DM – É um dos conferencistas das XX Jornadas Teológicas de Braga, subordinadas ao tema “O big bang de Deus: Criacionismo e evolucionismo”. Em sua opinião, qual é a importância do debate no contexto actual?
O debate é fundamental, tanto a nível religioso como para a sociedade civil. O crescimento do movimento criacionista é extremamente preocupante. O criacionismo é, por natureza, fundamentalista, pois só admite uma verdade absoluta e incontornável. O diálogo e a crítica informada são as melhores formas de combater este fundamentalismo.
DM – A par da sua actividade como docente de economia na Universidade de York e em Vancouver, escreveu já vários livros. Como surgiu esse gosto pela literatura?
A literatura está-me na alma, no sangue. Não sei viver sem literatura, sem ler ou sem escrever. Poucas coisas me fazem tão feliz como escrever. Quando acabo um romance é quase como ter um filho. É uma das melhores sensações do mundo.
DM – Um dos seus livros que mais celeuma deu foi “Diário de um Deus criacionista”, que nos irá apresentar. Em breves palavras, qual é a intenção do livro? Defende evolução e criação, ou exclusivamente uma?
Em parte, o livro é uma sátira ao criacionismo. Mas é muito mais que isso. O livro é uma reflexão sobre as consequências do tempo. Por exemplo, se a eternidade é infinita (com triliões e triliões de anos) e Deus é eterno, então porque é que o universo existe há somente 14 biliões de anos? Porque é que Deus levou tanto tempo a criar um universo? Ou, por outro lado, o que é que acontecerá à nossa relação com Deus daqui a mil anos, um milhão de anos, mil milhões de anos?
Por outro lado, o livro tenta abordar algumas das questões que os teólogos e cientistas muitas vezes se defrontam. Por exemplo, se Deus é omnipresente e omnisciente, se Deus conhece todo o passado e todo o futuro, então como é que permitiu a criação do Diabo, o Mal? Porque é que Deus não acaba com o Diabo? A minha resposta é que Deus o fez por escolha própria. Antes de criar o universo, Deus esteve só, demasiado só, durante demasiado tempo. Assim, quando cria o universo prefere introduzir um elemento de incerteza, de dúvida. No livro, Deus afirma que não valia a pena criar um universo em que não existissem surpresas. Se fosse assim, mais valia sonhá-lo do que criá-lo. Por isso, as surpresas acontecem. E quando as surpresas acontecem podem aparecer entidades que se rebelam contra Deus, tais como Satanás.
Em relação ao criacionismo e o evolucionismo, eu não defendo nada que, por exemplo, o Papa não advogue. A igreja católica e o Papa gostam da ideia do Big Bang, porque dá azo à criação do universo por parte de uma inteligência superior chamada Deus. Deus cria as condições da vida e a vida evolui. O livro parte da mesma hipótese, em que Deus cria o universo, mas deixa-o evoluir, excepto nalgumas circunstâncias especiais em que é forçado a intervir.
DM – O tema do evolucionismo e do criacionismo tem estado muito em debate nos EUA, sobretudo no que diz respeito ao ensino de uma ou de outra. Afinal, o que é que está em jogo? Concorda que ambas devam fazer parte do currículo escolar, ou apenas se deve dar primazia ao estudo da evolução?
O que está em jogo é a visão moderna do mundo, é saber se defendemos o fundamentalismo ou o diálogo. O criacionismo é, por natureza, fundamentalista, não-dialogante. No criacionismo só há uma verdade, a da leitura literal da Bíblia. Ora, como um grande número de teólogos também defende, a Bíblia foi escrita num determinado contexto histórico, e, por isso, contém uma linguagem e alegorias apropriadas para a época em que foi redigida. Quando se diz que Deus criou a mulher a partir de uma costela do homem, o que está em causa é uma metáfora ou uma alegoria. Ora, os criacionistas lêem esta e todas as outras passagens da Bíblia como sendo literais. E aí é que está o perigo. Aí é que está o fundamentalismo.
Neste sentido, sou completamente contra a introdução do criacionismo no currículo escolar. É uma perversão completa da realidade histórica e científica actual. Se queremos mesmo ensinar o criacionismo, tal não deve ser feito nas escolas públicas, mas sim nas instituições religiosas apropriadas.
DM – Acredita que o pensamento religioso e a razão científica podem estabelecer pontes de diálogo neste tema em debate e noutros? Quais os contributos de ambas para o ser humano?
