12 março 2008

AS LIÇÕES IRLANDESAS


A Irlanda é o exemplo óbvio de como melhorar o desempenho de uma economia. Como sabemos, nos últimos 15 anos, a Irlanda passou de parente pobre para tigre da UE. Todavia, as elevadas taxas de crescimento económico irlandesas são um fenómeno bastante recente . Entre 1950 e 1988, as taxas de crescimento irlandesas atingiam apenas dois terços da média europeia e, assim, até aos meados da década de 80 a Irlanda divergiu em relação à média europeia. Os analistas falavam então da “doença irlandesa”.
O milagre irlandês foi tornado possível devido a uma série de políticas estruturais que permitiram um aumento sustentado da produtividade. Em primeiro lugar, destacam-se as reformas do sistema educativo das décadas de 70 e 80, que aumentaram o nível de escolaridade obrigatória, intensificaram a vertente técnico-prática dos currículos escolares e fomentaram a qualidade educativa. Actualmente, a Irlanda tem taxas de frequência escolar das mais altas do mundo e é um dos países da OCDE com um maior número de licenciados em ciências, engenharia e matemática per capita.

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Em segundo lugar, desde meados da década de 80, a Irlanda introduziu uma política fiscal agressiva por forma a fomentar a atracção do investimento directo estrangeiro (IDE). Deste modo, o governo irlandês introduziu uma moratória fiscal de 25 anos, a qual incluiu não só uma taxa de IRC de 10 por cento, como também uma taxa média de 11 por cento para as contribuições para a Segurança Social. Em comparação, a taxa de IRC na maioria dos países da UE (Portugal incluído) é acima dos 25 por cento, e em Portugal as contribuições para a Segurança Social representam cerca de 19 por cento do custo total da mão-de-obra. Graças a este carácter inovador da política fiscal, a Irlanda conseguiu atrair IDE de qualidade em sectores de grande valor acrescentado, o que, por seu turno, fomentou a produtividade e o crescimento.
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Em terceiro lugar, sucessivos governos deram prioridade à paz social e à moderação salarial através da realização de vários pactos sociais, os quais equipararam o crescimento dos salários com aumentos da produtividade. Em contrapartida, o governo prosseguiu uma política de redução dos impostos ao rendimento e das contribuições sociais. Assim, desde 1987, apesar dos salários nominais terem aumentado apenas 1 por cento ao ano, os trabalhadores irlandeses viram o seu poder de compra aumentar cerca de 33 por cento.

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Em quarto lugar, em meados da década de 80, o governo irlandês efectuou uma redução drástica da dívida pública e combateu a cultura de subsídio-dependência. Entre 1987 e a 1999, vários subsídios foram eliminados e a dívida pública foi reduzida de 125 por cento do PIB para cerca de 49 por cento. Este decréscimo da dívida pública reduziu substancialmente os encargos com os juros, o que aumentou significativamente a margem de manobra do governo noutras áreas, como a saúde e a educação. Consequentemente, nos últimos 10 anos, foi possível manter os gastos primários do sector público em cerca de 43 por cento do PIB e a Irlanda possui agora um dos governos menos gastadores de toda a UE.
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Finalmente, a Irlanda tem uma óbvia vantagem comparativa proporcionada pela língua inglesa, a qual foi fundamental para a tracção do IDE. Contudo, a vantagem linguística ajudou mas não foi o principal factor determinante para o milagre irlandês. Para tal, basta lembrarmo-nos que o milagre económico aconteceu somente depois do movimento reformador dos anos 80.
LIÇÕES PARA PORTUGAL:
Em suma, as reformas fiscais, orçamentais, educacionais, bem como o consenso social foram as políticas fundamentais para o sucesso irlandês. Apesar de não termos grande manobra orçamental actualmente para uma redução fiscal significativa, uma reforma do aparelho estatal, a melhoria da qualidade educativa e o consenso social estão claramente ao nosso alcance

2 comentários:

João do Lodeiro disse...

Acredito que, um dos motores do milagre irlandês, tenha sido a reforma no sistema educativo, que Portugal bem precisa de fazer. A diferença fundamental é que lá, ao contrário de cá, os professores foram envolvidos nas reformas. Em Portugal o governo assumiu uma postura autista e autoritária, fascista até (com a visita intimidatória da polícia às escolas), pondo em causa a dignidade da profissão. Em Portugal, mais do que uma verdadeira reforma no sistema educativo, pretende-se retirar, à força, direitos sociais às pessoas, impedir que progridam na profissão, mesmo que tenham mérito (cotas), com o fim último de poupar uns cobres. É desmantelando Museus Nacionais de Ciência que lá vamos? Estamos nos antípodas da reforma irlandesa. Aqui as pessoas contam cada vez menos. Suportam o custo de vida europeu, mas são pagas pelos padrões do terceiro mundo. A acrescentar a isso, são esmagadas com impostos altíssimos. Porque não procede o governo relativamente aos impostos como o fez a Irlanda? Porque temos que suportar sistematicamente governos de gente quadrada e incompetente? Será sina nossa? Enfim...

Alvaro Santos Pereira disse...

JP,

Muito obrigado pelo seu pertinente comentário. Concordo plenamente que estamos nas antípodas com a Irlanda em relação à educação.
Desmantelar os Museus Nacionais da Ciência não só é uma má política como é um atentado à educação dos nossos jovens. Aliás, vou aproveitar a sua deixa para deixar no blogue umas estatísticas da nossa (falta de) educação

Abraço

Alvaro