10 novembro 2010

MANTER A CALMA

Se lermos os jornais de hoje em Portugal, dá a impressão que o país está à beira do colapso ou que já não nos resta outra  alternativa que não seja chamar o FMI (e accionar o fundo de estabilização europeu) para endireitar as coisas que nós já não conseguimos endireitar. Porquê? Porque os juros da nossa dívida soberana subiram temporariamente aos 7%, o limite "mágico" que, alegadamente, equivaleria uma chamada do FMI. Ora, será mesmo assim? Será que o recurso ao FMI é inevitável com juros de 7%?
Até pode ser que tal aconteça. Até pode ser que, face à instabilidade e à desconfiança dos mercados, não nos reste outra alternativa que não seja "chamar o FMI". No entanto, no meio de tanto dramatismo, seria aconselhável tentar manter a calma e pensar exactamente o que está em causa.
Neste sentido, vale a pena lembrar que o "limite mágico" dos 7% foi inventado pelo Ministro das Finanças, que numa manobra política para tentar convencer o PSD a aprovar o Orçamento de Estado e para tentar culpabilizar ou co-responsabilizar o principal partido da oposição sobre a situação actual, declarou em princípios de Outubro (em plena febre do debate sobre a aprovação do Orçamento) que se os juros "se aproximassem" dos 7% não nos restaria outra alternativa do que apelar ao recurso do FMI. 
Um disparate, como é óbvio, e que só se justifica porque este Ministro (e este governo) já só sabe fazer demagogia política na sua vã tentativa para se desresponsabilizar do gravíssimo e indesculpável descontrolo da despesa pública em 2009 e em 2010, um descontrolo que, como sabemos, é o principal motivo para ainda estarmos sob a ira dos mercados. Recorde-se que a Espanha estava igualmente numa situação muito delicada em Maio de 2010, mas saiu dos radares dos mercados após ter implementado um exigente pacote de austeridade e após ter garantido que não havia derrapagem orçamental. Nós não fizemos nem uma coisa nem outra (o PEC II era bem menos austero do que o plano espanhol) e pagámos e continuamos a pagar o preço por isso.
Para além do mais, e como Daniel Bessa mencionou ontem, fixar a meta dos 7% não foi "particularmente feliz". É que nestas coisas de mercados, há uma espécie de "self-fulfilling expectations", isto é, quando se colocam limites específicos, quase sempre os mercados irão testar esses mesmos limites. E assim o tiro político do Ministro das Finanças saiu-nos pela culatra, e é por isso que estamos agora obcecados com a tal meta dos tais 7%. 
Ora, vamos lá ter calma, pois não é caso para isso. Afinal, até ao primeiro semestre de 2011, esses tais 7% não vão ter grande efeito na economia nacional. Porquê? Porque, segundo o IGCP, 93% das necessidades de financiamento da dívida pública para este ano já estão garantidas, e os leilões de dívida que terão lugar hoje e no dia 19 de Novembro deverão chegar para cobrir as restantes necessidades de financiamento para 2010. Por isso, o "limite mágico" dos 7% terá pouco efeito prático por enquanto.
O grande desafio do financiamento da dívida nacional será no próximo ano, quando, segundo o FMI, teremos necessidades de financiamento a rondarem os 20% do PIB, algo como 34 mil milhões de euros. É difícil prever o que irá acontecer nos próximos meses, até porque há bastante incerteza sobre o que poderá ocorrer com a crise bancária irlandesa (que continuará a ter reflexos nos juros da dívida pública nacional). No entanto, de uma coisa deveríamos estar certos: se estivermos mesmo interessados em evitar o recurso ao FMI e ao fundo de estabilização europeu (o que não é linear para muitos analistas), então a melhor maneira de o fazer é não só garantir que a execução orçamental funciona desta vez, mas também acelerar a própria consolidação orçamental. É que o problema principal das contas públicas nacional tem um nome e chama-se "credibilidade". Ou seja, os mercados já não acreditam em nós ou na capacidade (vontade?) do governo em resolver o descontrolo das contas públicas. E a única maneira de conseguirmos sair da mira dos mercados é tentar atenuar o nosso grave problema de financiamento externo (com medidas de poupança interna, diversificando os compradores da dívida pública, etc) e tentar alcançar alguma réstia da pouca credibilidade que nos resta. É por isso que que é absolutamente essencial ser extremamente transparente e claro em relação à execução orçamental nos próximos meses.
E como é que poderíamos mostrar que a execução orçamental está a ser cumprida e que as metas para a consolidação orçamental são para valer? Nomeando a já tão falada entidade independente (ou dando mais poderes à UTAO) que teria por missão fiscalizar as contas públicas e reportar todos os meses se as metas da execução orçamental estão ou não estão a ser cumpridas. Não é difícil fazê-lo. O que tem faltado é vontade política para o fazer.

2 comentários:

Carlos Pereira disse...

Poderia ser 6.9% ou de 7.1% estamos a falar do mesmo, se bem que a diferença de 0.1% é bastante significativa, não é por aí. O ministro, foi infeliz, ao estabelecer a meta de 7%, uma meta psicológica, que não terá sido pensada. Comprova é o que já se vem a verificar há algum tempo, a noção errada das consequências futuras das mediadas tomadas hoje, tal e qual como os TGVs ou aeroportos, falta a noção do impacto futuro.

Carlos Pereira

Guillaume Tell disse...

Enfim... como é possível Teixeira dos Santos ser professor de Economia e fazer tantos disparates.
Vergonhoso e nada profissional.

Mas um aspecto de realeçar: sempre que o país esteve na bancarrota (pelo menos nos últimos 100 anos), o regime político mudou completamente. Agora saíra a bem esta vez?