Aqui está a minha entrevista completa ao Diário de Notícias sobre o estado do Estado:
- Considera que o Estado português é demasiado “pesado”? Porquê?
Claramente. Não tenho quaisquer dúvidas. Porquê? Porque o Estado português está praticamente em todo o lado, sendo quase omnipresente nas mais diversas actividades económicas. Porque o peso do Estado em percentagem do PIB é muito mais elevado em Portugal do que em países com níveis de rendimento semelhantes. E porque o nosso Estado asfixia cada vez mais a economia privada, quer canalizando para si as limitadas fontes de financiamento ao nosso dispor, quer privilegiando certos grupos económicos de uma forma pouco transparente e clara, quer mesmo condicionando em demasia as actividades do sector privado.
- Onde se deve cortar para reduzir a despesa pública?
Há muito por onde cortar. Há muita ineficiência na despesa pública, há muito pouco respeito pelo dinheiro dos contribuintes, e cometem-se verdadeiros atentados inter-geracionais com as gerações futuras, a quem se espera que aceitem pagar o despesismo das actuais gerações. Neste sentido, penso que, a curto prazo, a principal redução da despesa pública terá de acontecer ao nível das aquisições de bens e serviços do Estado (os chamados consumos intermédios), bem como ao nível dos subsídios e das indemnizações compensatórias concedidas às empresas públicas. No entanto, parece-me muito claro que a grande redução da despesa pública terá de advir dos diversos organismos e entidades que constituem o Estado. Inicialmente, um próximo Governo poderia instituir cortes entre 10% a 20% nas despesas com Institutos, Direcções-Gerais e entidades afins. No entanto, numa segunda fase, o que há a fazer é reduzir, fundir e extinguir muitas destes Institutos e organismos do Estado, de forma a se poderem alcançar poupanças significativas na despesa do Estado. No mínimo entre 20% e 30% destes organismos do Estado deveriam desaparecer e/ou ser racionalizados. O que me parece inaceitável (e uma má política) é que se tenham de reduzir os salários dos funcionários públicos e que se tenha de aumentar os impostos das famílias e das empresas para evitar cortar nestes institutos e outras entidades do Estado, só para se protegerem interesses menos claros e para não mexer no nosso sacrossanto aparelho estatal. Um disparate, como é óbvio.
- Na sua opinião, quais devem ser as prioridades do Governo para consolidar as finanças públicas e fomentar o crescimento económico?
Sinceramente, depois do descalabro orçamental de 2009 e de 2010, tenho poucas ilusões que este Governo consiga consolidar as finanças públicas. Tenho ainda menos ilusões que este Governo consiga fomentar o crescimento económico, visto que, nos últimos 5 anos, foi totalmente ineficaz em alterar o mau desempenho da nossa economia. Dito isto, se o próximo Governo decidir reformar o actual estado de coisas, é absolutamente necessário não só consolidar verdadeiramente as finanças do Estado (algo que nunca foi feito em 36 anos de democracia), como também alterar radicalmente as prioridades da política económica.
Mais concretamente, há várias medidas que podemos tomar para consolidar as finanças públicas. Por onde começar? Aumentando a transparência das contas públicas, que são demasiado opacas e demasiado vulneráveis a malabarismos contabilísticos.
_ Mas, se é assim, quer isso dizer que as contas do Estado estão ainda piores do que o governo tem anunciado?
Não tenho grandes dúvidas que quando o próximo Governo mandar fazer uma auditoria às contas do Estado vamos dar conta que o buraco orçamental é não só bem pior do que tem sido anunciado por este Governo, como também vamos dar conta que tem sido feita toda a espécie de manobras contabilísticas para disfarçar o verdadeiro estado das contas públicas nacionais. É, assim, imperioso que acabemos de uma vez por todas com estas situações que só nos penalizam e que nos conduziram à lamentável situação actual. Para tal, é indispensável que se crie uma entidade independente que fiscalize todos os trimestres a execução orçamental e analise o estado das contas públicas. A alternativa será utilizar a UTAO para o fazer. Só assim poderemos credibilizar as contas do Estado.
Para além da transparência, que mais o preocupa em relação às finanças públicas nacionais?
Urge também acabar de uma vez por todas com as desorçamentações levadas a cabo nos últimos anos, bem como com a utilização de medidas extraordinárias para cobrir os buracos das contas do Estado. Nos últimos anos, vários governos têm utilizado estes expedientes para alcançar melhores resultados contabilísticos. Contudo, poucos se têm importado com o impacto que este tipo de actuações tem tido sobre a sustentabilidade das contas públicas. Por isso, é vital acabar com estas deploráveis práticas. É igualmente imperioso que todos os sectores e entidades estatais entrem nas contas do Estado.
Quer isso dizer que as contas das empresas públicas deviam ser tomadas em linha de conta nas finanças do Estado?
