O meu artigo no Público de hoje:
"Apesar de o debate sobre o TGV se ter intensificado, infelizmente, ainda não houve uma discussão generalizada sobre este projecto de enorme importância para o país. Deste modo, a desinformação do público em geral sobre os impactos do TGV tem sido aproveitada pelo governo para insistir na sua teimosia quimérica em deixar como legado uma obra de regime. Por isso, vale a pena perguntar novamente: será que devemos levar o projecto para a frente?
Para termos uma resposta, relembremos alguns factos sobre o TGV. O que é que está em causa? Quais são os custos do projecto? Segundo as estimativas mais recentes, só nos troços Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto vamos gastar 7,7 mil milhões de euros, dos quais cerca de 20% provirão de fundos europeus. Ou seja, vamos gastar na Alta Velocidade um montante maior do que todo o volume de negócios do grupo PT, da EDP ou do grupo Sonae.
Será que vale a pena? Será que os proveitos vão ser maiores do que os custos? Infelizmente não. Se lermos atentamente aos estudos custos-benefícios do TGV facilmente concluímos que os proveitos do projecto só serão superiores aos custos se assumirmos a existência de impactos externos ou abrangentes extremamente dúbios ou subjectivos, tais como a diminuição do ruído. Se não levarmos em conta estes impactos externos, nenhum dos estudos do TGV apresenta benefícios superiores aos custos. Isto, obviamente, na melhor das hipóteses, pois se os custos do TGV derraparem, como quase sempre acontece em projectos desta envergadura, as contas finais serão ainda mais desastrosas.
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Ainda assim, há quem defenda que o TGV é um factor complementar à competitividade do país. Será que sim? Talvez seja, apesar de que, sinceramente, não conheço nenhum estudo que o demonstre. Porém, mesmo que o seja, no momento actual esta complementaridade é simplesmente ilusória ou inexistente. Porquê? Porque como a crise financeira internacional diminuiu a oferta de fundos à nossa disposição, ao investirmos no TGV estamos a retirar fundo de maneio para melhorarmos a nossa competitividade fiscal e/ou para ajudarmos realmente as empresas que inovam. Isto é, para além de prometer ser um fiasco financeiro colossal, o TGV tem um enorme custo de oportunidade no desenvolvimento nacional.
Para além do mais, a construção do TGV só irá aumentar ainda mais o sobreendividamento nacional, que já atingiu níveis históricos, e fará crescer a dívida pública. Deste modo, no futuro, iremos pagar mais impostos para liquidar as prestações com o TGV. No fundo, ao apostar no TGV, estamos a proceder como as famílias sobreendividadas que hipotecam a casa familiar na compra de um Jaguar com um dispendioso empréstimo bancário adicional. Ou seja, é um perfeito disparate.
A verdade é que nesta altura de dificuldades, apostar num projecto como o TGV é de uma irresponsabilidade inqualificável. Vamos hipotecar o desenvolvimento do país, vamos endividarmo-nos ainda mais e, ainda por cima, não vamos beneficiar a generalidade da indústria portuguesa, com a excepção do sector da construção.
Por todos estes motivos, é fundamental que a verdade sobre o TGV seja dita aos portugueses. É vital levar a cabo uma reflexão abrangente antes que seja tarde demais. Neste sentido, é completamente inaceitável que o governo insista em continuar a avançar com o projecto antes de terminar o seu mandato. A atitude mais sensata e democrática seria aproveitar os próximos meses para debater o TGV, utilizando os próximos actos eleitorais para referendar este projecto faraónico junto dos eleitores. Ao negar-se submeter o TGV ao referendo popular, o governo presta um péssimo serviço ao país e mancha irremediavelmente o seu legado político e económico."
5 comentários:
Como proceder face à anunciada saturação da Linha do Norte, assim como à proximidade perigosa em alguns troços do mar?
Não defendo a necessidade de um TGV, no entanto não deveriamos ter uma linha de bitola ibérica onde pudessem andar comboios vindos da Europa e talvez desviar algum tráfego dos Alfas (que se não estou em erro podem ser adaptados) para a mesma?
Como já anteriormente disse, não seria a primeira vez que o Intercidades onde vou pára numa estação não programada para deixar passar o Alfa. Por outro lado o Alfa não deve estar a aproveitar a o máximo a sua velocidade devido à natureza da Linha do Norte (estado da linha, limitações devido às zonas onde passa, etc).
Tanta estrada que se constrói, não deveríamos começar a apostar, como muitos outros paíse já o fizeram ha décadas, numa melhor rede ferroviária para o país (e não só no litoral mas especialmente no interior também - um eixo paralelo a Linha do Norte?)?
Concordo perfeitamente com a visão traçada no artigo.
Não é possível avançar com obras de grande custo e dimensão numa altura em que os custos sociais são enormes e não temos uma previsão exacta até onde podem chegar.