Completamente. Aliás, foi por isso mesmo que quando lancei o meu livro, fiz questão de convidar um padre e um cientista, para que pudéssemos todos dialogar sobre questões que interessam a todos. As pontes de diálogo podem e devem ser estabelecidas entre a religião e a ciência, pois é através do diálogo que se diminui a intolerância e a incompreensão de parte a parte. Se não houver diálogo só resta uma alternativa, o fundamentalismo. E todos sabemos bem onde o fundamentalismo costuma levar...
DM – “O olhar da literatura sobre a criação e evolução” é o tema que o traz a estas XX Jornadas Teológicas. O assunto tem sido devidamente tratado pelas diversas áreas da literatura (romance, ciência, filosofia, teologia…), dada a proliferação de livros sobre esta temática?
Já se falou e escreveu muito sobre o assunto, mas podemos ter a certeza que continuaremos a debater apaixonadamente estas questões nos próximos anos e nas próximas décadas. Ainda há muito para falar, analisar e discutir. A única certeza que podemos ter é que, neste assunto, nunca haverá uma palavra final.
O debate é fundamental, tanto a nível religioso como para a sociedade civil. O crescimento do movimento criacionista é extremamente preocupante. O criacionismo é, por natureza, fundamentalista, pois só admite uma verdade absoluta e incontornável. O diálogo e a crítica informada são as melhores formas de combater este fundamentalismo.
DM – A par da sua actividade como docente de economia na Universidade de York e em Vancouver, escreveu já vários livros. Como surgiu esse gosto pela literatura?
A literatura está-me na alma, no sangue. Não sei viver sem literatura, sem ler ou sem escrever. Poucas coisas me fazem tão feliz como escrever. Quando acabo um romance é quase como ter um filho. É uma das melhores sensações do mundo.
DM – Um dos seus livros que mais celeuma deu foi “Diário de um Deus criacionista”, que nos irá apresentar. Em breves palavras, qual é a intenção do livro? Defende evolução e criação, ou exclusivamente uma?
Em parte, o livro é uma sátira ao criacionismo. Mas é muito mais que isso. O livro é uma reflexão sobre as consequências do tempo. Por exemplo, se a eternidade é infinita (com triliões e triliões de anos) e Deus é eterno, então porque é que o universo existe há somente 14 biliões de anos? Porque é que Deus levou tanto tempo a criar um universo? Ou, por outro lado, o que é que acontecerá à nossa relação com Deus daqui a mil anos, um milhão de anos, mil milhões de anos?
Por outro lado, o livro tenta abordar algumas das questões que os teólogos e cientistas muitas vezes se defrontam. Por exemplo, se Deus é omnipresente e omnisciente, se Deus conhece todo o passado e todo o futuro, então como é que permitiu a criação do Diabo, o Mal? Porque é que Deus não acaba com o Diabo? A minha resposta é que Deus o fez por escolha própria. Antes de criar o universo, Deus esteve só, demasiado só, durante demasiado tempo. Assim, quando cria o universo prefere introduzir um elemento de incerteza, de dúvida. No livro, Deus afirma que não valia a pena criar um universo em que não existissem surpresas. Se fosse assim, mais valia sonhá-lo do que criá-lo. Por isso, as surpresas acontecem. E quando as surpresas acontecem podem aparecer entidades que se rebelam contra Deus, tais como Satanás.
Em relação ao criacionismo e o evolucionismo, eu não defendo nada que, por exemplo, o Papa não advogue. A igreja católica e o Papa gostam da ideia do Big Bang, porque dá azo à criação do universo por parte de uma inteligência superior chamada Deus. Deus cria as condições da vida e a vida evolui. O livro parte da mesma hipótese, em que Deus cria o universo, mas deixa-o evoluir, excepto nalgumas circunstâncias especiais em que é forçado a intervir.
DM – O tema do evolucionismo e do criacionismo tem estado muito em debate nos EUA, sobretudo no que diz respeito ao ensino de uma ou de outra. Afinal, o que é que está em jogo? Concorda que ambas devam fazer parte do currículo escolar, ou apenas se deve dar primazia ao estudo da evolução?
O que está em jogo é a visão moderna do mundo, é saber se defendemos o fundamentalismo ou o diálogo. O criacionismo é, por natureza, fundamentalista, não-dialogante. No criacionismo só há uma verdade, a da leitura literal da Bíblia. Ora, como um grande número de teólogos também defende, a Bíblia foi escrita num determinado contexto histórico, e, por isso, contém uma linguagem e alegorias apropriadas para a época em que foi redigida. Quando se diz que Deus criou a mulher a partir de uma costela do homem, o que está em causa é uma metáfora ou uma alegoria. Ora, os criacionistas lêem esta e todas as outras passagens da Bíblia como sendo literais. E aí é que está o perigo. Aí é que está o fundamentalismo.
