Um artigo do New York Times analisa a questão da dívida soberana europeia e dá grande destaque ao caso português. O artigo realça ainda não só o falhanço da Europa em lidar com o assunto, mas também salienta o perigo de impor uma política de austeridade permanente aos países endividados. Por que é que tal acontece? Porque a Europa está fazer o que pode para evitar (por enquanto) uma reestruturação da dívida dos países endividados, visto que essa reestruturação poderia dar azo a crises bancárias nos países credores. Por outras palavras, a reestruturação das dívidas de países como a Grécia, a Irlanda e Portugal, originaria graves problemas aos bancos dos países credores (alemães, franceses, etc.), o que, num cenário extrema, faria com que os governos (e os contribuintes) desses países fossem forçados a resgatá-los. E é isso que os países do centro da Europa têm tentado evitar a todo o custo.
Por outras palavras, a estratégia da Europa em toda a crise da dívida soberana tem sido extremamente assimétrica: culpabilizam-se e punem-se os países que se "portaram mal" ou que tiveram governos irresponsáveis (como é o nosso caso e o caso da Grécia), bem como os países que sofreram crises bancárias terríveis devido ao rebentar de bolhas imobiliárias, mas nada se faz para responsabilizar os bancos que andaram a promover o crédito fácil e que não verificaram adequadamente se todo esse endividamento era sustentável.
E se faz todo o sentido que os países que se portaram mal tenham agora de sofrer as consequências das políticas erradas que foram seguidas nos últimos anos, não seria igualmente de bom senso fazer com que os bancos dos países do centro da Europa (que contribuiram para a desmesurada expansão de crédito) também partilhassem os custos do ajustamento que é necessário fazer? Por que é que só há austeridade para os países endividados, mas nenhuns ou poucos custos para os bancos que fomentaram esse mesmo endividamento excessivo?
Neste sentido, seria bom que os negociadores do resgate português tivessem esses factos em linha de conta quando, nos próximos dias, discutirem com o FMI e com os representantes europeus as medidas de austeridade a impor ao nosso país. Portugal não pode e não deve aceitar condições demasiado desastrosas, e que poderão ter consequências excessivamente nefastas para o presente e para as gerações futuras. É verdade que vamos para estas negociações numa posição muito vulnerável. No entanto, isso não quer dizer que não tenhamos importantes trunfos que poderão ser usados para que consigamos obter condições menos desfavoráveis. Esperemos bem que saibamos utilizar esses mesmo trunfos de forma adequada e proporcionada.
Já agora, para quem estiver interessado(a), aqui está um excerto do artigo do NYT mencionado acima:
"So far the markets have taken Europe’s third successive sovereign financial crisis in stride. But many economists are a good deal more alarmed, most notably because the bailout formula European leaders keep applying to their most indebted member nations shows no signs of working.
Greece, Ireland and now almost certainly Portugal have access to hundreds of billions of dollars in emergency European aid to help them avoid defaulting on their debt. But the aid is really just more loans, and the interest rates the countries are paying, if a little lower than what the private market would charge, are still crushingly high. Their pile of debt gets bigger with every passing day.
Moreover, the price of these loans has been a commitment to slash government spending far more drastically than domestic leaders would have the desire or the political power to accomplish on their own. And for countries that depend a good deal on government spending to generate growth, rapid decreases in spending have meant sustained economic stagnation or outright recession, making every dollar of debt that much harder to pay back.
Economists call this “the debt trap.” Escape from the trap generally requires devaluation of the currency, which cannot happen among countries that use the euro as their common currency, or strong economic growth, which none of the three have, or some kind of bankruptcy process, which all three forswear. Add to that the likelihood that all three countries will continue to have unstable governments until they figure a way out, and Europe’s financial crisis has no end in sight...
The crisis in Portugal also raises new questions about whether the European Union will come to grips with the other side of its crisis: the banks. Banks in well-off countries like Germany, France and the Netherlands, as well as Britain, hold a lot of Greek, Portuguese and Irish debt. And if these countries cannot pay their debts, they would have to reschedule them, reduce them or default, causing a major banking crisis in the rest of Europe. That reckoning would require governments to ask their taxpayers to recapitalize the banks, which is exactly what political leaders are afraid to do."
