30 novembro 2010

CUSTOS DA COMPETITIVIDADE

Às vezes, perguntamo-nos o que causou a alegada perda de competitividade das nossas exportações nos últimos 10-15 anos. A resposta mais ouvida (e que tem um grande fundo de verdade) é que a perda da competitividade das nossas exportações se deve principalmente ao facto de que os nossos custos unitários do trabalho terem subido mais rapidamente do que na Zona Euro, o que tornou as nossas exportações menos atractivas e originou elevados défices da balança comercial (e contribuiu de sobremaneira para o nosso endividamento externo). De acordo com esta lógica, como já não temos uma moeda nacional para desvalorizar e tornar as exportações artificialmente competitivas, a subida desses mesmos custos unitários foi fatal para as exportações e, consequentemente, para a economia nacional. Resultado? Uma década de estagnação e mais outra a caminho se não levarmos a cabo o chamado ajustamento nominal, em que os nossos salários e os nossos preços teriam que baixar para conseguirmos reganhar competitividade e, assim, podermos ter uma retoma económica sustentada. Pelo menos é isso que nos dizem inúmeros e reputados economistas que analisaram a situação portuguesa.
Pessoalmente, não duvido que parte da perda de competitividade também ocorreu através deste mecanismo. No entanto, também me parece que nem só dos custos unitários do trabalho vive a competitividade das nossas exportações. Mais concretamente, há toda uma série de custos de contexto que urge diminuir para tornar as nossas exportações mais atractivas. Entre estes, contam-se dois que irei analisar hoje: os impostos e o preço da energia (mais concretamente o preço da gasolina). Outros custos de contexto serão analisados em futuros posts.
Comecemos pelos impostos. Neste post, irei debruçar-me sobre os impostos individuais, ficando os impostos colectivos para outra ocasião. Para podermos levar a cabo uma análise comparativa, recolhi dados do Banco Mundial referentes às taxas marginais dos impostos individuais (o nosso IRS). No caso português, esta taxa corresponde ao escalão mais alto do IRS, que foi recentemente aumentada pelo governo. Se levarmos em linha de conta este aumento, é interessante verificar que entre os 92 países para os quais existem dados, Portugal tem a 10ª taxa marginal de imposto mais elevada, conjuntamente com 4 outros países. 
Mais: se olharmos somente para a UE27 e juntarmos no mesmo gráfico as taxas marginais de imposto com o PIB per capita, o resultado é extremamente elucidativo de quão atractivos nós conseguimos ser a nível fiscal. Com efeito, como podemos ver no gráfico abaixo, quando tomamos em linha de conta o rendimento médio dos países europeus, é notório que as taxas marginais dos impostos portugueses estão bem acima do que é habitual para países com o nosso nível de rendimento. Isto para já não nos compararmos com a Espanha, a Finlândia, ou, por exemplo, com a Irlanda. É certo que os impostos não explicam tudo (bem longe disso), mas também não deixa de ser verdade que quanto mais alta for a carga fiscal, menos atractivas tenderão a ser as exportações de um país. E Portugal não é excepção neste campo.

Gráfico _ Taxas marginais dos impostos individuais vs. PIB por habitante
Calculado de dados da AMECO e do Banco Mundial

Porventura ainda mais significativo é a questão do preço da energia. Se atentarmos para os dados do Banco Mundial, é possível observar um indicador bem sugestivo sobre o preço da energia em Portugal: o preço do litro da gasolina. Eu sei que seria melhor utilizar a electricidade, mas fiquemos pela gasolina por enquanto (a electricidade fica para mais tarde).
Ora, entre 175 países, Portugal tem a 15ª gasolina mais cara do mundo, acima de países como a Alemanha, a França, a Espanha, e todos os países da Europa do Leste. Isso é perfeitamente visível no próximo gráfico, onde se apresenta o top 20 dos países com a gasolina mais cara do mundo, mais alguns outros países europeus com quem nos costumamos comparar. No gráfico, o número junto do país refere a posição que esse país tem no top mundial do preço da gasolina. Neste sentido, é interessante observar que enquanto Portugal está 15º lugar entre esses 175 países, a Espanha tem a 67ª gasolina mais cara do mundo. Uma diferença bastante signficativa, como é óbvio. Portugal tem ainda a gasolina mais cara de toda a Europa, com a excepção da Holanda e de Malta.