Neste sentido, sou completamente contra a introdução do criacionismo no currículo escolar. É uma perversão completa da realidade histórica e científica actual. Se queremos mesmo ensinar o criacionismo, tal não deve ser feito nas escolas públicas, mas sim nas instituições religiosas apropriadas.
DM – Acredita que o pensamento religioso e a razão científica podem estabelecer pontes de diálogo neste tema em debate e noutros? Quais os contributos de ambas para o ser humano?
Completamente. Aliás, foi por isso mesmo que quando lancei o meu livro, fiz questão de convidar um padre e um cientista, para que pudéssemos todos dialogar sobre questões que interessam a todos. As pontes de diálogo podem e devem ser estabelecidas entre a religião e a ciência, pois é através do diálogo que se diminui a intolerância e a incompreensão de parte a parte. Se não houver diálogo só resta uma alternativa, o fundamentalismo. E todos sabemos bem onde o fundamentalismo costuma levar...
DM – “O olhar da literatura sobre a criação e evolução” é o tema que o traz a estas XX Jornadas Teológicas. O assunto tem sido devidamente tratado pelas diversas áreas da literatura (romance, ciência, filosofia, teologia…), dada a proliferação de livros sobre esta temática?
Já se falou e escreveu muito sobre o assunto, mas podemos ter a certeza que continuaremos a debater apaixonadamente estas questões nos próximos anos e nas próximas décadas. Ainda há muito para falar, analisar e discutir. A única certeza que podemos ter é que, neste assunto, nunca haverá uma palavra final.
3 comentários:
Olá
Sou um antiga colega de escola em Coimbra. Foi com muita alegria que te ouvi no programa Prova Oral da antena 3. margarida_pedroso@kanguru.pt
Não tive o prazer de ouvir o Prova Oral. Mas seria muito interessante se o meu amigo colocasse a entrevista aqui no Desmitos. Relativamente a Ciência e Religião, penso que são irremediavelmente inconsiliáveis. Está na natureza de ambas. A Ciência é antidogmática por natureza, logo está sempre disponível para questionar as "verdades" da religião. Em meu entender não há sequer espaço para o diálogo entre ambas. Nem ele é preciso. O que realmente é necessário é que os religiosos fundamentalistas estejam sempre longe, muito longe, do poder. Isso é o mais importante. É só mesmo o que interessa. Relativamente à existência de tudo... a Ciência vai desbravando caminhos. A Cosmologia avançou imenso durante o século XX. O espaço para a intervençao de Deus no Universo resume-se agora ao da criação do Universo no Big Bang. Se não se tratar mesmo de um "grande boom", como lhe chamou Fred Hoyle, claro. Há já demasiadas provas que apontam no sentido da sua existência... mas quem nos diz a nós que elas não são meras coincidências? Foi sempre a Ciência que tentou dar respostas às dúvidas do Homem. E tem-nas dado. Ao contrário da religião que, quando as teorias científicas "aparentemente" não lhe são de feição, não se coíbe em mandar incenerar os "hereges", como o fez com o Grande Giordano Bruno. Agora a teoria do Big Bang dá-lhe muito jeito porque, dado que a Ciência ainda não conseguiu explicar o primeiro segundo e o que lhe deu origem, esta teoria encaixa na perfeição na teoria da existência de um Deus Criador de Tudo. Até ver. Sejamos realistas. A Ciência busca respostas desinteressadamente para o bem da humanidade. A Religião impõe as respostas que interessam à defesa de organizações. Eliminando e matando se for necessário. Assim, para a Humanidade, a Ciência tem sido benigna e a Religião maligna. Independentemente da existência ou não de Deus ou de Alá, que fique bem claro.
JP,
Muito obrigado pelo comentário. Um dos cientistas que mais admiro é o saudoso Carl Sagan, que teve um papel importantíssimo na divulgação dos achados da ciência (mais do que a nível da investigação). Sagan era um não crente fervoroso. No entanto, Sagan sempre achou que mais do que discutir quem estava certo ou errado (e Sagan estava ao lado da ciência) era garantir a existência de diálogo. Independentemente sermos crentes ou não, o importante é combatermos os fundamentalismos. Neste sentido, o diálogo entre ciência e religião é importante para nos insugirmos contra os dogmas e os fanatismos. É neste sentido que advogo igualmente o debate entre as duas
Alvaro
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