5 comentários:
Há uma coisa de que discordo na sua análise: a crise bancária dos bancos do centro da Europa conduziria aum crise bancária em todos os países. Existe um estudo que demonstra que a banca espanhola e grega seria amais afectada pela crise. A banca portuguesa está bastante exposta à dívida soberana portuguesa. E já agora o que dizer da circunstância de a banca espanhola ter um montante de crédito a Portugal que é igual à soma dos montes de crédito da banca francesa e alemâ? Dá que pensar. Chamar à Espanha França e Alemanha. Essa ideia é parcialmente desresponsabilizadora, pois a abnca de todos os países está envolvida. Parece-me evidente que os credores só o podem fazer quando tiverem condições. De outra forma estão a ser irresponsáveis.
Jorge Rocha
Senhor Professor;
Nós já encontrámos isto na nossa História. Foi no século XIX, quando o excedente de capital gerado nos países recém-industrializados começou a ser aplicado nas obras públicas dos países do Sul, no nosso caso na construção de linhas férreas, com os resultados que se conhecem.
A questão consiste em saber como conter a voracidade de um país pobre, como justificar barreiras e impedimentos perante «fundos estruturais» e a «fraca execução» de fundos disponíveis.
E essa parece-me ser uma questão política de difícil resolução.
Obrigado
Nuno Matos
Outra questão que me ocorre, prende-se com aquilo que me parece ser o aparente esgotamento do sistema capitalista na sua versão actual. Esta afirmação não comporta demasiados preconceitos ideológicos, ou, pelo menos, assim o entendo, e traduz-se nisto: ao longo dos séculos XIX e XX, sempre a economia soube conceber alternativas facilmente utilizáveis pelas populações (o comboio após os têxteis, o petróleo após o carvão ...). Ora, parece-me que, desde a introdução em massa das comunicações móveis, a tecnologia não voltou a criar aplicações facilmente adoptáveis para os capitais existentes.
Essa não me parece ser razão de somenos para a contínua e consistente caminhada dos capitais no sentido da especulação. Essa me parece ser, igualmente, a razão para o surgimento de algo a que eu chamaria «neomercantilismo» e que consiste no recurso a uma legitimação técnica, misturada com paternalismo político que, ideologicamente associada a um bem futuro, sustenta a decisão económica, centrada no Estado. Mais característica dos países do sul e que tem nos temas «renováveis» e «tgv» dois bons exemplos, esta forma reveste-se de uma certa dose de crença, pois que assenta em projeções futuras de um mundo construído, em largo e nunca definido prazo, à imagem do presente.
Nuno Matos
Álvaro Santos Pereira
O realismo também tem graus e mesmo degraus.
2013/2014 não são datas metafísicas determinadas pela astrologia azteca (ou neste caso, germânica). Tratam-se de datas em que se supõe que os bancos credores estraão suficientemente capitalizados para "encarar" a reestruturação.
Este é o primeiro grau ou degrau.
Os credores nacionais gozam sempre das seguintes vantagens implícitas: cultura comum, escolas comuns, hábitos comuns, contrõle e leverage mais eficazes do que os estrangeiros.
Nesse sentido e como segundo degrau do realismo, porque não assumir como estratégia a médio prazo tornarmo-nos alemãezinhos do sul? Assim uma espécie de finlandeses sem sauna mas com peixe fresco e vinho às refições em vez de leite?
Acho que três anos, desde que com empenho, chegam para se conseguir mudar a atitude; 15% das nossas exportações e 5% do nosso PIB não são já alemães?
Mas o que proponho é wishfull thinking: como vamos explicar a gente "semi" formatada no capitalismo anglo saxónico as nuances e subtilezas do modelo renano?
Cumprimentos
João
Também defendo que os bancos são uns dos grandes responsáveis pela situação. Actualmente já estão mais criteriosos na concessão de crédito.
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