Gráfico _ Preço da gasolina por litro (em $) em 2008
Fonte: Banco Mundial

Moral da história: é certo que a pouca contenção dos custos unitários nacionais em relação ao que se passou na Zona Euro ajuda a explicar alguma perda de competitividade das nossas exportações na última década. No entanto, há todo um outro número de factores que também contribuiram para essa mesma perda de competitividade, incluindo a entrada da China e da Europa de Leste em muitos dos nossos mercados internacionais, bem como a evolução de alguns dos nossos custos de contexto menos favoráveis. Em relação a estes, é certo que a nossa situação periférica não ajuda. Porém, certamente que não é um impedimento de maior para que as nossas exportações sejam mais competitivas. O problema é que nós temos agravado os nossos custos de contexto, quer através dos nossos elevados custos energéticos, quer por causa do excessivo despesimo do nosso Estado, cujo voraz apetite nos tem feito subir a carga fiscal para níveis bem mais altos do que seria desejável para o nosso nível de rendimento. Por todos estes motivos, e para que as nossas exportações se tornem mais competitivas, parece-me que baixar estes custos de contexto é tão ou mais importante do que a mera contenção do crescimento dos custos unitários do trabalho.

7 comentários:

fernando caria disse...

Caro Álvaro

Parabéns pela oportunidade da análise dos custos de contexto. Com a projecção e sofisticação de análise necessários.
Obrigado por me ter desfeito a ideia de que eu sou "louco" quando falo disso no meu ambiente profissional e pessoal, em que tenho andado a pregar no vazio, nos últimos 10 anos.
Pelas pistas que deixou espero ver comentados:
- A voracidade do falso Estado Social através das contribuições obrigatórios para a Segurança Social em 34,5% de peso efectivo sobre a produtividade do trabalho, quer na parte do trabalhador, quer na parte da empresa empregadora;
- A falácia dos serviços do Estado que se justificam para prestar serviços a outros departamentos do Estado (como bem diagnosticou Manuela Ferreira Leite - também pregadora de vazio). Dou-lhe um exemplo: gastei improdutivamente 22 manhãs de trabalho consecutivas, para ter a certeza de que a Segurança Social analisava e resolvia 8 processos de reclamação sobre contribuições pagas pela empresa, mas não processadas pela segurança social e cujo pagamento era agora novamente exigido, depois de 8 reclamações sem solução.
- A rigidez do mercado de arrendamento que inviabiliza o lançamento equilibrado de novos negócios e empresas;
- Os custos fixos que uma startup enfrenta no momento da constituição da empresa, como seja os registos (onerosos) e o necessário TOC;
- A rigidez do mercado de financiamento de negócios viáveis e rentáveis, que não possuam o "glamour" dos PIN ou das grandes inovações!

Um abraço de estímulo para continuar a denunciar os problemas práticos e comezinhos, que dificultam e impedem diariamente a vida dos gestores das empresas reais portuguesas que empregam 80% dos bons trabalhadores deste Jardim.

Tiago Oliveira disse...

A par de tudo o que Álvaro escreveu, é essencial mencionar que lei laboral portuguesa não premeia a produtividade e, que em conjunto com a cultura latina/portuguesa a produtividade não é um objectivo do comum trabalhador.

MC disse...

1. Mais uma vez não percebo porque usa o PIB per capita como indicador. O valor máximo do IRS deve crescer com o PIB per capita? Na Europa acontece por mero acaso essa relação, mas se incluísse USA, Canadá, etc. essa inclinação no seu gráfico desapareceria.

2. Não percebo porque analiza o IRS e não o IRC. Nem é o IRS, mas a taxa máxima paga por uma fração pequena dos trabalhadores.

3. Não é só a electricidade que faz mais sentido que a gasolina, o próprio gasóleo faria mais sentido.
Só que infelizmente o Eurostat veio dizer hoje que Portugal tem das electricidades industriais mais baratas da UE, e como é sabido o gasóleo está na média europeia.

CCz disse...

A minha contribuição para a discussão Acerca da competitividade http://bit.ly/gSt0Sd

CCz disse...

Obrigado.
.
Se precisar de nomes e contactos de PMEs exportadoras anónimas para documentar no seu novo livro...

MC disse...

Já que continua sem me responder, deixe-me só dizer que

1. usar uma taxa de imposto que deve representar 0,1% das receitas do país, e que nem relação directa tem com os custos custos das empresas, quando está em causa a atracção de investimento,

2. usar a gasolina (em vez de electricidade, gás natural, gasóleo, etc.), que deve representar 1% dos custos energéticos das empresas, quando estão em causa os custos energéticos das empresas,

tem um nome em ciência. Chama-se Cherry Picking e nem chegaria a passar do editor.

Alvaro Santos Pereira disse...

MC

Em Economia chama-se data mining. Eu utilizo aqui os preços da gasolina como um exemplo. No meu livro utilizo medidas mais apropriadas. Só que antes do livro ser publicado, prefiro dar só alguns indicadores, para que ainda permaneça um factor de novidade quando o livro sair.
Daí a minha renitência às vezes em responder a questões (por enquanto) e/ou a fornecer todos os dados.
Peço desculpa por não ser mais "forthcoming" por enquanto

Abraço

Alvaro