A propósito de alguns comentários do post sobre o acordo ortográfico, vale a pena fazer as seguintes considerações. No fundo, o que está em causa na questão do acordo ortográfico é escolher entre uma solução de mercado e uma estratégia centralizadora. A nível económico, os mercados decidem os preços e as quantidades de produtos a produzir, enquanto que nas sociedades sem mercados (mais centralistas), é o Estado que decide o preço e as quantidades a produzir.
A nível da questão da lusofonia, o mercado é o que temos actualmente: cada povo lusófono decide o rumo a tomar em relação à grafia e gramática da sua língua. A quantidade de variações gramaticais é decidida pelo mercado (isto é, pelas preferências de cada povo). Por outro lado, o acordo ortográfico é um exemplo de uma estratégia centralista. Neste caso, os vários países lusófonos reuniram-se e decidiram esquecer os preceitos do mercado, preferindo uniformizar os preços e as quantidades de variedades gramaticais.
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Quem está certo, o mercado ou a estratégia centralizadora? A resposta certa é: depende das circunstâncias. Habitualmente, os(as) economistas preferem os mercados, pois alcançam-se resultados de maior eficiência e menores preços. Neste sentido, seria tentador descartar o acordo ortográfico e deixar o mercado determinar a grafia e gramática de cada país lusófono.
No entanto, há uma complicação. Os mercados funcionam bem se não houverem falhas de mercado. Isto é, há circunstâncias em que os mercados não são suficientes para garantir a eficiência económica e/ou a provisão de bens. Este é caso dos chamados bens públicos, nos quais os benefícios sociais se sobrepõem aos privados. Exemplos? A defesa nacional, entre outros. A defesa de um país é um bem público porque não só o meu consumo desse bem não preclui a(o) leitor(a) de o consumir também, mas também porque o meu consumo da defesa nacional não exclui o(a) leitor(a) de o fazer também.
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Deste modo, se considerarmos a lusofonia como um bem comum, ou um bem público da comunidade lusófona, podemos argumentar que actualmente há várias falhas de mercado na língua portuguesa. Nomeadamente, há ineficiência em relação à proliferação de diferentes grafismos e escritas nos diferentes países. Qual é a melhor forma de eliminar essa ineficiência? Deixar o mercado de lado e centralizar/uniformizar a escrita. Isto é, implementar um acordo ortográfico que satisfaça os diferentes interessados pelo consumo desse bem público comum que é a lusofonia.
Ora, o que temos de decidir de uma vez por todas é se acreditamos mais no mercado ou nas falhas deste. No entanto, mesmo se decidirmos optar pela opção centralizadora (isto é, pelo acordo ortográfico), devemos estar cientes que o mercado continuará a existir. Ou seja, mesmo que o acordo ortográfico seja finalmente ratificado, é muito natural que, aos poucos e poucos, surjam nos vários países diferentes preços e quantidades distintas do grafismo e da gramática da lusofonia. Centralizar o mercado linguístico da lusofonia pode ser uma opção de curto prazo, mas é provável que as forças de mercado acabarão por vencer a longo prazo.
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