O governo no capitulo das obras publicas comporta-se como um menino pobre e mimado, pretende ter um Jaguar (TGV, Aeroporto, AE) para ser socialmente bem visto pelos amigos (países UE) mas como o ordenado que tem é pequeno (Orçamento), pede emprestado ao banco (Endividamento Externo), ficando com uma divida insustentável.
Aproveito para deixar uma sugestão em futuros artigos sobre as obras publicas, que não foram aqui explorados.
O governo alega que os custos serão suportado por privados e não pelo estado. Não será um mito?
Seria útil o prof. Álvaro desmistificar este conceito muito utilizado pela nossa classe politica.
Fica a sugestão.
Só não acho normal termos uma linha férrea entre Lisboa e Madrid que actualmente se cinge a um comboio por dia que demora quase 10 horas.
Não podemos ter uma ligação Lisboa-Madrid mais em conta que o TGV, mas mais rápida tb? O Alfa-Pendular, por exemplo, até Badajoz faria o percurso em hora e pouco, e depois transferia-se o tráfego para o TGV Badajoz-Madrid.
O TGV é talvez faraónico, mas a ligação actual é pré-histórica.
A virtude não estará no meio-termo?
Caro Alvaro,
felicito-o pelos seus bons artigos e pelo seu livro, que espero adquirir.
Incentivo-o a continuar a batalhar neste assunto do TGV, bem como, de outras obras ditas "estruturantes", que nos podem onerar a todos, e pricipalmente aos nossos filhos, de custos brutais.
Gostaria também que nos seus meetings e conferências desse destaque, como já falou, no aumento e melhoramento da escolaridade, para sermos mais competitivos no futuro, porque o que estamos a criar hoje nas escolas, e isto começou no ultimo ano do Cavaco Silva, são estatisticas para o mundo ver.
A minha mulher é professora de Inglês e dá aulas aos miudos dos 6-11 anos e é de bradar a diminuição a olhos vistos da qualidade do ensino, nomeadamente do publico, que é aquilo que melhor posso falar. Hoje em dia ao permitir-se passar sem chumbar até ao 9 ano e no futuro até ao 12 ano vai nivelar por baixo a qualidade do ensino. Mais, será possivel ir para a faculdade sem ter sido obrigado a grande coisa, já que se passa facilmente até ao 12 ano e depois esperar, pelas Novas Opurtunidades para entrar para a faculdade sem grande esforço. Ou seja, a cultura do trabalho, mérito, esforço e sobretudo o saber, para sermos mais competitivos neste mundo globalizado, pode mais tarde levar a que estas gerações sofram, e com isto todos nós. Faz-me lembrar alguém que dizia na luta estundatil de 62 " que estes jovens vão ser os ministros de amanha". Eu temo que esta geração não esteja preparada para os embates da vida, já que tudo hoje lhes é facilitado, a educação tem que ser leve e porreira para não stressarem ( stress com 7-10 anos de idade para mim é aterrador pensar nisto), o esforço e trabalho não lhes é transmitido. É por isso que nas turmas por onde a minha mulher têm passado os melhores alunos são os de Leste, e mesmo à disciplina de Português!!
Por isso peço-lhe que sempre que intervenha e comente estes assuntos enfoque a questão do aumento da literacia e escolaridade para melhorarmos os nossos indices, mas que isso não seja feito através de uma massificação do ensino, mas que a escola, vulgo Ministério da Educação e Ensino Superior, seja mais exigente para os seus alunos, e já agora, nós pais também.
Com os melhores cumprimentos,
Paulo Maio
É, realmente, uma obsessão esta ideia do TGV, se a relação custo beneficio não é benéfica, é de abandonar. Se analisarmos as ultimas grandes obras feitas em Portugal verificamos que o beneficio é um pouco duvidoso, veja-se por exemplo o Centro Cultural de Belém, os Estádios de Futebol, a Expo, o Porto de Sines, a Casa da Musica, etc. Alguns destes investimentos até poderiam ser de grande importância para o país, como o caso do Porto de Sines, a sua rentabilidade é a que todos sabemos. Com o TGV e um bom aeroporto Portugal fica como aquelas casas muito bonitas para quem as vê por fora, mas quem lá vive dentro anda sempre a tapar buracos.
Quanto aos referendos, não sou a favor dos mesmos, faz-me lembrar Pilatos quando lavou as mãos, também o governo lava as suas mãos ao fazer um referendo, desculpando-se que foi decisão manifestada por referendo. Sabemos que a maior parte das pessoas quando vão manifestar a sua opinião através de referendo vão mal informadas, os debates e esclarecimentos são escassos, veja-se a quando do referendo sobre a regionalização, havia falta de informação, não havia, de uma maneira geral, a noção das consequências, fossem elas qual fossem, se o mesmo fosse aprovado. Não se pode fazer um referendo sem que primeiro se tenha feito tudo para que os eleitores estejam bem informados sobre o mesmo, caso contrário estamos a fazer como Pilatos.
António Carlos Pereira
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