Os comentários sobre o post que falava sobre uma alegada saída do euro sucedem-se, e vale a pena lê-los para percebermos as diferentes opiniões que existem sobre o assunto. Hoje falarei do comentário do António, e nos próximos dias abordarei os outros comentários. Assim, o António, após uma análise cuidada e, como sempre, acutilante, pergunta:
"Como é que uma mesma divisa pode estar a funcionar em dois países com economias tão distintas como Portugal e Alemanha? Um país com uma enorme necessidade de importar e um outro com uma enormérrima capacidade exportadora. Uma país com uma baixissima taxa de poupança e outro com uma elevada taxa de poupança. Um país com uma forte disciplina nas finanças publicas e capaz de produzir tudo, com um know how tecnológico espantoso e outro com uma total indisciplina das finanças publicas, sem conhecimento e sem capacidade de produzir uma enorme quantidade de bens e com um know how básico. Não é possível uma moeda servir economias tão distintas."
Esta é uma questão muito importante, que tem sido abordada pelos economistas desde que a literatura em áreas monetárias óptimas foi desenvolvida nos anos 60 por investigadores como Mundell (que ganhou o Nobel há uns anos atrás). No entanto, para explicar o que está em causa, gostaria de fazer uma pergunta retórica: Por que é que Lisboa e Alfandega da Fé, ou o Algarve e Idanha-a-Nova partilham a mesma moeda? Afinal, Lisboa e o Algarve têm economias bastante competitivas e exportam diversos bens "transaccionáveis" (como o turismo, automóveis,e algumas tecnologias de alto valor acrescentado, como sejam as tecnologias de informação), enquanto que Alfandega da Fé e Idanha-a-Nova não "exportam" nem produzem muito. Por isso, por que é que Alfandega da Fé e Idanha-a-Nova insistiram em permanecer numa moeda única com Lisboa e o Algarve durante séculos a fio? Por que é que não introduziram a sua própria moeda e desvalorizaram-na para se tornarem mais competitivas? A resposta é, como é óbvio, porque existe uma união política entre todas estas localidades e esta união política garante a redistribuição de recursos entre as diversas regiões, compensando as regiões menos favorecidas no caso de ocorrerem choques negativos nas economias regionais.
Neste sentido, suponhamos que se dá um choque na economia, que é negativo para Alfandega da Fé e para Idanha-a-Nova, mas positivo para o Algarve e para Lisboa. O que é que acontece em seguida? O aumento do desemprego em Alfandega da Fé e em Idanha-a-Nova fará não só com que os salários dessa região tendam a descer (e subir em Lisboa e no Algarve), mas também com que os "Alfandegários" e os "Idanhenses" (peço desculpa se estas não forem as denominações certas) saiam das suas regiões em buscas de oportunidades de emprego em Lisboa e no Algarve. A descida dos salários e a mobilidade laboral contribuirão para diminuir o desemprego e para repôr o equilíbrio nas economias em depressão, enquanto, em Lisboa, a chegada de novos trabalhadores diminuirá a pressão para a subida dos salários Se, mesmo assim, as economias de Alfândega e de Idanha continuarem em depressão, então a união política entra em acção e dá-se uma transferência de recursos (isto é, de apoios e ajudas) das regiões ricas para as regiões deprimidas.
Ora, no euro o mecanismo em operação é exactamente o mesmo. A grande diferença é que não há união política e as transferências para as regiões ou países deprimidos não existe. E assim os ajustamentos a choques assimétricos são mais difíceis e prolongados.
Quer isto dizer que, dado que não existe união política, devíamos abandonar o euro para tentarmos ganhar competitividade à custa da desvalorização de um novo escudo? Não, porque assim que se entra no euro, é muito difícil ou demasiado arriscado sair. Para além do mais, os custos políticos e económicos de uma saída seriam certamente demasiado elevados. Finalmente, vale a pena perguntar: será que é sustentável basear a competitividade das nossas exportações nas desvalorizações artificiais da moeda? Ou será que uma moeda forte não nos forçará a ser mais produtivos e mais criativos para podermos ser competitivos nos mercados internacionais? Sinceramente, parece-me que sim.
Ainda mais importante, é fundamental perceber que o grande choque do euro já foi feito. E que nos últimos 4-5 anos (se descontarmos 2008 e 2009, devido à crise internacional), as nossas exportações têm tido um desempenho muito bom. Ou seja, se Portugal não cresce não é por causa das exportações nem do euro. As causas da crise nacional são mais profundas do que isso. Mas esse é um tema para outro dia.
