Uma das características mais interessantes da economia nacional relaciona-se com a elevada percentagem de proprietários de habitação própria na população total. Como podemos ver no gráfico abaixo, na antiga União Europeia a 15 (UE15), Portugal é o quarto país com a percentagem mais elevada de proprietários com casa própria. Em 2007, 75% das famílias portuguesas eram proprietárias de casa, uma percentagem inferior à Espanha (86%), à Itália (80%) e à Irlanda (76%), mas bem acima da média da UE15 (64%), e de países como a França (57%), da Holanda (54%) e da Alemanha (43%).
Para além de estes serem números porventura interessantes, por que é que isto interessa à economia nacional? Porque 75% do endividamento das famílias portuguesas justifica-se exactamente pelo recurso ao crédito imobiliário. Neste sentido, a elevada percentagem de proprietários de casa própria na população total é um dos factores que explica o nosso elevado nível de endividamento.
Gráfico _ Percentagem de proprietários de casas na população total, União Europeia, 2007
Fonte: European Mortgage Federation
Mas há mais. Uma das consequências mais nefastas de existirem tantos proprietários de casas relaciona-se também com o nosso rígido mercado laboral. Mais concretamente, vários estudos têm demonstrado que a mobilidade laboral é menor quando a percentagem de proprietários de casas na população total é maior. Porquê? Porque quando as pessoas têm casa prória torna-se mais difícil mudar de cidade ou de região em busca de emprego. E quantos mais donos de casas existirem, mais forte é este efeito. Por isso, o mercado de trabalho torna-se menos dinâmico e há menos criação de emprego.
Resta então saber por que é que Portugal tem uma percentagem tão elevada de proprietários. A resposta é complexa, mas para além de razões culturais (que poderão ser comuns a Espanha e à Itália), um dos factores que mais contribui para esta situação é a nossa arcaica lei das rendas. Como o nosso mercado de arrendamento é muito limitado, as famílias portuguesas têm todos os incentivos do mundo para comprarem casa própria, muitas vezes endividando-se acima do que era razoável. Quando as famílias se endividam, o país também se endivida, até porque o financiamento de muitos destes créditos imobiliários foi financiado no exterior (ou seja, a nossa banca financiou-se no exterior para poder aumentar o crédito imobiliário).
Por todos estes motivos, seria bom que, de uma vez por todas, o próximo governo atacasse este problema pela raíz, introduzindo uma nova lei das rendas e implementando mecanismos para melhorar o mercado de arrendamento em Portugal. Se o fizermos, não só estaremos a combater uma das causas do nosso elevado endividamento, como também estaremos a contribuir para diminuir a rigidez do nosso mercado laboral.
9 comentários:
Convém notar que nem toda a gente perde com esta percentagem elevada de famílias proprietárias. Bancos e construtoras têm aqui grandes negócios, que seriam prejudicados se tivéssemos uma lei das rendas mais normal.
Se observarmos a influência de bancos e construtoras nos partidos e nos políticos nacionais, é fácil perceber porque é que as sucessivas leis do arrendamento não alteram nada.
Excelente post. Vale a pena bater nesta tecla todos os dias.
O único governante até hoje a propor uma alteração da lei das rendas foi, honra lhe seja feita, Pedro Santana Lopes. Provavelmente porque quem vive em Lisboa percebe de maneira muito visível a desgraça que esta lei significa para as cidades.
Ana Margarida Craveiro
Quero agradecer-lhe pela partilha dos seus estudos/opiniões, os quais contribuem para o combate do défice informativo.
Bárbara Rosa
Creio que não será tanto a lei das rendas, que agora até permite contratos bastante razoáveis, mas o medo de ter que lidar com tribunais para acções de despejo quando os inquilinos não pagam. É que, num contrato de dez anos, estar oito anos em tribunal não mata mas mói.
Estou sempre a dizer aos meus alunos que estudam para ser professores: se querem aspirar a um lugar numa escola não comprem casa. Ficam mais livres para se deslocarem para todo o país.
Alvaro,
Esse problema é elementar. Aqui há uns anos comprei um pequeno apartamento e disse muitas vezes que fui literalmente empurrado para essa situação, já que a prestacção do pequeno apartamento me era na altura mais barata que a de um quarto. Ainda assim, no meio da crise, fica muitas vezes muito mais barato comprar que alugar.
Não resisto a comentar que já há uns três anos escrevi coisa parecida aqui.
Perfeitamente de acordo com o enunciado, mas para que o arrendamento fosse uma realidade em Portugal era necessário ir contra interesses(banca e construtores).
E podiamos dizer mais: a elevada percentagem de propriétarios é também responsável pelo pouco investimento nos bens transaccionáveis, essenciais para relançar a economia nacional e resolver o défice externo.
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