Ontem foi o "Remembrance Day" em vários países do mundo, o dia de lembrar os mortos e os feridos das guerras passadas e presentes. Em Portugal, e inexplicavelmente, continuamos a ignorar os nossos antigos combatentes ou, no mínimo, não lhes damos a importância que eles merecem. Como António Barreto declarou no seu notável discurso do último 10 de Junho: "Portugal não trata bem os seus antigos combatentes, sobreviventes, feridos ou mortos.” Pois não. É uma vergonha. Uma verdadeira e inaceitável vergonha.
Indepentemente da justeza ou não das guerras que os antigos combatentes participaram, o mínimo que nós devíamos fazer como país era lembrar os sacrifícios que eles (e as suas famílias) fizeram em prol do país. Mas não. Preferimos continuar a fazer de conta que nada se passou, que nada aconteceu. Preferimos fingir esquecermo-nos de um passado que nem sempre nos orgulha. Um disparate, como é óbvio.
Ora, não estará na altura de acabar com este "esquecimento" sem sentido? Não estará na altura de homenagiarmos e de honrarmos todos aqueles que fizeram enormes sacrifícios pelo país? Sacrifícios que a grande maioria de nós nem sequer sabe ou sonha o que significam?
Penso que sim. Claro que sim. É o mínimo que devemos aos antigos combatentes.
E, para o fazer, nem precisaríamos de enveredar por nacionalismos retógrados ou provincianos. Bastava que tivéssemos um dia em que lembrássemos os antigos combatentes e lhes recordássemos que nós não nos esquecemos do que eles fizeram por nós e pelo país. Um dia em que lhes disséssemos que estamos agradecidos. Um dia em que lhes mostrássemos a nossa solidariedade. Um dia que até poderia ser compartilhado ou co-organizado com os antigos combatentes africanos das guerras coloniais, mostrando que, apesar de traumáticos, os conflitos do passado são bem menores do que aquilo que nos une.
Enfim, um dia que seria da mais elementar justiça para com aqueles que tanto deram por nós.
8 comentários:
Plenamente de acordo, devem estar à espera que essa geração de heróis nacionais, sim estes foram heróis, desapareça para depois lhes fazerem as vénias devidas a título póstumo, é o costume. O mesmo acontece com os ex-mineiros portugueses, esquecidos, alguns com doenças respiratórias gravíssimas, presenciei vários casos, um dos quais até à morte da pessoa em causa, momentos de agonia de alguém, que, numa época de muita miséria se submeteu a trabalhos que os punham em contactos com materiais radioactivos.
carlos pereira
A forma como Portugal continua, vergonhosamente, a esquecer quem por si combateu é, na minha opinião, inexplicável. Ou não, depende.
Sendo novo, faço questão de nunca o fazer, ainda para mais quando familiares lutaram (e morreram, infelizmente) tanto por Portugal como pelo Reino Unido.
Duas classes, digamos assim, esquecidas: retornados, abandonados virtualmente à sua mercê, e veteranos de guerra, muitos a viver como lixo nas ruas da capital.
No outro dia pude ler uma parte de um livro muito interessante, "Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola", escrito pela jornalista Leonor Figueiredo. Ora bem, o conteúdo do livro, sempre consubstanciado com documentos e fotografias, é tão polémico (desde raptos a portugueses perpetrados por soldados portugueses controlados pelo PCP; abandono de civis portugueses pela metrópole; tortura a civis portugueses consentida e esquecida pela classe política; concluindo-se numa lista enorme de portugueses desaparecidos...) que pergunto-me como é possível não haver qualquer reacção da sociedade portuguesa.
Como exemplo disso, continua por resolver o caso Camarate, um óbvio assassinato.
O livro, esqueci-me de referir, tem uma passagem curta e que fala por si, por Portugal, pela mentalidade de todos os envolvidos:
"Portugal, o único país que descolonizou sem dar um tostão (dito por outras palavras) aos seus retornados".
Não se pretende discutir o direito à auto-determinação, nunca, tal é sagrado e por mim apoiado, mas é importante não esquecer.
Portugal, os portugueses, esquece.
Muito obrigado pela sugestão que nos traz. Receio, contudo, que ela não seja exequível. Os Portugueses detestam a memória, em particular a da sua História o que é, aliás, visível nos currículos escolares. Quantos de nós conhecerão, por exemplo, a existência do cemitério português na Flandres?
O Estado português sempre se apropriou,da memória colectiva para construir um eterno presente (republicano, salazarista, comunista, socialista/europeísta. Estamos sempre no ponto de chegada de um processo que não vale a pena recordar, exactamente porque estamos no melhor dos mundos possíveis. O resultado dessa apropriação foi a destruição das bases de qualquer identidade nacional.
Obrigado
Nuno Matos
Álvaro,
Tenho uma situação familiar que nunca consegui perceber até porque, mea culpa, nunca procurei muita informação acerca do assunto. O meu pai pertenceu a uma tropa especial e esteve na guerra colonial 4 anos. Não conheço a linguagem militar, mas ele fez parte da corporação de Rangers de Lamego, actuais comandos, uma trpa de elite e que só entrava em combate em situações limite. cresci a ouvir falar da guerra sem grande consciência do que ouvia. O meu pai só contava as partes de divertimento, como educou um macaco em África, como aprendeu a jogar a vermelhinha, como jogava futebol, etc... mais tarde, já crescido fui interrogando o meu pai e lá fui sacando histórias de guerra, de verdadeiro terror. Descobri inclusivé um louvor militar - e vou citar - de "lutar com desprezo à vida". Mas nunca senti o peso do passado do meu pai na minha educação, bem pelo contrário, sempre foi um pai feliz e muito dedicado sem revelar qualquer trauma evidente. O meu pai conta agora com 69 anos e aos 60, mais ou menos, teve dois pequenos avcs que o atiraram para a reforma. Aí vieram os pesadelos, os traumas e as consequentes depressões. Hoje é um homem conformado com a idade que tem e com a circunstância de não ter de trabalhar. E é globalmente feliz, como o forte apoio da minha mãe que sempre o acompanhou. Mas uma coisa é muito estranha: o meu pai nunca recebeu qualquer reconhecimento da parte de entidades oficiais pelo seu passado. Se vai a uma consulta paga como qualquer outra pessoa. Durante a sua vida treinou jovens para jogar futebol, dando formação nos tempos livres e curiosamente já ganhou mais louvores por isso do que por ter servido o país numa guerra, como todas, sem nexo. E este é um caso vivo da forma como quem serve o país é tratado.
O Carlos Pereira e o Nuno Matos têm toda a razão.
É incrível como desde 200 anos somos incapazes de tratar condignamente o passado e estamos num presente eterno. Isto as vezes parece o 1984 de Orwell!
A forma como nós tratamos os nossos mortos nas guerras demonstra bem a qualidade do povo que somos. Mais do que pelas palavras é pelos actos que se julgam as pessoas.
Antonio
temos o 10 de Junho ou não temos?
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