exportações europeias em percentagem do PIB subiram ainda mais. Por outras palavras, apesar das recentes melhorias, é perfeitamente legítimo esperar e argumentar que as exportações nacionais deviam ter uma importância maior na economia nacional. Isto é, o rácio entre as exportações e o PIB devia ser bem maior do que o actual. Há, por isso, bastante margem de manobra para melhorar nesta área.
E este é exactamente um dos motivos que justifica a nossa recente obsessão com as exportações e com os (já) famosos "transaccionáveis". A verdade é que faz todo o sentido apostar nas exportações. Resta saber se a política económica vai mesmo apoiar de forma adequada os nossos exportadores, assim como outros sectores foram apoiados nas últimoas décadas. Esperemos que sim.
Exportações em percentagem do PIB, Portugal e Zona Euro, 1960-2010
Fonte: Banco Mundial, Santos Pereira (2011) "Como Retomar o Sucesso"
6 comentários:
Caro Dr. Álvaro Santos Pereira
Já disse que simpatizo com as suas análises, que me parecem pouco "partidárias", técnicas q.b. e sobretudo com preocupações sociais à frente das preocupações economicistas, sobretudo por vir de um Economista, que não são de todo os profissionais que mais admiro, simplesmente por constatar que na hora das soluções para os problemas para que deveriam estar preparados, não os apresentarem, ou palpitarem demais.
Pondo de parte a nova designação de "bens transaccionáveis" e "Não transaccionais", que querem dizem produtos para exportação e para consumo interno, neste aperto e nesta discrepância entre os dois, não seria mais lógico impedir a importação de muuuuuitos produtos, básicos e outros tantos dispensáveis (de luxo), a+esar de saber que se não vendermos também não nos compram?
Apesar de há tempos ter dito que a Economia não é o mesmo que a economia doméstica, eu entendo que fico mais rico se trabalhar para terceiros e recebendo por isso, do que trabalhar e gastar para os da casa, em que o prejuízo é duplo.
E porque não se sabe de quem vem a "culpa", embora digam que é de todos nós (pura demagogia, porque não tivemos decisão e fomos manipulados para o consumismo), não era elucidativo fazer corresponder a cada um dos gráficos os Governos respectivos?
Vou tentar fazer, para ver se isto tem a ver com Partidos e Pessoas, ou se é apenas fruto do Poderio que nos governa, por interpostos Governos.
Apoios aos exportadores? Acho que sim, mas... com repartição dos "lucros", que é o mesmo que dizer, sem medidas de austeridade e pelo menos com a amenização continuada das mesmas.
"E porque não se sabe de quem vem a "culpa", embora digam que é de todos nós (pura demagogia, porque não tivemos decisão e fomos manipulados para o consumismo)"
Esta frase assusta-me. Dizer que as pessoas que se endividaram não têm (nenhuma) culpa disso, é estar a privá-las da sua responsabilidade individual, que é uma das bases da democracia.
Não têm a culpa toda, de longe, mas também têm a sua quota parte de responsabilidade.
terebi
Estava a falar por mim, que não pedi, nem devo nada a ninguém e como eu, milhões de portugueses, que estão a pagar a factura.
Deve ter ouvido muitas vezes, desde o PR ao PM atirar a culpa para os portugueses... E Eles e a Banca, estavam a fazer o quê? Até a minha mãe, com 84 anos, quando um candidato dizia na campanha: Acredito em Portugal, dizia ela: Os portugueses é que têm que acreditar nele!
Entendeu?
A ver pelas taxas de endividamento dos portugueses, do crédito mal-parado e da baixa poupança interna, é uma infelicidade que mais portugueses não tenham seguido o seu exemplo.
terbo
Pena é que o Governo tenha permitido as campanhas da Banca para incentivar o consumismo, através de um marketing desinformativo e "tentador" pela facilidade.
Pena é que a Banca tenha usado estes meios para criarem o tal crédito mal-parado, que sabiam que ia aumentar, porque foi sempre em crescendo.
Pena foi haver uma baixa poupança interna, por impossibilidade, já que os salários dos portugueses não são tão altos como se martela (mais marketing)e daí as campanhas da Banca para complementar os salários para gastos inúteis.
Pena foi saber-se a nível mundial que isto ia acontecer, ter acontecido e nada se fazer para prevenir a sua repetição:
http://www.agenciafinanceira.iol.pt/economia/portugal-agencia-financeira-crise-defice-eua-recessao/1229036-1730.html
pena é haver quem queira lavar esta política neoliberal e canibalista...
E a tudo o que disse, junte as pessoas que se endividaram sem poderem e desnecessariamente.
Os "grandes" fizeram muitas coisas mal, mas os "pequenos" não estão completamente inocentes também, e foi esta a ideia que me fez falar. Esquecer isso é meio caminho para algo assim acontecer de novo.
Temos muito pouco poder para mudar o comportamento dos bancos, mas cada um ainda tem algum poder sobre o seu próprio comportamento.
O problema de ignorar a alguma responsabilidade que temos é que acabamos por vitimizar-nos e de ficar à espera que alguém cuide de nós.
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