Sim, sem dúvida. É preciso contabilizar a dívida pública alargada, que inclui não só a dívida directa do Estado, mas também as dívidas das empresas públicas (que já ascendem a mais de 22% do PIB nacional). Só assim é que se pode travar a espiral do endividamento das empresas públicas e só assim é que podemos ambicionar levar a cabo uma real consolidação das contas do Estado.
É preciso também acabar com a vergonha de utilizar as parcerias público-privadas (PPPs) para efectuar despesa pública (ou pseudo-pública) sem que esta conste nos Orçamentos do Estado. As PPPs já são responsáveis por mais de 30% do PIB em dívida pública futura, uma dívida que terá de ser paga pelos nossos filhos e pelos governos vindouros. Por isso, as PPPs tornaram-se no maior atentado inter-geracional da nossa História recente e são um dos mais lamentáveis episódios de abuso governamental dos últimos tempos. No fundo, o que as PPPs permitem é que o Estado pague a crédito as obras que pretende fazer (estradas, hospitais, TGVs, etc.). Os privados endividam-se para edificar as obras para que, mais tarde, possam receber rendas do Estado durante décadas. Como as PPPs não começam a ser pagas nos primeiros anos de concessão, os governos que as mandam fazer inauguram a obra sem terem de desembolsar um único cêntimo. Uma total falta de ética para com os governos que se seguem e um autêntico atentado para o bem-estar dos nossos filhos. E é por isso que é imperioso limitar ao máximo as PPPs e regulamentar muito bem este tipo de contratos altamente ruinosos para o nosso Estado e para os contribuintes.
_ E também já defendeu a necessidade de termos um orçamento equilibrado a médio prazo, certo?
Sim, é verdade. Acho absolutamente indispensável que o próximo governo apresente a meta de défice zero para os próximos anos. Mais concretamente, já defendo há algum tempo que é perfeitamente possível alcançar o equilíbrio orçamental (o tal défice zero) até 2016. A meta do défice zero seria importante para credibilizar as contas públicas nacionais, quer internamente, quer aos olhos dos nossos parceiros europeus e dos mercados internacionais. Esta meta é perfeitamente exequível, desde que haja vontade política para o fazer (um grande “se”, como é evidente).
Ao nível da politica económica, penso que o próximo governo devia implementar políticas para fomentar a produtividade nacional, bem como a competitividade das nossas exportações. No meu próximo livro, apresento estas medidas com algum pormenor.
- Acha que a redução do número de funcionários públicos é um caminho inevitável?
Acho que acabará por acontecer, quer seja feita por nós, quer se for imposta pelos outros, isto é, quando tivermos de recorrer ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira e ao FMI (o que é muito provável que aconteça ainda em 2011). Por enquanto, a redução do número de funcionários tem sido bastante modesta e tem sido conseguida muito à custa da transferência de entidades públicas para o sector empresarial do Estado (as empresas públicas, que não entram para as contas do Estado). Dito isto, é importante perceber que a redução do número de funcionários públicos não pode ser feita às cegas, sem critérios rigorosos e sem estudos de rigorosos sobre as áreas onde há excesso de funcionários e sobre as áreas onde precisamos ainda de mais trabalhadores especializados. Cortar por cortar e sem critérios da procura do emprego público não faz qualquer sentido.
- As despesas com obras públicas comprometem o futuro do País?
Em relação às despesas com as grandes obras públicas, sem o mínimo de dúvidas. Aliás, a tradicional obsessão dos nossos governantes em deixar “obra feita” (de preferência de betão) é uma das grandes causas do mal-estar actual. Insistir na aposta das grandes obras públicas numa altura em que estamos a viver uma gravíssima crise de liquidez e em que estamos muitíssimo endividados é não só um erro, mas também é meio caminho andado para a insolvência do país.
Eu não tenho nada contra as obras públicas, grandes ou pequenas. No entanto, é por demais evidente que as grandes obras públicas são completamente contraproducentes neste momento. Insistir neste caminho é de uma irresponsabilidade total e de um completo desrespeito pelo futuro do país. Por isso, esperemos que haja um pouco de bom senso e que possamos ainda travar muitas das grandes obras públicas já projectadas.
Em contrapartida, as pequenas obras públicas podem até ajudar à criação de mais emprego, bem como dinamizar alguns sectores da nossa economia. Ainda assim, não há registo que uma obra pública tenha sido algum dia a receita mágica para o crescimento de um país. E nós não somos excepção à regra.
- Em Portugal existe uma eficiente fiscalização da máquina do Estado?
Claro que não. Aliás, existe uma péssima fiscalização da máquina estatal. Se houvesse uma fiscalização eficiente os nossos governos não teriam tido a possibilidade de levarem a cabo os verdadeiros atentados orçamentais que foram cometidos nos últimos anos.