8 comentários:
Sou da opinião que a saída do euro teria custos elevadíssimos, concordo com o Álvaro quando afirma que uma moeda forte nos forçará ser mais produtivos e mais criativos, pelo menos era assim que deveria ser. Acredito nas potencialidades da economia portuguesa, acredito nos bons empresários portugueses, acredito, também, na qualidade dos produtos produzidos em Portugal. A entrada na União Europeia e, consequentemente, na zona euro, foi um desfio para a economia portuguesa que, com pouco mais de 10 anos de democracia, se viu inserida num grupo de países muito mais desenvolvidos. Foi um desafio, sem dúvida, com aspectos negativos e positivos. Se pusermos esses aspectos nos pratos da balança, penso que tenderá mais para o positivo que para o negativo.
Carlos Pereira
«Por que é que Lisboa e Alfandega da Fé, ou o Algarve e Idanha-a-Nova partilham a mesma moeda? Afinal, Lisboa e o Algarve têm economias bastante competitivas e exportam diversos bens "transaccionáveis" (como o turismo, automóveis,e algumas tecnologias de alto valor acrescentado, como sejam as tecnologias de informação)»
Imenso dispartate: Lisboa tem balança comercial deficitária !!!!
«porque existe uma união política entre todas estas localidades e esta união política garante a redistribuição de recursos entre as diversas regiões»
Imenso dispartate: há redistribuição nesta união política ?!?! Já reparou nas assimetrias de desenvolvimento intra-Portugal ?!
«Se, mesmo assim, as economias de Alfândega e de Idanha continuarem em depressão, então a união política entra em acção e dá-se uma transferência de recursos (isto é, de apoios e ajudas) das regiões ricas para as regiões deprimidas»
Fantasias !
A sua visão da economia portuguesa é demasiado lisboa-centrica. Não se esqueça que, segundo o BP, o distrito de Lisboa representa 42% da dívida bancária privada, o Norte e Centro tem balancas comerciais superavitárias e baseiam-se nos BSTransaccionáveis, que os balcões bancarios do interior Norte tem cronicamente muito mais depósitos do que créditos, que a demografia a Norte é saudável. O Norte e Centro de Portugal tem futuro. A economia de Lisboa endividada, dependente do patrocínio estatal, não tem futuro. Nos próximos anos o PIB percapita de LX vai regredir e do resto de Portugal vai aumentar.
«será que é sustentável basear a competitividade das nossas exportações nas desvalorizações artificiais da moeda? Ou será que uma moeda forte não nos forçará a ser mais produtivos e mais criativos para podermos ser competitivos nos mercados internacionais? Sinceramente, parece-me que sim»
Obviamente, aqui tem razão.
Continuo a acompanhar esta "discussão", em que também contribuí com um comentário, e considero-a interessante. Diferentes pontos de vista sobre o mesmo problema.
Portugal deve sair do euro ou não? - A minha resposta é não. São muitos mais os riscos do que as possíveis vantagens, e como alegou a Álvaro neste comentário, não será possível continuar ilimitadamente a desvalorizar o escudo (caso se optasse outra vez por esta moeda) como forma de tornar as nossas exportações competitivas.
Para além disso, não quero pensar na enorme surpresa que se tornaria a nossa dívida com mo escudo, que está mensaurada em euros ou dólares....
A nossa saída, neste momento, passa por remodelação do tecido empresarial, inovação, design, marketing, valor acrescentado.
O problema já não reside em portugal querer ou não sair do euro.
O problema está na disposição da Alemanha e da França em correrem com ele do euro.
O ruy leu muito bem as entrelinhas.
Oiço muitos disparates ultimamente (como a ideia de sair do euro), ninguém tem propostas sobre como resolver os problemas estruturais de Portugal?
Bom, aí vai uma:
por fim à obrigatoriaridade do secundário e pôr em prática um sistema de profissionalização, ou seja em que se aprenda aos jovens que não querem estudar a exercer um óficio (estes jovens deveriam ao mesmo tempo trabalhar ao lado de esta formação, e a tal formação deveria também fornecer ferramentas para os tais jovens poderem ser empresários). Tudo isto serviria a melhorao capital humano portugês.
Caro Àlvaro,
Que eu saiba Lisboa, Algarve, Alfandega da Fé e Idanha a Nova fazem fazem parte do mesmo país. Não se pode falar em união porque nunca estiveram desunidos. Fazem parte do mesmo corpo. Um poderá ser a cabeça e um outro apenas um polegar mas pertencem ambos ao mesmo corpo. Têm o mesmo ADN. Nunca a Alfândega da Fé esteve a dever dinheiro a Lisboa, porque Lisboa em si não dispõe de um Banco Lisboeta. Lisboa não possui moeda própria tal com a Alfandega da Fé.Não existe qualquer contabilidade que permita distinguir Lisboa de Idanha-a -Nova.A CP, EDP. PT, o BES e a CAIXA, bem como o ministério dos Negócios Estrangeiros ou o das Finanças são tanto de Lisboa como o de Idanha a Nova
Portugal e Alemanha são estados completamente distintos.
Culturas completamentes distintos, linguas que nada têm em comum etc. Não há qualquer duvida que a Siemens, a Mercedes ou a Lufthansa são alemãs, bem como Deutch Bank ou o Bundesbank.
Se uma empreza sediada em Lisboa ou em Idanha -a -Nova exportarem sapatos para qualquer outro país, ambas as exportações são consideradas esportações portuguesas. Enquanto que se uma empresa portuguesa ou alemã exportarem sapatos, estes montantes são contabilizados em contas comopletamenmte diferentes.
Enquanto Lisboa e Idanha-a-nova concorrem para a riqueza do país, Portugal e Alemanha estão em competição nos mercados externos.
A analogia entre Lisboa e Idanha-a-Nova e Portugal e Alemanha não me parece indicada.
E isto reforça as minhas duvidas "técnicas" sobre a possibilidade de países com contabilidades e economias distintas poderem ter a mesma moeda pelo simples facto que não é posivel a mesma moeda reflectir duas realidades completamente distintas.
Aceito que a saída de Portugal do Euro traga uma enorme prejuizo a Portugal. Mas a questão que eu levanto não é essa: A questão que eu levanto é se é possivel a paises com grupos sanguineos completamente diferentes poderem ter o mesmo tipo de sangue. Não se trata de uma questão de vontade politica. Trata-se de uma questão dos tecidos dos corpos diferentes que recebem o mesmo sangue não acabarem por rejeitarem o dito sangue. Como parece estar a acontecer.Todos sabemos que quando se "une" um orgão de um corpo a outro corpo existem muitas situaçoes de rejeição.
Todos sabemos que as duas Alemanhas se uniram. Mas foi uma união politica, económica, financeira,etc. Dois países com uma lingua comum e com uma história comum. E que durante séculos foram o mesmo país e que estiveram separados durante algumas décadas apenas por imposição externa. E mesmo assim sabe-se o custo que teve a união de dois estados que durante séculos estiveram unidos.
Ora Portugal e Alemanha são realidades absolutamente diferentes. As minhas duvidas continuam as mesmas. Independentemente do meu desejo. Eu farto-me de viajar na Europa e reconheço que me dá um jeitão o Euro. Mas isso não é o que está em causa.
António
Obviamente que actualmente a qustão de sair do Euro de "livre-vontade" é meramente académica, os efeitos negativos dessa medida são elevadissimos (para começar teriamos um problema para vender para dentro da "europa" e não teriamos capacide de implementar medidas "protecionistas" a favor dos nossos produtos).
Assim, so meu ponto de vista a questão que se coloca é saber se os restantes paises baixam as regras de forma a se poder continuar dentro do Euro ou se "deixamos de ter valor comercial"...
Agora é triste receber o presidente da china (país comunista , não democratico, com regime ditaturial, onde os direitos humanos nao são cumpridos) com a mão estendida à espera que comprem divida publica nacional
António e Álvaro, eu também achei o exemplo de Alfândega-da-Fé um bocadinho manhoso; talvez as regiões autónomas viessem mais a propósito?
Cajobogart, concordo consigo em que ficarmos empenhados à China é um osso duro de roer pelas razões que apresenta.
Talvez o nosso ministério dos Negócios Estrangeiros pudesse usar esse osso nas negociações com a UE e o FMI: Ou nos ajudam ou vamos ter que nos vender à China e apoiá-la politicamente, e abrir-lhe ainda mais as portas nas nossas antigas colónias, vejam lá se é isso que querem...
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